Fãs aprovam conservadorismo de novela turca e nativas explicam tradição
Amanda Serra
Do UOL, em São Paulo
Com um vasto arquivo de imagens do galã que interpreta Onur – inclusive de seus pés –, a advogada Thereza Negrisollo, 63 anos, e a professora Conceição Leite Ghirotti, 60, são fãs de "Mil e Uma Noites", frequentam grupos fechados em redes sociais sobre a novela turca exibida pela Band e já planejam uma ida à Turquia.
Como adolescentes, elas suspiram com cada desenrolar da história de amor entre Onur (Halit Ergenç) e Sherazade (Begüzar Korel). "Os atores são lindos, o lugar é bonito. Acho o Onur um cara másculo", disse Thereza, com certo pudor, durante um evento promovido pela Band para fãs da trama.
Como elas, 45% dos internautas do UOL que responderam a enquete "Atualmente, qual é sua novela favorita?" preferem a trama da Turquia a novelas como "Babilônia" e "Dez Mandamentos".
"Estava cansada das 'porcalhadas' da Globo e pensei: 'Vou assistir a essa novela e rever Istambul' e acabei me apaixonando. Todo homem deveria assistir para ver como se ama uma mulher", completou a advogada, uma das 180 pessoas sorteadas para acompanhar um pocket show da cantora Laís, a intérprete de "Eu só Queria te Amar", tema do casal, na sede da emissora, em São Paulo.
"Mil e Uma Noites" tem 90 capítulos e a história gira em torno de Sherazade (Begüzar Korel), uma jovem arquiteta que não consegue pagar o tratamento de saúde do filho pequeno, Kaan (Efe Çinar), que tem leucemia. Disposta a tudo para salvá-lo, ela aceita ir para cama com seu chefe, o rico e manipulador Onur em troca do dinheiro. Após passar a noite com Sherazade, Onur se apaixona pela funcionária. Esse momento é conhecido como a "noite negra" na história.
Sem cenas de sexo e demonstrações exageradas de carinho, mas com temas como prostituição e aborto (proibido no Brasil, mas legalizado na Turquia até a décima semana de gestação) no enredo, os fãs não veem a abordagem como uma afronta.
"A questão do aborto faz parte dos costumes da Turquia, não faz parte da cultura brasileira. Sou contra o aborto, mas não me ofendo [de ver na novela]. Se tivesse uma votação no Brasil a favor da legalização, votaria contra. Mas isso não depende de mim, é uma questão de legislação...", disse Thereza.
A forma com que o personagem Onur trata Sherazade, aos gritos ou muitas vezes a puxando pelo braço, também é justificável para as fãs, que enxergam as atitudes como uma demonstração de amor. "Ele até pode ser machista, mas e o tanto de carinho que ele dá para ela? E outra, ela é birrenta", justificou a telespectadora Márcia Gomes, 50 anos.
Na Turquia há 15 anos, a professora de inglês Danielle Boggione é autora do canal "Sobrevivendo na Turquia" – no qual conta dramas pessoais de sua vida como ex-mulher de turco – e atualmente acrescentou mais um tema: falar sobre a novela. Desde a estreia da trama na Band, ela viu o acesso de sua página no YouTube aumentar consideravelmente e teve que passar a assistir ao folhetim para atender aos pedidos dos fãs, que a comparam com a personagem Sherazade.
"Aqui o foco da novela não foi o romance de Onur e Sherazade, mas os contratempos vividos pelos diversos personagens. Falava-se mais dos sequestros, das traições e dos infortúnios do que da parte romântica da novela. Atribuo isso a fatores culturais característicos desse país, já que a Turquia observa e releva outros aspectos em detrimento ao 'amor', que é bem vindo à trama, mas não o foco da novela", explicou a brasileira.
Tradição turca em telenovelas
Como no Brasil, "Mil e Uma Noites" (2006 – 2009) também foi um sucesso no Oriente. "Era um furacão na Turquia", contou a turca Berna Ayata, que trabalhou como colaboradora da autora Glória Perez em "Salve Jorge". Surpresa com a repercussão, a turismóloga não imaginava que uma história de sua terra pudesse cativar o público latino – "achei que o assunto não interessaria".
"O carinho na Turquia é diferente. Aparentemente, os brasileiros são mais carinhosos, demonstram mais, mas o homem turco é mais apaixonado. Na Turquia existe um carinho enorme, mas isso não é nítido. Não é comum ver pessoas se beijando nas ruas, não porque não pode, mas porque não faz parte da cultura. Minha mãe sempre me disse: 'Há lugar para isso'", completou Berna, que mesmo morando no Brasil há mais de dez anos, não se sente à vontade de dar selinho em público.
De 2006 para cá, os folhetins turcos passaram a retratar o cotidiano e valorizar a história da população, o que atraiu o público masculino. No ar há nove anos, "Muhtesem Yüzyil" é um exemplo desta transição. A história retrata a vida de um sultão interpretado pelo ator Halit Ergenç e se passa durante o Império Otomano.
"É uma febre, não tem um turco que não assista. Os folhetins sempre fizeram parte da cultura, mas até então homens não assistiam novelas. Era um hábito das mulheres", contou Berna, reconhecendo que isso dificilmente será dito abertamente. "Como a Turquia é um país mais machista, eles nunca vão dizer que assistem".
Considerando os bons resultados de "Mil e Uma Noites", a Band comprou os direitos de "Fatmagül'ün Suçu Ne", exibida pelo Kanal D, em 2010. A turca Sahine Ayata, 72, moradora de Ankar, tem dúvidas sobre a repercussão dessa trama na América do Sul.
"As pessoas podem achar omisso o que acontece todo dia na Turquia, porque se trata de uma menina estuprada tentando colocar os culpados na cadeia", alertou. Ela ainda dá dois conselhos os produtores nacionais: "Comprem "Muhtesem Yuzyil" e "Arka Sokaklar" (no ar há dez anos)."
Noveleira assumida, Sahine ainda faz uma observação: "Acho que os nossos galãs são mais bonitos do que os brasileiros" [risos]. A filha Berna também concorda: "Os homens na Turquia são bem parecidos com o Onur. São robustos".
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