Graziella Moretto critica o excesso de nudez na TV: "Prefiro a comédia"
Felipe Abílio
Do UOL, em São Paulo
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Divulgação
Graziella Moretto está em cartaz no Rio de Janeiro com "O Homem Primitivo"
Em cartaz com a peça "O Homem Primitivo", Graziella Moretto e Pedro Cardoso usam a comédia para questionar o sexismo nas relações afetivas e profissionais e representam de forma leve situações do cotidiano como assédio ou o excesso de nudez na televisão. Em uma cena bem-humorada, o órgão genital masculino tem uma conversa sincera com o órgão feminino, divertindo a plateia e passando a mensagem sem o apelo sexual esperado em uma cena de sexo explícito.
Uma hora antes de entrar no palco para a penúltima apresentação da peça em São Paulo, a atriz recebeu a reportagem do UOL em seu camarim – enquanto se desdobrava entre o babyliss e a maquiagem que ela mesma faz – e reforçou sua crítica à forma como o corpo é exposto nas telas. "Gosto e prefiro a comédia para te fazer pensar, do que tentar atingir te levando para um lugar escuro e fedido", disse ela, agora em cartaz com o espetáculo de quinta-feira a domingo no Teatro das Artes, no Rio de Janeiro.
Graziella faz sua crítica ao que ocorre atualmente na TV em atrações como a novela "Verdades Secretas", da Rede Globo, que trata sobre temas como prostituição com cenas de sexo e até orgias. Ela disse já ter tentado debater a necessidade desse tipo de conteúdo no meio, mas que foi tachada de "feia" e "invejosa".
"Todo dia que a gente abre a internet e tem atriz falando que é difícil ficar nua em cena, que as cenas de sexo são complicadas. Quando foi que virou parte da vida de um ator ficar pelado e ter que lidar com doze pessoas no estúdio? É comprovado que a história é melhor contada com pessoas peladas?", questiona a atriz.
Como o marido, em entrevista ao colunista Mauricio Stycer na semana passada, afirmou que a tentativa de um discurso direto com o telespectador e a falta de controle da Globo sobre o conteúdo, baseado no improviso, foram responsáveis por tirar do ar o "Uãnuêi", quadro que apresentavam juntos no "Fantástico".
"Certa vez, uma pessoa da plateia nos deu o tema 'liberdade' e fizemos uma improvisação que falava sobre liberdade, sexismo, violência e escravidão. Fizemos um esquete em que um aluno dava um tiro em uma professora e isso acabou gerando uma situação que foi considerada pesada demais para o 'Fantástico', que na época estava com uma série sobre câncer no ar. O que pode ser mais pesado do que essa série? Não é possível improvisar livremente dentro da televisão".
Tom Rodrigues O Pedro falando sobre sexismo desperta uma comoção de como ele é sensível, até para a própria mulher, mas parece que algumas mulheres se sentem mais validadas quando um homem fala de um assunto feminino sobre a peça "Homem Primitivo", em que contracena com o marido, Pedro Cardoso
Casada há sete anos com Pedro Cardoso, Graziella disse só ter conseguido escrever o texto da peça em parceria com o marido pelo fato de ele compartilhar totalmente de seus pensamentos em apoio às mulheres. "Foi uma admiração que aproximou a gente", elogiou.
"Há muito tempo estávamos interessados de investigar isso, as maneiras como elas são oprimidas com a desigualdade salarial, violência, menos representação no mercado de trabalho, a maneira de como o empoderamento da mulher é sabotado por essa suposta conquista de associar com a sexualidade", contou Graziella, ressaltando que o fato de ser mulher a faz lutar para que sua voz sobressaia entre as vozes masculinas, ainda as mais ouvidas.
"O Pedro falando sobre sexismo desperta uma comoção de como ele é sensível, até para a própria mulher, mas parece que algumas mulheres se sentem mais validadas quando um homem fala de um assunto feminino", destacou.
"Era contra a TV de forma radical"
Graziella iniciou a carreira na TV fazendo primeiro publicidade, antes de partir para novelas e filmes. Quem conheceu a atriz na juventude jamais imaginaria que ela faria sucesso fora dos palcos. A atriz frequentou grupos de teatro amador desde os 13 anos e, aos 17, entrou na Escola de Arte Dramática da USP.
"A gente era ideologicamente contra a televisão de uma forma muito radical, achava que não havia solução possível para um ator de teatro que ia para a TV porque não tinha nenhuma autonomia, era uma desapropriação da sua ideia, uma traição ao movimento, achava a televisão uma coisa do diabo", lembrou. A atriz ainda acredita que os padrões impostos pela televisão – e como ela ainda tem o poder de mudar até aparência de uma pessoa – são um pouco perturbadores, mas mudou seu pensamento com os anos.
"Comecei a trabalhar numa produtora de publicidade, via as pessoas fazendo testes e ganhando dinheiro. Um dia fiz um teste, passei, ganhei uma grana enorme fazendo comercial durante 10 anos da minha vida. Consegui fazer cursos nos Estados Unidos, comprei carro, fiz minha vida basicamente trabalhando com publicidade. Fiz esse ajuste e tive que colocar na cabeça que não estava matando e roubando, como se fosse uma traição ao movimento, sabe? Mas quando fui para TV desfiz tudo isso porque os empregos para o ator são limitados. Estava buscando uma carreira autoral, mas tinha a sensação que através dos comerciais conseguia viabilizar projetos meus. Aquele preconceito era uma coisa idiota, fiz novela, fiz outras coisas. Mas nada muda sua vida, nem ser protagonista de uma novela", concluiu.
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