UOL vai ao "interiorzão" do PR e descobre os verdadeiros segredos de Cézar
Jones Rossi
Do UOL, em Guarapuava (PR)
Muito pobre, a família de Cézar Lima foi ter a primeira televisão em casa no ano 2000, quando ele já era um adolescente de 15 anos. Antes disso, ela já tinha mudado a maneira como ele via o mundo. Visitava os vizinhos só para assistir a TV. E havia prometido para si mesmo: um dia seria famoso, não importava como.
Terceiro filho de dona Maria Rosa, o grande favorito ao prêmio de R$ 1,5 milhão do "BBB15" nasceu em Inácio Martins, em 1984. Até hoje a cidade é uma das mais pobres do Paraná, com um índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,600, segundo o IBGE. Em 1991, era de 0,326, tão baixo como os dos países da África Subsaariana – o IDH do Brasil é de 0,744. O país de pior índice do mundo atualmente, o Níger (0,337), ainda é melhor do que Inácio era na época do nascimento do brother.
Isso se refletia nas condições de vida da família Lima. Em plena década de 80, a mãe de Cézar deu à luz todos os filhos em sua casa, composta por um quarto, uma cozinha e uma despensa. Quase morreu no parto de Janete e Edson, os irmãos mais velhos. Pariu Cézar sozinha, enquanto o marido, Darcílio, foi correndo pegar o cavalo para chamar a parteira.
"Eu abri a janela e gritei para a vizinha que eu estava em trabalho de parto. Eu era católica e pedi para Nossa Senhora que me ajudasse. Ele não deu trabalho nenhum para nascer", contou ao UOL, chorando. "Foi muito lindo, a lua iluminava o quarto, brilhou no olho dele. Enrolei o Cézar na minha blusa vermelha. Eu só me preocupava em tirar a roupa de cama, porque se eu sujasse aquela não teria outra para dormir."
Quase nunca ficou doente em toda sua vida. O maior problema aconteceu quando tinha nove meses e, ao ser levado pela mãe à lavoura, acabou pegando um berne (larva da mosca) no ouvido. O local ficou tão infeccionado que dona Rosa temeu pela vida do filho. Sem outra alternativa, "passei mel com veneno e tirei o berne com uma dessas pinças de fazer sobrancelha. Graças a Deus deu certo."
A mudança de Inácio Martins para Guarapuava aconteceu quando a lavoura deixou de pagar as contas da família. Segundo Rosa, a família colhia cinco sacos de feijão, mas a dívida no armazém já era de oito. E só piorava ano após ano. A educação também pesou. Darcílio Lima, pai de Cézar, não queria ver os filhos seguindo sua profissão. Em 1996, a família então se mudou para a colônia Vitória, no distrito de Entre Rios, distante 17 quilômetros do centro de Guarapuava.
Jones Rossi/UOL Eu abri a janela e gritei para a vizinha que eu estava em trabalho de parto. Eu era católica e pedi para Nossa Senhora que me ajudasse. Ele não deu trabalho nenhum para nascer. Foi muito lindo, a lua iluminava o quarto, brilhou no olho dele. Enrolei o Cézar na minha blusa vermelha. Eu só me preocupava em tirar a roupa de cama, porque se eu sujasse aquela não teria outra para dormir mãe de Cézar
Com 16 anos, por causa de sua altura, 1,92 metro, chegou a jogar como goleiro no Danúbio, um clube amador da colônia. Seu treinador na época era Sérgio Miranda, mais conhecido como Ratinho, que hoje trabalha na Associação Atlética Batel, clube que disputa a segunda divisão do Campeonato Paranaense. "Ele tinha uma boa estatura, uma boa envergadura, mas quando a bola ia para o gol ele gritava: 'É minha, é minha!' E era gol do adversário", diverte-se Ratinho, lembrando das "qualidades" de Cézar como futebolista. Mas está na torcida pelo guarapuavano.
Sem dar certo no futebol, Cézar entrou para a faculdade de economia. Darcílio conta que foi com muita dificuldade que conseguiram pagar as mensalidades, com sacrifícios de todos. Fizeram empréstimos. Para pagar, Rosa até hoje, aos 59 anos, trabalha como empregada doméstica, em Londrina. Mesmo aposentado, Darcílio, de 67 anos, também trabalha como jardineiro. Quando cursava economia, Cézar passava o dia na cidade e almoçava apenas um pão, de acordo com Rosa.
Também foi enquanto cursava economia que adquiriu o hábito de falar difícil, entrega a irmã Janete. "Ele circulava as palavras que não entendia nos livros e depois procurava na internet", afirma. O palavreado empolado acabou se tornando marca registrada de Cézar no dia a dia, inclusive nas conversas com os amigos e nos trabalhos da faculdade.
"A escrita dele é carregada de termos jurídicos bem complexos. Corrigir um trabalho dele leva bem mais tempo", diz o professor de ciências criminais Rudy Heitor Rosas. "Uma coisa que pouca gente percebe é que os votos dele dentro do 'Big Brother' são muito bem construídos."
Jones Rossi/UOL É incrível. Ele consegue tocar certinho no violão e cantar totalmente fora do tom. Nem se eu fizesse de propósito eu conseguiria. (...) Ele dá aquele abraço, do mesmo jeito que abraçou o Adrilles no domingo, quando fizeram as pazes depois de terem sido indicados ao paredão professor de música e amigo de Cézar
Feo afirma que às vezes a cantoria de Cézar já o irritou e também às clientes do salão de beleza da mulher, que fica perto da escola. Mas que o jeito do amigo o desarma. "Ele dá aquele abraço, do mesmo jeito que abraçou o Adrilles no domingo, quando fizeram as pazes depois de terem sido indicados ao paredão." A filha de Walter, Fernanda, que também é amiga de Cézar, o chama de "tiangão", um neologismo para bobão, mas de bom coração.
Foi Walter que ajudou a organizar, junto com as irmãs de Cézar, a reunião dos fãs na praça de alimentação de um supermercado da cidade. Em dias de paredão, centenas de pessoas aproveitam o wi-fi grátis para votar maciçamente no conterrâneo. É comum a mobilização em outros lugares, como a faculdade onde Cézar cursa direito. Em dia de paredão, liberam o laboratório de informática para os alunos votarem.
Segundo os colegas de turma, Cézar é no "Big Brother" a mesma coisa que é na sala de aula: reservado, só fala com quem tem intimidade e é avesso à confusão. Melhor amigo de Cézar na faculdade, Lucas Pelegrini conta que, em três anos de curso, o brother só foi a um churrasco – apesar de sempre ser convidado –, não gosta de baladas, nunca acompanha os colegas nos bares, sempre chega mais cedo nas aulas para ficar estudando (informação confirmada pelo professor e pelos colegas) e é sempre visto na biblioteca.
Durante a faculdade de direito, ele fez estágios na Defensoria Pública, no Ministério Público, na Justiça Federal e no Núcleo da Infância e Juventude da Unicentro (Universidade Estadual do Centro-Oeste).
Esse Cézar parece incompatível com o Cézar que sempre sonhou ser famoso. Desde os 19 anos, ele se inscreve e manda vídeos para a produção do "Big Brother". Fez curso de locução de rádio, ainda na juventude, pensando que isso o ajudaria de alguma forma na busca pela notoriedade.
Sempre centrado na busca pela fama, deixou o último estágio para participar das gravações da novela da Record, "Os Dez Mandamentos", como figurante.
Nas últimas eleições municipais, disputou o cargo de vereador pelo Partido Social Liberal Nacional (PSL), com o objetivo exclusivo de aparecer na TV. Obteve apenas 57 votos, tornou-se suplente de vereador, mas conseguiu seu principal objetivo. Com seu discurso que virou marca registrada no "Big Brother", apareceu em uma reportagem do Fantástico que reunia os candidatos com as campanhas mais bizarras do Brasil. Quatro anos antes, quando foi candidato pelo PPS, também tinha se tornado suplente, com 155 votos.
De alguma forma, todas essas características caíram no gosto do público. A forte religiosidade, traço de grande parte da população brasileira, também conta a seu favor. Cézar é católico fervoroso, do tipo que vai à missa todo domingo. É o único de sua família que não é evangélico – seu pai, sua mãe e irmãs vão à Igreja Mundial. Mas faz sucesso entre eles. "Os evangélicos não podem assistir ao programa, mas me mandam mensagens dizendo que estão orando pelo meu irmão", conta Eliete, irmã mais nova de Cézar.
Neal Gabler, em seu livro "Vida, o Filme" (Cia. das Letras, 1999), fez um resumo perfeito, antes mesmo da supremacia das redes sociais, "Big Brother", Kim Kardashian e Paris Hilton, de como havia pessoas transformando suas vidas em entretenimento. Eram famosas por serem famosas, em um dilema de Tostines infinito. Cézar, que nasceu em um rincão profundo do Paraná, conheceu a TV somente perto da virada do milênio, parece ter percebido isso instintivamente. E compreendido melhor do que ninguém a resposta para a pergunta de R$ 1,5 milhão.
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