Criador da MofoTv largou odontologia para se dedicar à memória da TV na web
Henrique PortoDo UOL, no Rio
Já são mais de dez anos dedicados à preservação da memória televisiva na internet. Com vídeos publicados no YouTube, ele formou um banco de dados capaz de proporcionar a saudosos telespectadores um passeio por alguns dos momentos marcantes da história da TV no Brasil. Um trabalho pioneiro, como reconhece o próprio José Marques Neto, que confunde sua vida com sua paixão pela TV.
"Gosto tanto que memorizei acontecimentos da minha vida de acordo com o que era exibido na televisão", conta Neto, que abandonou a odontologia para se dedicar aos canais MofoTv, com milhões de visualizações, e divide o espaço do quarto com cerca de de 1.000 fitas e 5.000 DVDs.
Boa parte desse acervo diz respeito à programação da TV Globo, que completa 50 anos no próximo dia 26. Próximo ao jubileu de ouro da emissora, Neto lista momentos marcantes da programação, relembra participações no "Domingão do Faustão" e "Vídeo Show" e revela não sofrer assédio do canal por conta de direitos autorais, mesmo tendo sido impedido de exibir alguns vídeos ao logo dos anos.
"A Globo nunca me pressionou. Acredito que a preocupação seja prioritariamente com o material exibido hoje, com o que faz parte da grade de programação atual. No caso da MofoTv, é mais material de arquivo", avalia.
UOL - De onde vem esse fascínio pela TV?
José Marques Neto - Desde criança. Gosto tanto que memorizei acontecimentos da minha vida de acordo com o que era exibido na televisão. Depois, tive vontade de trabalhar na TV, mas fui estudar odontologia. Hoje assisto à televisão de uma maneira menos romântica. Presto atenção na luz, na qualidade do áudio... Mas sempre foi importante pra mim. Eu era uma boca aberta aonde a TV ia despejando coisas. Outro detalhe é que eu me interessava mais pelos canais com menos audiência, tentando descobrir um programa legal, diferente.
Como e quando surgiu a MofoTv?
Depois de 13 anos como dentista, não me sentia feliz profissionalmente e decidi tentar outros caminhos. Isso foi em 2002, 2003. Comecei a trabalhar com meu pai e virei representante comercial. Foi mais ou menos a época em que a internet começava a "bombar". O YouTube surgiria logo depois. Eu já participava de grupos de discussão sobre televisão na internet. E, timidamente, comecei a colocar uns vídeos no YouTube. "Nesse momento de insatisfação em que estou vivendo, por que não investir um pouco nesse filão retrô televisivo?", me perguntei.
E como começou o trabalho de arqueologia televisiva?
Sentia uma necessidade de gravar os programas, queria prolongar o prazer de assistir à televisão. Antes do videocassete, quando era criança nos anos 70, gravava a programação da TV em áudio. Cheguei a tirar fotografias da tela. Ficava vendo as fotos e ouvindo o áudio. Percebi que a qualidade das imagens em preto e branco era muito superior às coloridas. Tinha capturas de imagem numa época em que isso não era possível (risos).
Como era seu método de trabalho? E como é agora?
Na época do videocassete, nos anos 80, esbarrei numa dificuldade: as fitas eram caras. Hoje você compra uma mídia de DVD a R$ 1. Acho que a fita custaria hoje o equivalente a R$ 20, R$ 30. Comprava duas ou três fitas por vez e ficava economizando. Substituí as fitas pelas mídias digitais em 2005. Até existir a internet, fazia tudo sozinho.
Achava que era o único maluco no planeta que gravava com essa voracidade. A partir da internet, dos grupos de discussão e do Orkut, fui apresentado a muito maluco. Começamos a trocar material. E quando apareceu o YouTube, foi uma festa. Fui um dos pioneiros a colocar essas gravações antigas. Sinto-me, de certa forma, o primeiro cara que chegou até lá e fincou a bandeira (risos). E eu adoro, a toda hora descubro "velho" material novo.
Você chegou a trabalhar na Globo. Como foram suas experiências no "Domingão do Faustão" e "Vídeo Show"?
Em 1989, ano de estreia do "Domingão", fui selecionado para trabalhar como "orelhinha do Faustão". Fazia parte também de uma equipe de universitários que atendia ligações do público, que respondia sempre uma pergunta televisiva bem básica. Eram coisas como "Qual é o maior inimigo do He-Man?". Estava terminando a faculdade e algo muito bacana era poder trabalhar no extinto Teatro Fênix, no Jardim Botânico. Via as filas formadas pelo público na porta do teatro, esperando o programa começar, assistia às bandas que se apresentariam passando o som...
Ainda como "orelhinha", o produtor Marcelo Coelho avisou que haveria testes para participação no quadro "Controle Remoto". Fui um dos selecionados e acertei tudo. A última sessão do game era a "Cadeira Elétrica", e fui o único a identificar Alice Cooper nas fotos que eram exibidas. Acabei sendo aprovado junto com minha irmã, que também fez o teste uns 20 dias depois. Gravamos no mesmo dia, nossas participações foram exibidas em dias diferentes. Fui o vencedor naquele mês e ganhei muitos prêmios. Também participaria do "Tele Trívia", dentro do "Vídeo Show", e cobri férias como pesquisador do programa por um mês. No ano passado, fui candidato em outro game dessa nova fase, o "8 ou 800".
A Globo já te assediou de alguma forma para que seu conteúdo fosse retirado dos canais MofoTv na internet?
A Globo nunca me pressionou, mas tive vídeos bloqueados ao longo dos anos. Em 2012, recebi uma notificação padrão do YouTube em que a Globo reclamava licenciamento de um clipe de Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros, exibido pelo "Fantástico" em 1987. Isso se repetiu com uma reportagem do "Video Show" com a Fernanda Montenegro, um vídeo do programa "Arquivo N", da Globo News, sobre Janete Clair, e outro em que Monalisa Perrone é atacada no "Jornal Hoje". Nenhum desses vetos ocorreu formalmente. Acredito que a preocupação da Globo seja prioritariamente com o material exibido hoje, com o que faz parte da grade de programação atual. No caso da MofoTv, é mais material de arquivo.
Em 2008, tive um dos canais MofoTv derrubados, mas por reivindicação da Sony Music. A gravadora reclamou direitos sobre canções executadas pelo Skank e por Zezé Di Camargo & Luciano no "Domingão do Faustão". Cheguei a migrar para o MySpace, mas retornei ao YouTube. Decidi dividir a MofoTv em quatro canais. Na época, tive que "subir" todos os 1.080 vídeos de novo. Hoje já são cerca de dois mil, mas nem todos estão disponíveis.