Novela é a grande vitrine da música popular brasileira, há 50 anos

Guilherme Bryan*
Especial para o UOL

A música brasileira das últimas cinco décadas não seria a mesma sem a TV Globo. A maior emissora da América Latina divulgou nossas mais célebres canções por meio dos mais diferentes formatos de programas, mas foi mesmo com as telenovelas e minisséries que essa união se deu de modo consagrador, tanto que muitos temas tornaram-se inesquecíveis ao acompanhar determinados personagens, e os discos que os reúnem até hoje vendem milhares de cópias e pautam as emissoras de rádio, os sites da internet e as próprias concorrentes da televisão. De Tom Jobim a MC Guimê, é raro o artista musical que não teve pelo menos um sucesso nas trilhas.

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Trilha de "Véu de Noiva", com "Irene", de Caetano Veloso

A primeira trilha musical de uma telenovela da TV Globo foi "Véu de Noiva", produzida por Nelson Motta e lançada pela gravadora Philips. Influenciado pela experiência mexicana e sem referências de casos anteriores no Brasil – capitaneados por sonoplastas como Salathiel Coelho e Cayon Gadia –, Motta escolheu os temas musicais para a primeira trama da emissora a se aproximar da realidade brasileira, mas encontrou resistência por parte de muitos cantores, já que até então a principal vitrine na televisão eram os festivais da canção da Record, da Excelsior e da própria Globo.

Nelson Motta convenceu, entre outros, Caetano Veloso, que, antes de partir para o exílio londrino, deixou pronta "Irene", que batizou a personagem interpretada por Betty Faria. A fórmula deu certo e Motta seguiu com ela em outras produções de sucesso, como "Irmãos Coragem", cujo tema do personagem principal, João Coragem, levou Tim Maia a fazer pequenas alterações na letra de "Padre Cícero".

O contrato com a Philips tinha tempo de duração e, diante de tamanho sucesso, a Rede Globo fez com que sua própria gravadora, a Som Livre, assumisse as trilhas. Nova resistência. Os artistas contratados de outras gravadoras não tinham suas canções liberadas com tanta facilidade. A saída foi, então, convidar duplas de compositores para criarem todas as canções para algumas tramas. Entre elas, estão "O Bem Amado", de Toquinho e Vinicius de Moraes; "O Bofe", de Erasmo e Roberto Carlos; "O Rebu", de Paulo Coelho e Raul Seixas; e "Selva de Pedra", de Marcos e Paulo Sérgio Valle.

Nesse modelo, as músicas eram criadas antes de a telenovela estrear e, com o desenvolvimento da mesma, muitas ficavam ultrapassadas com relação aos personagens. E faltavam sucessos ali que resultassem em vendagens dos discos nacionais, que sempre ficavam muito atrás dos já existentes internacionais. A saída foi encontrada pelo produtor musical Guto Graça Mello, que tratou de garimpar temas nas principais gravadoras, que, graças ao sucesso dos discos com astros de fora do país, encontravam-se mais maleáveis ao formato. Ele também encomendou outros tantos temas para os grandes nomes da música brasileira. Foi o que aconteceu com Paulinho da Viola, que teve que compor às pressas a música de abertura de "Pecado Capital".

Essa fase durou até meados da década de 1980, quando as trilhas acompanharam os principais movimentos musicais que eclodiram no período. Basta lembrar o imenso sucesso do tema de abertura de "Dancin' Days", com as Frenéticas, principais representantes da discoteca no Brasil; e da presença dos integrantes do rock, como, entre outros, Blitz, Paralamas do Sucesso, Titãs, Ira! e Ultraje a Rigor.

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Além de As Frenéticas, trilha de "Dancin' Days", de 1979, tem Rita Lee e Gal Costa

Com a saída de Guto Graça Mello, a Som Livre e a TV Globo convidaram diretores e produtores musicais das principais gravadoras para cuidarem de trilhas específicas, dispondo, assim, de seu casting para preencher os álbuns. São clássicos desta fase "O Outro", selecionada por Liminha, que botou o país para gritar "calcinha!" com Fausto Fawcett e os Robôs Efêmeros; "Mandala", onde Max Pierre selecionou a inesquecível "O Amor e o Poder", cantada por Rosana; "Vale Tudo", quando Pierre colocou na abertura Gal Costa pedindo para o Brasil mostrar sua cara, nos versos de Cazuza; e "Roque Santeiro", primeira novela a contar com duas trilhas nacionais, que teve os temas selecionados por Mariozinho Rocha e bateu o recorde de vendagens nacionais, com quase um milhão de discos vendidos do primeiro volume.

Nos anos 1990, já sob a gerência de Mariozinho Rocha, aconteceu o recorde de vendagens das trilhas nacionais com "O Rei do Gado", que, ao ser lançada em LP, K7 e CD, e reunir astros da música sertaneja como Chitãozinho & Xororó, Zezé di Camargo & Luciano e Leandro & Leonardo vendeu mais de 1,5 milhão de cópias. Mas quem inovou nesse momento foi o violonista, tecladista e compositor Marcus Vianna, que, vindo do sucesso de "Pantanal", na TV Manchete, emplacou uma arrebatadora parceria com o diretor Jayme Monjardim, em telenovelas como "Terra Nostra" e "O Clone".

Com o advento da MTV Brasil e, logo em seguida, a propagação da internet e dos sites de compartilhamento de músicas e vídeos, as trilhas de novelas deixaram de ter a mesma relevância de décadas anteriores. Porém, ainda hoje, são capazes de pautar as paradas de sucesso. Podemos citar o sucesso de Roberto Carlos, com "Esse Cara Sou Eu", em "Salve Jorge"; de Gaby Amarantos, com "Ex Mai Love", na abertura de "Cheias de Charme"; e de MC Guimê, com "País do Futebol", em "Geração Brasil".

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*Guilherme Bryan, professor dos cursos de Comunicação e da pós-graduação de Cinema, TV e Vídeo, e Direção de Arte, presencial e EAD, do Centro Universitário Belas Artes. Professor de cursos livres do MIS e da Casa Mario de Andrade. Doutor em Meios e Produções Midiáticas pela ECA-USP. Autor dos livros "Teletema - a história da música popular através da teledramaturgia brasileira. Vol. 1 - 1964-1989" (ed. Dash), escrito com Vincent Villari; e "Quem tem um sonho não dança - cultura jovem brasileira nos anos 80" (ed. Record)