Em evidência na TV, sexo não é isca para fisgar público, dizem criadores
Giselle de Almeida
Do UOL, no Rio
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Reprodução
Simone Spoladore como Dora, musa da pornochanchada em "Magnífica 70"
Tirem os conservadores da sala porque a teledramaturgia brasileira perdeu de vez a vergonha de falar de sexo. Seja na pornochanchada da Boca do Lixo retratada em "Magnífica 70", da HBO, ou no submundo da prostituição em "Verdades Secretas", o pudor em relação a cenas mais quentes está diminuindo gradualmente nas produções das TVs aberta e fechada. Prova disso foi a sequência do primeiro book rosa de Giovana (Ágatha Moreira) na novela das 23h, exibida na última terça-feira (30), que teve direito até a orgia.
Difícil também não lembrar do furor nas redes sociais com a nudez de Paolla Oliveira há alguns meses em "Felizes para Sempre?" ou do burburinho em torno dos encontros picantes entre os personagens de Dira Paes e Cauã Reymond em "Amores Roubados". Autores e diretores ouvidos pelo UOL, no entanto, garantem que o tema não é chamariz para atrair ibope, mas sim uma ferramenta a serviço da narrativa. "A televisão não faz isso como uma isca. Estou há 18 anos na Globo e nunca vi alguém virar pra mim e dizer: 'Põe um pouco de sexo pra dar audiência'", conta o diretor José Alvarenga, um dos criadores da série "O Caçador", exibida no ano passado, que trazia cenas quentes de Cauã, Cleo Pires e Nanda Costa, entre outros.
Fabio Danesi, um dos criadores da série "O Negócio", da HBO, que retrata o dia a dia de garotas de programa de luxo, diz que "pode parecer absurdo", mas as pessoas preferem boas histórias aos elementos mais picantes.
"Se sexo e nudez, por si sós, dessem audiência, os canais não passariam outra coisa e todos os roteiristas estariam desempregados. Se contribuírem pras histórias, ótimo, isso ajuda. Se forem apenas recursos apelativos, a série vai ficar restrita a um nicho, vai ser uma série pra maiores de 18 anos assistida por garotos de 15", afirma.
Para o autor de "Verdades", Walcyr Carrasco, é inegável que o tema desperta a curiosidade dos espectadores. "Sexo sem dúvida interessa as pessoas. Muitos medos e dúvidas estão envolvidos na vida sexual de cada um, e quando isso é discutido na TV ajuda as pessoas a refletirem sobre suas próprias questões e seus relacionamentos. Acho que, ao discutir sexo, francamente, a novela presta um serviço. Muitos pais e mães já me procuraram porque não tinham consciência de armadilhas que podem cercar os filhos", diz.
Na opinião do novelista, trazer o tema à tona é, inclusive, uma contribuição para o público. "A literatura em todas as épocas discutiu temas sexuais, e disso surgiram grandes clássicos, como 'Madame Bovary', de Flaubert, ou 'Anna Kareninna', de Tolstoi. É preciso tratar o assunto com bom gosto, como fizeram os os grandes mestres da literatura", acredita ele, que se admirou com a repercussão da nudez de Rodrigo Lombardi no primeiro capítulo. "Eu fiquei surpreso. Mas foi natural, muitos casais se comportam assim depois de um relação, com extrema liberdade", garante.
Outras produções nacionais como a novela "O Rebu" e a série "A Segunda Vez", do Multishow, também investem em cenas mais ousadas. Para Alvarenga, não existe motivo para se evitar falar de sexo, que é um componente do universo adulto.
"Quando a gente parte pra criar séries adultas está contextualizando emoções, complexidades, racionalidades do mundo adulto. Sexo está nas nossas conversas pessoais, por que não estaria nas conversas dos personagens? O público quer se ver na dramaturgia", opina.
O diretor cita "Game of Thrones" como exemplo de uma série que usa o assunto dentro de um contexto. "Ela fala de uma época medieval, que tinha brutalidade, o sexo não tem como não aparecer. No episódio em que a rainha Cersei (Lena Headey) caminha nua por uma escadaria, a nudez significava outra coisa. A dramaturgia, quando pretende ser adulta, tem essa queixa dos fundamentalistas, mas a maturidade sempre vai vencer", afirma.
Diretor aposta em avanço
Apesar de dizer que o Brasil "encaretou", o diretor não acredita que o número séries e novelas com o tema vá diminuir devido a a um certo conservadorismo atual, que provocou rejeição aos temas mais pesados de "Babilônia", por exemplo.
"Fico muito assustado com o jeito que a sociedade está. Mais que caretice tem uma falta de afetividade, as pessoas estão se distanciando. Reação é normal, mas televisão tem que caminhar pra frente. Se a gente recuar, as pessoas vão ficar vendo as mesmas coisas. Respeito as diferenças, mas temos que avançar. É preciso reabrir esse diálogo", conta.
Danesi também considera os eventuais protestos uma reação natural: "Tem gente que precisa reclamar, se não reclamar sente falta de ar, sofre ataque cardíaco. Reclamar é uma necessidade pra algumas pessoas. É um remédio de pressão. Mas se a história for boa, vai ter mais gente assistindo e gostando do que gente reclamando. E isso é o que importa".
No entanto, ele crê na longevidade do tema. "Prostitutas e vampiros sempre vão estar presente na dramaturgia. Nunca vão sair de moda", aposta.