Opinião: Em tempos de internet, Gugu entendeu como fazer TV viral

Chico Barney

Especial para o UOL*

Quem diria que, em pleno Ano da Graça de 2015, o homem de mídia que estaria pautando a internet, as mesas de bar e as conversas de elevador seria Augusto Liberato?

Gugu esteve fora da televisão brasileira durante um bom tempo. Voltou em um novo horário, agora durante a semana. Mas continua com seu charme eterno para o entretenimento rápido e rasteiro.

O primeiro indício de que tudo seria muito bom foi a aposta no próprio cânone: o retorno do Pintinho Amarelinho, o Táxi do Gugu e todos aqueles quadros clássicos.

Não existe desafio maior para um programa de televisão hoje em dia do que se tornar assunto. Já temos assuntos o suficiente por aí, as pessoas têm gostos cada vez mais específicos.

A internet, em especial, é uma competidora ainda mais difícil para os veteranos de guerra. Veja o "Fantástico", por exemplo: tenta entrar na brincadeira simplesmente replicando tudo o que já vimos no Facebook no decorrer da semana. Faz tempo que seu amigo não compartilha algo bombástico que só teria saído no dominical da Globo.

Mas Gugu retornou como mestre do próprio jogo. Em vez de correr atrás das últimas novidades das redes sociais, ele pautou a internet.

E esse é o grande desafio da televisão popular neste glorioso século 21. Não basta colocar uma hashtag na tela e torcer pra alguma coisa acontecer. Tudo o que a internet quer é alguma coisa para deglutir, esmiuçar, destroçar.

A TV norte-americana tem se esmerado nisso –dos Muppets ao Jimmy Fallon, uma boa quantia de dólares tem sido investida em quadros que surgem na telinha prontinhos para viralizar no Youtube.

Mas a receita de Gugu foi um pouco mais fácil – e por isso mesmo genial: uma assassina condenada, alguns erros técnicos e simplesmente a câmera ligada. Gugu se espalha como um vírus.

Tudo começou com a incrível entrevista com Suzane von Richtofen. Existem dois fatores a serem avaliados aqui: 1) a presença marcante que a moça possui no imaginário popular, apesar de raramente ter falado com a imprensa; 2) o indelével cânone que a mera figura de Gugu Liberato já carrega.

Reprodução
Suzane von Richthofen e Sandra Regina Ruiz Gomes durante entrevista ao Gugu

O blend sofisticadíssimo entre os dois rendeu muito além da comoção que normalmente renderia. O auge foi o meme brincando que Gugu reformaria a cela de Suzane e sua namorada, Sandra Regina Ruiz Gomes.

Nem todo mundo entendeu que era uma piada e divulgou a imagem como se fosse real. É o que acontece na internet de maneira geral, as pessoas são assim.

Mas foi assim que Gugu conseguiu se infiltrar nas correntes de Whatsapp e nos textões do Facebook sobre a atual situação do Brasil em um momento em que todo o foco estava na situação política do país. Um feito grandioso em tempos tão bicudos.

A própria Globo se armou com o que pôde para impedir que Richtofen humilhasse seus programas. Esticou a novela "Império" até onde foi possível sem obrigar que "Babilônia" tivesse que estrear com uns dias de antecedência, levou o BBB até o dia seguinte e ainda trouxe o personagem mais popular do "Tá No Ar" para dar um abraço no Bial.

Não teve jeito. Podem até ter enganado o Ibope, mas o grande assunto foi mesmo a entrevista, que ainda seria brilhantemente parodiada pelo programa de Marcelo Adnet na semana seguinte. E pelo Pânico. E por diversos outros veículos, plataformas e pessoas.

A segunda semana do novo programa do Gugu foi ainda mais formidável. A mídia golpista preferiu comentar apenas que o Ibope caiu: na noite da morte do sertanejo José Rico, Ratinho chegou a ganhar da Record com uma comovente cobertura do funeral. Só que a questão é muito mais profunda.

O enterro de José Rico na internet foi como o de um anão – ninguém viu. Enquanto isso, algumas pautas bem mais amenas do Gugu ganharam views, comentários e reportagens.

E é aí que o lado mambembe da produção começou a jogar a favor do apresentador.

Uma moça foi levada ao palco para reencontrar um gato há tempos desaparecido. Formou-se um teatro para que ela não desconfiasse que um "detetive pet" havia encontrado o bichano em algum buraco da cidade. Tudo seria razoavelmente usual se não fosse um golpe de sorte: o gato tomou um susto e arranhou o rosto da dona, chegando a sair sangue. Quem viu, compartilhou.

Em uma outra jogada de mestre do destino, a cantora Wanessa acabou se constrangendo graças a um playback mal combinado. E na dificuldade da plateia de entoar seus hits em inglês, ela ainda teve humildade o suficiente para tentar relembrar o refrão do seu primeiro sucesso. O absurdo da situação também rendeu muita emoção na rede mundial de opiniões – e até o Rafinha Bastos aproveitou para dar uma sacaneada.

A tragédia dos outros sempre rendeu uma boa audiência ao Gugu. Chegou a hora de entender que quando a tragédia acontece em casa, na produção do programa, também existe uma forma legítima de tirar proveito. O operador de áudio do caso com a Wanessa deveria ter sido promovido, jamais demitido.

Agora o desafio é manter essa consistência. Factoide é o nome do leão que Gugu precisa matar por dia – mais especificamente três dias por semana durante três meses nessa primeira temporada. Não pretendo acompanhar o programa, mas estou ansioso pelos próximos melhores momentos no Youtube.

* Entusiasta e divulgador da cultura muito popular. Escreve sobre os intrigantes fenômenos da TV e da internet desde 2002

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