Seriado olha com realismo, mas carinho para a dura vida no subúrbio

Mauricio Stycer

Mauricio Stycer

Crítico do UOL

Ausente das telas da Globo desde novembro de 2010, quando exibiu “Afinal, o Que Querem as Mulheres?”, o diretor Luiz Fernando Carvalho volta a apresentar um trabalho original nesta quinta-feira, às 23h35.

Em oito episódios, “Suburbia” conta a história de Conceição, jovem negra, analfabeta, que passou a infância miserável numa carvoaria em Minas, até fugir para o Rio. Chegando lá, foi detida por engano, enfrentou uma temporada no reformatório, depois foi empregada no apartamento de uma professora universitária na zona sul, até encontrar abrigo em Madureira, numa casa de gente simples e bacana, mas repleta de conflitos.

Escrita por Carvalho em parceria com Paulo Lins, autor de “Cidade de Deus”, “Suburbia” é a única série dramática entre as quatro escaladas para ocupar o lugar de “Gabriela” no fim da noite na Globo. As outras três, “Louco por Elas”, “Casseta & Planeta” e “Como Aproveitar o Fim do Mundo”, são comédias.

O UOL assistiu aos dois primeiros episódios de “Suburbia”. Ambientado nos anos 90, o seriado busca apresentar um retrato realista, mas humanizado sobre um segmento social muito marginalizado. O resultado é belíssimo e comovente. Como outros trabalhos de Carvalho, porém, exige atenção redobrada do espectador acostumado a diálogos muito didáticos e planos fechados e simples.

Diretor de algumas novelas de sucesso, como "Pedra sobre Pedra" (1992), "Renascer" (1993) e "O Rei do Gado" (1996), Carvalho vem se ocupando, há mais de uma década, basicamente de seriados ou microséries. Dirigiu "Os Maias" (2001), "Hoje É Dia de Maria" (2005), "A Pedra do Reino" (2007) e "Capitu" (2008), entre outros.


Econômico no texto, em "Suburbia" Carvalho convida o público a viver as experiências de sua protagonista por meio dos olhares dos personagens e das imagens expressivas que capta, muitas vezes com a câmara na mão.

Quase todo o elenco, inclusive a protagonista, a mineira Erika Januza, funcionária administrativa de uma escola, é formado por atores inexperientes ou novatos, o que reforça a intenção de convidar o público a imaginar que as situações exibidas são reais.

O sambista Haroldo Costa interpreta Aloysio, o chefe da família, torneiro mecânico aposentado, que abriga Conceição em Madureira. No segundo episódio, Carvalho exibe Aloysio sentado no quintal da casa, olhando para os passarinhos na gaiola, numa imagem que claramente presta reverência a uma famosa foto de Pixinguinha feita por Walter Firmo.

A mulher de Aloysio, Mãe Bia, é devota de orixás da umbanda. Eles têm vários filhos e agregados. Todos negros, alguns casados com brancos. Uma de suas filhas, Vera, empregada doméstica na zona sul, é evangélica. “Crente tem a mania de colocar o diabo em tudo”, reclama o pai.

No lançamento do seriado, Paulo Lins classificou “Suburbia” como “uma grande superação num país desigual.” E acrescentou: “O seriado mostra uma busca de melhor condição de vida através do trabalho, da cultura, da religião e de uma rede de solidariedade que existe entre os pobres. Antes de tudo, é uma reflexão social”.

“Suburbia” passa longe da idealização do universo suburbano visto na novela “Avenida Brasil”, por exemplo. Na visão de Carvalho, o seriado dialoga com outros momentos da televisão, como os trabalhos de Dias Gomes (1922-1999), obras antigas de Aguinaldo Silva e mesmo alguns dos maiores novelões de Janete Clair (1925-1983), como “Pecado Capital”, nos quais a crítica social é uma espécie de pano de fundo para o melodrama.

Luiz Fernando Carvalho espera que, depois dos oito episódios de “Suburbia”, a serem exibidos ainda este ano, possa realizar uma segunda temporada do seriado. Pelo que vi nos dois primeiros capítulos, também espero.

 

Mauricio Stycer

É jornalista desde 1986. Repórter e crítico do UOL, autor de um blog que trata da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor. Conheça seu Blog no UOL

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