Globo transformou a novela no principal produto de entretenimento do Brasil
Nilson Xavier
Do UOL, em São Paulo
A TV Globo foi inaugurada em 1965 e suas primeiras novelas (as exibidas naquele ano) ainda não tinham "uma cara", já que a emissora herdara o aparato (técnico e humano) da TV Paulista, que havia recém comprado. No ano seguinte, 1966, com a contratação da cubana Glória Magadan, para chefiar o setor de novelas, as primeiras produções próprias deixaram sua marca: histórias rocambolescas, em países distantes, com personagens maniqueístas e nada a ver com a realidade brasileira.
Com a saída de Magadan, em 1969, a Globo deu seu primeiro passo para a nacionalização do gênero, um movimento iniciado na TV Tupi. Com "Irmãos Coragem", em 1970, escrita por Janete Clair, a emissora conquistou, pela primeira vez, a audiência nacional. A partir de então, a telenovela brasileira ganhou o impulso necessário para que se distinguisse daquelas produzidas pelos demais países latino-americanos. Com o chamado "padrão Globo de qualidade", profissionalizou-se e industrializou-se --ainda que as TVs Excelsior e Tupi, na década anterior, já tivessem alcançado um alto grau de profissionalismo com suas produções.
Mas a Globo foi a emissora que melhor soube investir no gênero, impulsionado pela grade horizontal (a mesma atração no mesmo horário, diariamente), em horário nobre (de maior audiência desde sempre), que priorizava o sanduíche noticiário + novela (novela das 6 + jornal local + novela das 7 + jornal nacional + novela das 8, hoje 9. Assim, criou no brasileiro o hábito de manter a TV ligada, a partir do início da noite, nela, na Globo.
E também por seu invejável banco de talentos - ou "star system". Com o fim da Excelsior (em 1970), a Globo abocanhou parte daqueles profissionais. Além disso, com o Regime Militar, dramaturgos cerceados em seu trabalho no teatro migraram para a TV, nomes como Dias Gomes, Lauro César Muniz, Jorge Andrade, Bráulio Pedroso. Com qualidade de texto e dinheiro investido em produção, foi a vez dos atores de teatro ou cinema, que até então tinham preconceito com o gênero, também sucumbirem aos apelos da televisão.
Como uma coisa puxa a outra, o cenário musical também mudou com as novelas. Se até a década de 1960, cantores e compositores torciam o nariz para algo tão "popular", foi com a Som Livre que todos passaram a disputar um espaço, ou melhor, uma música na novela das oito (desde sempre a de maior repercussão).
Enquanto a Globo investia mais e mais em suas novelas, sua principal concorrente na década de 1970, a TV Tupi, tinha que lidar com a crise financeira que se alastrava na emissora e que culminou com seu fechamento, em 1980. Com o fim da Tupi, o padrão Globo estabelecido e reconhecido (inclusive lá fora, com a exportação de novelas), a "Vênus Platinada" seguiu pela década de 1980 praticamente sozinha, líder em audiência, sem concorrência, já que as demais emissoras tinham pouca repercussão com suas novelas.
Em 1995, a Globo inaugurou o Projac, seu centro de produção, o segundo maior da América Latina (perde apenas para os estúdios da TV Azteca, do México). Desde então, em vinte anos, várias cidades cenográficas de novelas, séries e minisséries foram lá construídas, mais centros de produção de cenários e figurinos. Uma verdadeira "Hollywood Brasileira", ou "fábrica de sonhos", o que define bem o nível de profissionalismo a que chegou o principal produto de entretenimento brasileiro. Há, pelo menos, 45 anos.
Hoje em dia, a emissora luta para manter os mesmos patamares de outrora. Mas os tempos são outros mesmo. A televisão passa por um cenário completamente diferente de quinze anos atrás. As formas de medição de audiência não servem de parâmetro para comparação, pois não consideram as mudanças de hábito da sociedade com a popularização da TV a cabo e a internet. São concorrentes poderosos que não condizem mais com uma grade engessada. Há de se pensar nesse público para manter a sobrevivência do gênero.