Eles escolhem quem vemos na TV: conheça o trabalho dos produtores de elenco

Giselle de Almeida

Do UOL, no Rio

  • Reprodução/Instagram/fridarichterr

    A produtora de elenco Frida Richter com Lucas Lucco, nos bastidores de "Malhação: Seu Lugar do Mundo"

    A produtora de elenco Frida Richter com Lucas Lucco, nos bastidores de "Malhação: Seu Lugar do Mundo"

O numeroso elenco de "Os Dez Mandamentos" não caiu do céu: foram necessários mais de 500 testes em cinco capitais brasileiras para formar o time que se vê na novela da Record. A seleção para o elenco jovem da atual temporada de "Malhação" também foi suada - mobilizou cerca de 700 candidatos que sonham com seu lugar ao sol. O público de casa pode não se dar conta, mas o incansável trabalho dos produtores de elenco durante todo o ano é que ajuda a dar forma a novelas e seriados, encontrando os atores já conhecidos mais adequados a cada papel e, claro, novos talentos.

O garimpo começa ainda na fase da sinopse, bem antes de a produção ir ao ar. Com o perfil de cada personagem em mãos, os profissionais imaginam quem caberia melhor em que lugar. Muitas vezes os escritores e diretores também sugerem nomes, mas tudo é decidido em comum acordo, garantem. "O autor e a direção às vezes têm desejos de trabalhar com  alguns atores e nosso trabalho é sugerir, renovar, oxigenar nosso quadro de talentos. Levamos em consideração a adequação de ator/personagem. Tudo é dialogado e a palavra final vem do autor e da direção", diz Luciano Rabelo, 48, produtor há 12.

O trabalho de pesquisa é constante: escolas de interpretação, filmes, peças e até vídeos no YouTube viram cartões de visita. "Participamos de festivais de cinema e teatro pelo Brasil inteiro. Contamos também com pesquisadores viajando e conhecendo escolas, universidades e cursos. A internet é um facilitador, pois podemos pesquisar linguagens e tendências com muita rapidez. De acordo com nossa necessidade, podemos fazer testes à distância", conta Frida Richter, 54 anos de idade e 35 de profissão, que comandou a seleção do elenco de "Malhação: Seu Lugar no Mundo".

Reprodução/TV Globo Fui jantar na noite anterior com a Paula Burlamaqui. Falava da minha pesquisa para o príncipe da novela, e o Maurício Destri, que trabalhava como garçom no restaurante, passou na minha frente. Foi uma grande coincidência. Respeito muito minha intuição Luciano Rabelo, produtor de elenco

A sorte também exerce seu papel nesse processo, e cabe ao profissional ouvir sua intuição. Foi assim que Rabelo descobriu Maurício Destri, hoje protagonista de "I Love Paraisópolis". Em busca de um rosto novo para viver o Inácio de "Cordel Encantado", viajou até São Paulo, onde havia agendado reuniões com algumas agências de atores e modelos e escolas de teatro. 

Reprodução
Mauricio Destri em "Cordel Encantando"
"Fui jantar na noite anterior com a Paula Burlamaqui. Falava da minha pesquisa para o príncipe da novela e o Maurício Destri, que trabalhava como garçom no restaurante, passou na minha frente. Disse para Paula: 'Estou procurando um ator que tenha essa cara'. Paula o chamou à mesa, e ele disse que tinha uma entrevista marcada na agência dele. Eu disse que não precisava, pois já havia passado, e que poderia ir direto ao teste. Foi uma grande coincidência. Respeito muito minha intuição", diz.

Qualidades como carisma e inteligência cênica são bem-vindas, mas o temperamento do ator e a postura profissional nessa primeira etapa também contam. "Talento é uma coisa, vocação é outra. Tem gente que não tem a menor vocação, não chega na hora, não decora texto. Sou bastante rígida. Ator que chega sem saber a cena nem faz o teste. Não adianta, vai ficar empacando 30 pessoas que estão esperando, que se dedicaram. Não sou fofa", brinca Márcia Ítalo, 60, diretora de elenco de dramaturgia do SBT.

Divulgação
Márcia Ítalo (de vermelho), diretora de elenco da dramaturgia do SBT, com sua equipe

Cada emissora conta com seu próprio banco de atores, onde profissionais com DRT (registro profissional) podem se cadastrar. Mas quem almeja um papel na TV usa todos os meios para fazer contato com os produtores. "Muitos confundem vida pessoal com profissional, a vida virtual é uma coisa só. Mas não chega a ser um assédio, não incomoda. Às vezes a pessoa não tem a informação correta, e não tenho problema nenhum em orientar. Mas o meu primo, que tem o mesmo nome que eu, acaba recebendo vários currículos", conta Eduardo Pradella, 30, atualmente coordenador de elenco da Record e com passagem pelo SBT.

No caso dos atores mirins, a procura fica por conta dos pais. "Vou driblando com doçura. Sei que é difícil. Sempre estarei quebrando um coração, essa é a parte mais dura do meu trabalho. Recebo toneladas de mensagens do Brasil inteiro, mas procuro explicar também que o ator precisa aprender a lidar com a frustração. Nessa carreira se recebe muito mais não do que sim. Às vezes o sonho é mais da mãe e do pai. A criança acha bacana, mas não faz ideia de que a cena que ela vê em três minutos levou horas pra ser feita", afirma Márcia, na profissão há quase 40 anos, com trabalhos na Globo e na extinta Manchete, onde revelou Cristiana Oliveira em "Pantanal". 

Mas os produtores de elenco precisam ter jogo de cintura em várias outras situações. Grávida, Sophie Charlotte deixou recentemente a série "País do Futuro" (ainda sem data de estreia), na Globo. Há alguns meses, o mesmo motivo tirou Deborah Secco de "Verdades Secretas", dando lugar a Drica Moraes no papel de Carolina. "Eu gosto de formar três elencos. Às vezes o ator que você quer não pode, acontecem milhões de coisas. Agora mesmo, uma das minhas atrizes (de "Cúmplices de um Resgate") engravidou. Essas coisas acontecem", explica Márcia.

Divulgação A gente faz um planejamento. Uma coisa que a gente não faz, por exemplo, é repetir casal, porque isso mexe com a memória afetiva do público Eduardo Pradella, coordenador de elenco

Atores reservados para produções futuras também exigem ajustes no quebra-cabeças, que é mais trabalhoso do que se imagina. "A gente faz um planejamento. Uma coisa que a gente não faz, por exemplo, é repetir casal, porque isso mexe com a memória afetiva do público", diz Pradella, que valoriza o trabalho de figurino e maquiagem para montar a seleção de um elenco mais específico.

"Produzi a primeira obra bíblica da Record, "História de Ester". Fizemos estudos de anatomia dos corpos daquela época, que eram um pouco diferentes. Precisávamos de atores com uma determinada cor de pele, de cabelo, uma musculatura mais alongada. Cada novela tem uma exigência, e a caracterização é fundamental", diz.

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