Graças a desenho em guardanapo, Hans Donner completa 40 anos de Globo

Giselle de Almeida

Do UOL, no Rio

  • Zé Paulo Cardeal/TV Globo

    Hans Donner

    Hans Donner

Foi a sorte que levou o jovem Hans Donner a trabalhar na televisão, possibilidade que ele nunca havia cogitado até então, em 1975. Hoje uma respeitável cinquentona, a Rede Globo tem algumas de suas mais memoráveis aberturas criadas por ele, responsável por revolucionar a identidade gráfica da emissora. E parecia ser mesmo obra do destino: com um portfólio que trouxe da Áustria, cheio de trabalhos com esferas, ele acabou conhecendo o diretor geral do canal, Walter Clark no último dia em que buscava um emprego no Brasil.

"Quando eu já estava perdendo as esperanças, encontrei um rapaz no elevador, que sempre digo que é o meu anjo da guarda, chamado Arlindo de Castro. Ele disse que eu não desistisse e me levou a um amigo que iria me ajudar. Era o fotógrafo David Drewzingg, que me levou ao Walter Clark. Ele viu que meus trabalhos tinham sempre volume e disse que eu poderia fazer a marca da Globo", conta Donner.

Em1975, a emissora tinha apenas dez anos de existência e nenhum departamento de arte próprio, o que mudou com a chegada do novo profissional. "Tinha 25 anos, era jovem hippie. Buscava um emprego, mas não podia sonhar com o que eu acabei conseguindo", lembra o designer, que desenhou o que viria a ser a nova logomarca da empresa num guardanapo.

"Não é folclore. Eu só desenhava esferas, porque acho bonito, porque a forma redonda tem luz. Ainda mais quando estamos dentro do avião, longe do chão e vemos o mundo do alto, a coisa fica mais simples. A marca nada mais é que o mundo dentro da tela, que é recortada do mundo. O mundo é belo, tem volume. E isso sempre me provocou. Foi um feliz encontro entre um designer com esse perfil e uma empresa que se chama Globo", define. 

No entanto, a computação gráfica só passou a fazer parte do trabalho do designer no início da década de 80. "Nos primeiros cinco anos, eu tive que simular o volume da marca que eu tinha criado usando metal, acrílico... Usei todos os meios que podia. Tive que ter paciência e persistência para esperar a chegada da tecnologia para ver a minha marca em 3D". 

CEDOC/TV Globo
O designer nos anos 80, durante a criação da abertura do "Fantástico"

Dentre tantos trabalhos na Globo, Donner guarda com carinho as aberturas de "Deus nos Acuda", "Pedra Sobre Pedra", "Jô Soares" e a de "Barriga de Aluguel" ("não tem nada de efeito especial, mas tem emoção"). Mas, segundo ele, seu projeto mais marcante foram as duas aberturas do "Fantástico" nos anos 80. 

"A de 1983 foi a primeira abertura que fiz na Globo. Era uma coisa de outro mundo porque foi completamente diferente de tudo o que era feito naquela época. As aberturas eram muito poluídas antigamente, e nessa resolvi fazer uma coisa mais clean, partir de formas geométricas, formas básicas da vida. Quem podia imaginar, há 32 anos atrás, cortar uma pirâmide em fatias e colocar as pessoas dançando em cima delas?", recorda ele, sobre o trabalho, que demorou nove meses para vir ao mundo. 

Como fazer as pessoas dançarem em cima de uma pirâmide foi o principal quebra-cabeças para o designer. "A solução foi cortar essa pirâmide em fatias para ter palcos, criar plataformas. E, se eu cortasse um cone, também teria palcos. Um quadrado, outro redondo. E aí veio o primeiro desafio. Pela primeira vez no mundo, juntamos computação gráfica 3D, feita no exterior, com pessoas dançando. Foi uma odisseia e foi graças a minha persistência que esse trabalho virou realidade", conclui ele, também responsável por imortalizar a imagem de Isadora Ribeiro saindo da água todos os domingos. 

Carnaval e cenários

Claudio Andrade/Photo Rio News
Valéria Valenssa e o marido, Hans Donner

Já a vinheta do Carnaval Globeleza, uma de suas criações mais lembradas pelo público, representa um marco ainda maior. Afinal, foi dali que nasceu a família do designer, casado com Valéria Valenssa e pai de João Henrique, 12, e José Gabriel, 11. 

Embora as aberturas sejam sua principal vitrine para os telespectadores, Donner também desenhou vários cenários da emissora, no que ele chama de "migração para os objetos palpáveis". "Boni promoveu uma concorrência para criar cenários futuristas e me convidou para participar. O prêmio seria um bilhete de avião para dar a volta ao mundo. Eu desenhei o cenário do 'Jornal Nacional' e do 'Jornal Hoje' com uma linha futurista e ganhei. Foi o pontapé inicial para eu mergulhar num universo que sempre me fascinou, que é ir além do virtual", conta ele, que também idealizou objetos para a abertura de "Meu Bem Meu Mal" e "Explode Coração".

"Extremamente ligado", o designer afirma que absorve tudo o que está ao seu redor na hora de criar. "A inspiração para fazer uma abertura não tem a ver só com design, é uma busca constante pela síntese. Buscamos trazer a síntese da história que será contada, sempre com a busca de que menos é mais, em um tempo mínimo de até um minuto. Minha inspiração e as referências que acumulo ao longo da trajetória me ajudam muito. E também sigo muito a minha intuição", afirma.

Nesses 40 anos de Globo, ele faz um balanço de sua trajetória e conclui que teve o melhor emprego de um designer de televisão do mundo. "Quantas pessoas tiveram a oportunidade de ter seu trabalho visto por 100 milhões de pessoas por dia? Eu consegui realizar sonhos inimagináveis por quatro décadas. Trabalhar com gente, com tecnologia é um privilégio. Eu não sei mandar, mas sei envolver toda equipe na mesma paixão", afirma.

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