Programas de auditório da Globo: o cânone do ócio
Chico Barney*
Especial para o UOL
A cultura popular deve suas calças ao respeito de seus pioneiros por algo conhecido como cânone. Foi a partir dele que indústrias milionárias foram criadas. É o que nos mantém vidrados em filmes do James Bond ou da Marvel, jogos do Super Mario, livros do Paulo Coelho e, sobretudo, programas de auditório.
O cânone é o conjunto de regras que nos faz sentir familiares com toda sorte de besteira que se crie a partir da família de John McLane na série "Duro de Matar". Ou com cada movimento de braço do Sílvio Santos jogando um aviãozinho de dinheiro para a plateia.
Somos terrivelmente conservadores em tudo o que tange aquilo que não nos importamos muito. E a indústria do entretenimento é toda baseada em coisas assim. Por isso que até hoje as mesmas pessoas estão fazendo as mesmas coisas na tela da TV no domingo a tarde. Não queremos pensar muito. Por mim, tudo bem.
Silvio Santos forjou suas ferramentas há 50 anos, na própria Globo – o que nos ajuda a trabalhar melhor aquela ideia de que a vida passa rápido demais. Foi lá que a mistura de festa estranha com gente esquisita ganhou o país. E tudo o que veio depois é mero reflexo da falsa careca de Sílvio no espelho.
Outro bastião dos programas de auditório da emissora, o glorioso Chacrinha, também é o tempo todo festejado pelo seu legado. Seja pelo Pedro Bial no "Big Brother Brasil" – que é mais complexo que um simples programa de auditório, mas nem tanto – ou pelos bacalhaus conceituais que Regina Casé joga para as colegas de trabalho domingo após domingo no "Esquenta".
A Globo tem feito um trabalho extraordinário na ressignificação dos programas de auditório. Como nos bons gibis da Marvel, temos o tempo todo a sensação de que a história está andando para frente, apenas para sermos confrontados pelo Homem-Aranha choramingando que "com grandes poderes vem grandes responsabilidades" pela vigésima vez no semestre. Ou o Faustão elogiando alguma jovem atriz "tanto no pessoal quanto no profissional".
Serginho Groisman mantém há décadas um programa onde a plateia jovem faz o mesmo tipo de pergunta que Hebe Camargo fazia para os artistas no crepúsculo da vida. Luciano Huck deu um verniz global a todos os quadros mais criticáveis do Gugu Liberato nos anos 90. Sempre tendi a pensar nisso mais como uma vantagem do que como um problema.
Nossos filhos gostam de assistir ao mesmo episódio de "Galinha Pintadinha" todas as vezes que a bateria do iPad permitir porque nós também adoramos quando a história se repete como farsa. É por isso que as mais modernas formas de interação do público, expandindo o conceito de "auditório" para algo quase subjetivo, são utilizadas em nome de atrações tão prosaicas quanto shows de calouros como "The Voice" e "Superstar".
* Chico Barney é um entusiasta e divulgador da cultura muito popular. Escreve sobre os intrigantes fenômenos da TV e da internet desde 2002.
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