Com ousadias e bizarrices, "Amor à Vida" começa com gosto de X-Tudo

Mauricio Stycer

Mauricio Stycer

Crítico do UOL

É com alívio, depois da decepção causada por "Salve Jorge", que o público está recebendo "Amor à Vida". A novela de Walcyr Carrasco tem todos os elementos necessários, talvez alguns até demais, para prender a atenção e divertir o espectador pelos próximos sete meses.

No primeiro texto que escreve para o horário das 21h, Carrasco apostou numa receita eclética, misturando variadas fórmulas e modelos já testados. Os primeiros cinco capítulos mostram o autor atirando em todas as direções, no esforço de agradar a gregos e troianos.

A trama principal, em torno de uma família da elite, descendente de imigrantes libaneses, proprietária de um hospital em São Paulo, tem a cara das novelas de Manoel Carlos, salpicada com toques de "Grey´s Anatomy".

Outro clichê clássico, presente em dez entre dez novelas, é o do núcleo de trabalhadores, honestos, que dá duro na vida – no caso, com sotaque paulistano típico, "italianado". Próximo deles, estão os malandros, representados pela ex-chacrete e sua filha, que tenta arrumar um marido rico.

No esforço de arrebatar o espectador, já nos primeiros capítulos, "Amor à Vida" também apelou para o melodrama pesado em diversas situações, com direito a exageros e inverossimilhanças que fizeram lembrar Glória Perez. Só voando muito para aceitar que, ao encontrar um bebê numa caçamba, num beco, no meio da noite, Bruno fosse socorrido por um táxi, por exemplo.

Mas, especialmente, "Amor à Vida" parece ter encontrado na "Avenida Brasil" de João Emanuel Carneiro a iluminação que precisava para capturar o espectador. Em primeiro lugar, graças a uma direção competente, atualizada, a novela tem ritmo intenso, cara de cinema e elenco aparentemente bem orientado.

Carrasco também está sendo comparado a Carneiro por desenhar um vilão forte, bem caricato, capaz de provocar empatia e divertir o público. Felix virou o xodó do Twitter em poucos capítulos, assim como Carminha, embora a caracterização do ator e o texto do autor estejam longe de apresentar um "gay enrustido", como prometido, oferecendo um personagem com orientação sexual explícita.

O personagem foi responsável por um momento de ousadia na teledramaturgia brasileira. No quarto capítulo da novela, numa cena memorável, Felix reconheceu para Edith, sua mulher, que é gay, mas que precisa continuar vivendo uma situação mentirosa com ela.

Para compensar a ousadia, o autor tem brindado o público com estranhas mensagens religiosas e místicas, como em outras novelas suas. Logo na estreia, quando Bruno encontra o bebê no lixo, ele diz: "Deus me deu uma nova chance!". Sem saber que é mãe de Paula, Paloma "sente" uma forte ligação com a menina.  

Na quinta-feira, em dúvida se fugia com o namorado irresponsável, Ninho (Juliano Cazarré), ou se permanecia com a família, Paloma ouviu o conselho de uma beata na rua, que diz: "Você está triste, não? Pergunta pra Deus, abra seu coração. Deus nunca falha." Paloma, então, evoca Deus e pede "inspiração". Na sequência, ela procura Ninho para dizer que não vai fugir com ele.

"Amor à Vida" produziu a certeza, ao final da primeira semana, que estamos longe dos problemas vistos em "Salve Jorge". Mas, entre ousadias e bizarrices, e muitas influências, a novela corre o risco de produzir uma espécie de "X-Tudo", um sanduíche com tantos ingredientes que mal se percebe o seu gosto.

Mauricio Stycer

É jornalista desde 1986. Repórter e crítico do UOL, autor de um blog que trata da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor. Conheça seu Blog no UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos