Para Laerte, visibilidade de transgêneros na TV é positiva, mas não triunfo
Giselle de Almeida
Do UOL, no Rio
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Aline Arruda/Divulgação
Laerte Coutinho apresenta o programa "Transando com Laerte" no Canal Brasil
Há algumas semanas, Laerte Coutinho reforça o time de transgêneros que têm conquistado a televisão, como Laverne Cox, a Sophia de "Orange Is the New Black", e Jamie Clayton, a Nomi de "Sense 8", sem falar de Caitlyn Jenner, que em breve será estrela do documentário "I Am Cait" no canal E!. Apresentadora do programa "Transando com Laerte" no Canal Brasil, a cartunista paulistana, que já trabalhou como roteirista em atrações como "TV Pirata" e "Sai de Baixo", conta que nunca teve o desejo de estar à frente das câmeras, mas vê como positiva essa visibilidade.
"Acho que é um momento rico, mas não acho que é de triunfo, porque ainda persistem todos os problemas. A transgeneridade é cercada de olhares escandalizados, coberta de mitos e visões horríveis, como doença, pecado. É um tema conectado com a homossexualidade, mas que se distingue dela em inúmeros pontos. Representa um tabu social muito maior, primeiro porque não tem como disfarçar. Acho positivo o tema estar em evidência, tem tudo pra gerar um debate legal", aposta.
Como exemplo dos problemas que ainda persistem, Laerte cita a reação "feroz e truculenta" de algumas comunidades religiosas frente à proposta de discutir o tema nas escolas.
"Querem cunhar a expressão ideologia de gênero. Se alguém está querendo impor alguma ideologia são essas religiões de visões fundamentalistas, que reforçam que macho é macho, fêmea é fêmea, menino é azul, menina é rosa. Estão disseminando uma ditadura, uma ideologia totalitária. Trans é movimento", afirma.
Segundo a apresentadora de 64 anos, sua própria presença no programa ajuda a contribuir para o debate, e o assunto surge naturalmente nas conversas –, que, ao contrário do que o título da atração possa sugerir, não tratam exclusivamente de sexo. "Procurei recuperar o sentido que a palavra transar tinha nos anos 60 e 70, quando designava uma troca algum tipo, uma combinação de informações desejos e planos entre pessoas", conta.
Apesar de ter recebido uma resposta positiva da atração, Laerte conta que ainda não sabe se encararia uma segunda temporada, porque a experiência na TV não foi exatamente tranquila. "Sou tímida, sou insegura, e a ideia de conduzir um programa como esse, no meu entendimento, exigiria uma pessoa mais firme, uma capitã, algo que nunca fui (risos). Mas acho que essa espontaneidade caiu bem", conta ela, que só se sentiu mais confortável por estar cercada de amigos e do filho, Rafael Coutinho, que participa do quadro "Duelo de Imagens".
Até a lista dos entrevistados dos 26 episódios já gravados partiu de nomes com quem ela tinha alguma afinidade ou, no mínimo, um grau de admiração, como Marisa Orth, Gregorio Duvivier, Tom Zé, Fernanda Takai, Antonio Prata e Xico Sá. A advogada e ativista transgênero Márcia Rocha também faz parte da lista da apresentadora, que é militante e integrante da Abrat (Associação Brasileira de Transgêneros).
Ser conhecida ajudou
Laerte considera que seu caso é ligeiramente diferente da maioria. Quando assumiu publicamente em 2011 o processo que começou, pouco a pouco, sete anos antes, despertou reações afetuosas e, no máximo, amenas. "Eu me apresentei na maturidade, já tendo uma carreira e sendo uma pessoa conhecida. É mais difícil a sociedade passar do apoio e do afeto para a condenação e ao ódio de repente. A Caitlyn Jenner deve ter conseguido alguns desafetos, gente que achou ridículo. Eu também. Mas, de um modo geral, o fato de ter aparecido bastante na mídia me deu uma certa aura. No Brasil rola isso, aparecer na televisão é benévolo", analisa.
O processo de autoaceitação, no entanto, foi bem mais problemático. Ainda lidando com a homossexualidade na juventude, a cartunista já chegou a cometer até alguns atos de homofobia. "No meu tempo de jovem, ser gay, viado, bicha, invertido era muito grave. Quando identifiquei em mim esse desejo tive muito medo. Tentei bloquear durante muitos anos. Fiz parte de alguns episódios assim, de fazer gozação, agressão verbal", lembra.
Embora tenha um nome feminino, como é de praxe em grupos trans, por construção de identidade e até mesmo por segurança, a cartunista não pretende passar a se chamar Sônia. "Gosto de Laerte. Meu neto, Valente, de 3 anos, me chama de avô. Meus filhos me chamam de pai. Meus pais, que estão vivos e lúcidos, não tem porque me tratarem no feminino agora. Tenho uma flexibilidade. O que é preciso detectar primeiro no tratamento é o respeito, o afeto. Muitas vezes as pessoas te tratam no masculino para ser agressivo, aí eu falo com a pessoa", afirma ela, que descarta a cirurgia de redesignação genital, mas admite que tem planos de fazer ainda algumas modificações no corpo.
"Não estou em conflito com minha genitália, lido bem com ela. E não quero renegar meu passado, dizer que nunca foi outra coisa. Tenho vontade, por diversos motivos, de fazer um implante de seios, que simbolicamente significa muito. Estou contemplando essa possibilidade", afirma.
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