Boicote à novela "Babilônia" é coerção e lembra prática da ditadura militar

James Cimino
Do UOL, em São Paulo

O boicote promovido pela Frente Parlamentar em Defesa da Família Brasileira contra a novela "Babilônia" é coercitiva e lembra a relação dos militares com as novelas durante a ditadura.

A avaliação foi feita pela professora Cristina Costa, diretora do Observatório de Comunicação, Liberdade de Expressão e Censura da USP (Obcom). Segundo ela, não se pode dizer que se trata de censura, porque os deputados e senadores que lideram a campanha não usaram seu poder para tirar o folhetim do ar ou mesmo para mudá-lo de horário. No entanto, ela enxerga a ação de maneira "preocupante".

"Isto é coerção. E na essência é o mesmo que os militares faziam na ditadura. Eles tentam impedir previamente que a população veja um conteúdo artístico, obstruindo assim o debate e a consciêncientização sobre temas que ocorrem na sociedade. Eles obviamente não têm os mesmo meios que a ditadura, mas certamente se utilizam dos mesmos critérios", disse.

Além disso, a diretora do Obcom, que possui um acervo de mais de 6.000 peças de teatro censuradas entre 1926 a 1970, aponta outras semelhanças entre o boicote e a censura do período militar: "Os critérios são os mesmos: Impedir a veiculação de conteúdos que não atendam a uma falsa moralidade, ou a uma moralidade religiosa, e uma ideia equivocada sobre o papel da arte."

Para ela, a arte é um espaço para discussões, mesmo que contundentes, sobre a realidade. "A arte não deve estar a serviço de crenças, mas a serviço da crítica, propondo discussões de temas que são tratados no mundo. Isso tudo faz parte de um retrocesso político ideológico muito forte na sociedade brasileira de hoje."

Um dos autores de "Babilônia", Ricardo Linhares reagiu indignado à campanha. Em entrevista ao site "Notícias da TV", Linhares sugeriu que o boicote tem motivação "obscurantista e ditatorial" e promove "a discriminação e a intolerância",

A reportagem do UOL conversou com o senador Magno Malta (PR-ES), um dos integrantes da Frente que divulgou uma imagem em sua conta no Facebook pedindo que o público "não dê audiência para mais essa novela que vem para destruir os valores da família brasileira".

Reprodução/Facebook
Imagem da campanha de parlamentar para boicotar a novela "Babilônia" divulgada no Facebook no senador Magno Malta (PR-ES)
Segundo ele, não há intenção de censurar a novela e disse que o problema não é apenas com as personagens de Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg. A ninfomania de Beatriz (Glória Pires) também incomoda, além do nome da trama, que remete à cidade onde, segundo a Bíblia, havia todo tipo de perversidade.

"Não quero tirar do ar. Nem tirar as personagens. Só acho que eles pesaram a mão. Na segunda-feira [23] vou mandar um ofício para o ministro da Justiça para reclassificar para 16 anos. Eu não quero minhas filhas vendo duas senhoras homossexuais se beijando. São cenas muito pesadas para aquele horário."

O senador, que afirma ter assinado o manifesto sem tê-lo lido, diz concordar que ninguém é obrigado a assistir nenhum programa e que a educação dos filhos é responsabilidade dos pais, mas acha que uma concessão pública de TV deve ser fiscalizada. "Trinta segundos de novela destroem anos de educação em casa."

A reclassificação, na visão da professora Cristina Costa, é uma forma de censura. Em entrevista dada ao UOL em janeiro de 2013, quando foi publicado um especial de oito reportagens sobre a censura às novelas durante o regima militar, ela afirmou que "não houve período de nossa história [do Brasil] em que não houvesse censura" e que a classificação indicativa é um tipo de censura.

"Porque ela [a classificação] é feita por funcionários públicos. Ah, mas eles só dão diretrizes! E se passar um programa que fira os interesses dos governantes, para que horas ele será classificado?"