"César é um personagem que tira a máscara do público", diz Antônio Fagundes
James Cimino
Do UOL, em São Paulo
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Divulgação/TV Globo
Cena de "Amor à Vida" em que César ordena ao filho Félix que fique dentro do armário
"O que eu percebi foi que, de repente, só os homens começaram a me parar para tirar foto. Ninguém disse nada. Mas eu deduzi: as mulheres estão com raiva porque ele tem uma amante; os gays por causa do Félix [Mateus Solano]. Então por que apenas os homens estariam me abraçando e tirando foto? Ou porque são enrustidos ou porque são homofóbicos como ele. O César é um personagem que tira a máscara do público."
Assim o ator Antônio Fagundes descreveu a reação que tem percebido do público após seu controverso personagem na novela "Amor à Vida" ter mandado o filho gay "voltar para o armário", impondo-lhe uma vida infeliz apenas para manter as aparências.
Nesta novela há um gay muito mau caráter. Então eu acho a discussão, neste sentido, mais positiva. Por que ela mostra duas coisas. Primeiro: homofobia não é brincadeira, um pai homofóbico pode ser profundamente violento. Segundo: tira a máscara do público. Outro dia mesmo saiu uma enquete em que se perguntava: "Você concorda com a atitude do César de obrigar o filho a voltar pro armário?" Deu empate. 50% a favor e 50% contra. É assustador!
No currículo do diretor do fictício hospital San Magno, uma das principais locações da trama das 21h escrita por Walcyr Carrasco, também consta que o médico fez sua mulher criar a filha de sua amante e que seu neto, na verdade, é seu filho com a própria nora.
Mesmo assim, Fafá, como é chamado pelos colegas de equipe, não considera seu personagem um vilão. "O que acontece agora é que os vilões e os mocinhos se confundem nas novelas. Naquelas cenas homofóbicas dele com o filho, as pessoas se compadecem pelo Félix. Mas o público não pode se esquecer de que o Félix jogou a sobrinha numa caçamba de lixo, manda matar e rouba o hospital. Já o César é contra o aborto, mas tem amante e empurrou uma prostituta pra casar com o filho. Quem é o vilão aí? Então o Walcyr constrói os personagens assim. Apesar de você ser bom, você erra feio. O ser humano é assim."
O ator conversou por meia hora com a reportagem do UOL por telefone. Durante esse tempo, falou da segunda peça que está ensaiando com o filho e também por que acha que César não deve morrer. Leia:
UOL – Muitas novelas já discutiram a questão da homossexualidade na TV. O que "Amor à Vida" traz de diferente?
Antônio Fagundes – Porque é a primeira vez que a novela coloca essa questão de forma negativa. Antes os gays eram mostrados apenas sob a ótica do amor, para despertar simpatia. Nesta novela há um gay muito mau caráter. Então eu acho a discussão, neste sentido, mais positiva. Por que ela mostra duas coisas. Primeiro: homofobia não é brincadeira, um pai homofóbico pode ser profundamente violento. Segundo: tira a máscara do público. Outro dia mesmo saiu uma enquete em que se perguntava: "Você concorda com a atitude do César de obrigar o filho a voltar pro armário?" Deu empate. 50% a favor e 50% contra. É assustador! Então agora eu acho que a novela tem que aprofundar essa história do preconceito mais ainda.
Você sabia desde o princípio que o César seria homofóbico?
Não. Eu sabia que ele tinha problemas com o filho. Depois quando ele teve aquele diálogo com o Lutero [Ary Fontoura], percebi que era um assunto que o incomodava. Só fui saber da homofobia quando li a cena em que eles discutem.
O personagem estava previsto para morrer mesmo?
Primeiro ele ia morrer no capítulo 40. Depois no 80. E agora não sei...
Walcyr disse que ele não vai mais morrer... Muitos gays estão decepcionados. Acham que ele devia morrer...
(risos) Mas por quê?
Porque se identificaram com o Félix. Muitos gays ouviram as mesmas frases que saíram da boca do César de seus próprios pais...
Mas matar é solução fácil. Acho que o César tem que viver. Até para aprofundar o ódio do público por ele. Isso de matar, além de dramaturgicamente estar esgotado, não soluciona nada. Tem que mostrar que ele está errado pelo discurso. Ele tem que ser vítima do próprio discurso. Porque ele reclama tanto que o filho é gay, mas se ele fosse só ladrão e assassino podia? Tem gente que diz isso. Que preferia ter filho ladrão.
Matar é solução fácil. Acho que o César tem que viver. Até para aprofundar o ódio do público por ele. Isso de matar, além de dramaturgicamente estar esgotado, não soluciona nada. Tem que mostrar que ele está errado pelo discurso. Ele tem que ser vítima do próprio discurso.
O Walcyr diz que Félix é mau, amargo, invejoso, por causa da repressão que sofreu do pai. Mas se fosse assim todo gay seria mau caráter...
Ah, é... Isso aí eu também não concordo. Senão tá quase anunciando um tipo de cura para desvios de caráter. E não é isso. A discussão da novela é outra. Questiona-se ali se é isso mesmo, não importa que as pessoas sejam felizes como quiserem, o que importa é uma família de fachada.
Você que sempre fez os galãs, acha que um ator homossexual perderia esse tipo de papel na TV se saísse do armário?
Eu acho que isso já mudou. Não perderia por causa da emissora. O problema hoje é outro. Há uma grande visibilidade da vida privada dos atores. Então, se um ator acaba famoso porque na vida real ele bate na mulher, fica difícil de o público engolir ele em um papel de bonzinho. O mesmo para um ator gay.
Você está ensaiando a segunda peça com seu filho. De que se trata?
É sobre uma família disfuncional, formada por pai, mãe e três filhos. E um dos filhos é surdo. Mas ele é criado como se não fosse. Eles o ensinam a falar e a ler lábios. Tudo corre bem até que ele conhece um garota, que também está ficando, por quem ele se apaixona. O problema é que ela está aprendendo a linguagem dos sinais e ensina pra ele. Isso causa um alvoroço na família. Agora, troque filho surdo por filho gay. Não parece a mesma discussão da novela? Estreia dia 14 de setembro, no Tuca, em São Paulo. Meu filho, o Bruno Fagundes, faz o surdo.