"Avenida Brasil" chega ao 100º capítulo mostrando classe C para turista ver
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Divulgação/TV Globo
O ex-jogador de futebol Tufão (à direita) com os agregados em sua mansão no Divino
Novela é a mais tradicional forma de entretenimento popular da televisão brasileira. Destinada às classes C, D e E, eventualmente também agrada às classes A e B. É o caso de “Avenida Brasil”.
Apesar de registrar audiência um pouco inferior à de “Fina Estampa”, sua antecessora, a trama de João Emanuel Carneiro chega a seu 100º capítulo nesta quinta (19) alcançando muito mais repercussão do que a novela de Aguinaldo Silva, justamente por conta do interesse que despertou entre os chamados formadores de opinião.
Em entrevista à revista “Veja”, Carneiro explicou que sua novela mostra a realidade de um novo grupo social, os “pobres-ricos”. São os moradores do Divino, em especial os habitantes da mansão de Tufão. “É a gente simples que saiu de baixo e ficou rica, mas mantém o jeito de ser suburbano. Goste-se ou não, essas pessoas se impuseram culturalmente”, explicou o autor.
O líder do clã, um ex-jogador de futebol, milionário, com experiência na Europa e no Flamengo, é apresentado quase como um parvo. Tufão mora em uma mansão cafona, repleta de agregados e funcionários, não faz nada o dia inteiro, é incapaz de enxergar o que ocorre ao seu redor e é um doce com todas as pessoas.
Sua mulher, Carminha, é a antípoda. Enganou e roubou o primeiro marido, largou a enteada no lixão, engana Tufão com um amante há 12 anos, é hipócrita, duas caras, desvia dinheiro de caridade para gastos pessoais, manda agredir seus inimigos e, tudo indica, será capaz de matar.
A irmã de Tufão, Ivana, é a única pessoa que trabalha no clã. Ingênua até a raiz dos cabelos tingidos, era sócia de Monalisa a empreendedora do Divino, numa rede de salões de beleza.
Imigrante nordestina, Monalisa é, como todos, de origem humilde. Ilustração do poder do trabalho, ela deu o salto de cabeleireira a dona de salão. Criou um pequeno império. Mas, como Tufão, é muito boba e incapaz de enxergar além do próprio quintal. Provinciana, fala da zona sul da cidade como um lugar perigoso, quase como se fosse uma selva.
Para retratar esse mundo “suburbano”, Carneiro contou à “Veja” que recorre a fontes literárias (Nelson Rodrigues, Victor Hugo e Lima Barreto) e da “vida real”: “É claro que extraí algo das conversas com minha cozinheira, das notícias sobre a periferia que vejo na TV e das lembranças dos bairros pobres do Rio que visitei na infância com minha mãe, que era antropóloga”.
A fala de Carneiro, nascido e criado na zona sul do Rio, lembra a de um turista em visita a um mundo exótico. “A cozinheira da minha casa é tão interessante, por sinal, que prefiro conversar com ela a aturar muito intelectual por aí”, diz o autor na entrevista.
O núcleo da zona sul, aliás, merece um tratamento especial em “Avenida Brasil”. Enquanto o registro no Divino busca uma aparência realista, quando a câmera atravessa a cidade, a novela ganha tons de “Zorra Total”. O mundo de Cadinho & Cia é tão caricato que não há como ofender as classes A e B que assistem à novela.
A personagem central neste enredo é Nina. Nascida no subúrbio, foi largada no lixão, mas teve a oportunidade de ser adotada por um casal de argentinos de classe média alta. Na Argentina, foi educada, ganhou cultura, tornou-se uma pessoa ilustrada.
Nina voltou ao Brasil com dois objetivos. O mais visível, o combustível principal de “Avenida Brasil”, é o seu desejo de se vingar de Carminha, a bruxa. O segundo, e mais sutil, é educar Tufão e seus familiares, “civilizar” os “pobres-ricos” do Divino.
Mauricio Stycer
É jornalista desde 1986. Repórter e crítico do UOL, autor de um blog que trata da alta à baixa cultura, do esporte à vida nas grandes cidades, sempre que possível com humor. Conheça seu Blog no UOL