Os personagens insólitos da novela "Saramandaia", exibida na Globo às 23h, são usados pelo autor Ricardo Linhares para discutir o preconceito na sociedade brasileira contemporânea. Ele discutiu o assunto em um evento na USP que tratava do realismo fantástico na ficção e falou como desenhou a linha dramática de personagens como dona Redonda (Vera Holtz), professor Aristóbulo (Gabriel Braga Nunes), João Gibão (Sergio Guizé), entre outros.

"Na primeira versão, o realismo fantástico era usado para falar de política e de repressão, já que a novela era exibida em plena ditadura militar. Hoje, eu uso para falar de preconceito. Veja o lobisomem, por exemplo. Todo mundo o tolerava enquanto ele estava no armário. Enquanto havia só suspeitas, tudo bem. Quando ele começa a se transformar na frente de todo mundo, as pessoas passam a discriminar.", diz o autor.

A personagem que mais representa o preconceito na história, segundo Linhares, é dona Redonda. Sua explosão, nesta versão, é fruto de seu comportamento maledicente. "O João Gibão, por exemplo, não se aceita por ter asas. A Redonda se impõe pelo tamanho e por criticar a todos sem olhar seus defeitos. O Zico Rosado [José Mayer] põe formiga pelo nariz, mas todo mundo respeita porque ele é poderoso."

Linhares ressalta, no entanto, que procura levar questionamentos sem levantar bandeiras. "Trago as discussões nunca de maneira panfletária, tampouco impositiva, porque a novela precisa falar com todas as classes."

A professora de literatura do Mackenzie Ana Lúcia Trevisan, que também estava presente ao evento, destacou que o ponto forte da novela é como os elementos incríveis interagem naturalmente com o cotidiano. "Tem muito a ver com o Brasil, onde o espantoso é a falta de espanto das coisas."

Apesar do novo tom, Linhares também vai utilizar a novela para falar de política. "O Zico Rosado, na reta final, vai propor um 'mesadão' para os vereadores. Ele será preso por corrupção ativa, mas será solto porque rico no Brasil não fica preso, né?"