"Não podia usar preto, branco nem estampa", lembra figurinista de "O Rebu"
Ana Cora Lima
Do UOL, no Rio
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Bruno Miranda/Folhapress
Marília lembra que precisou fazer três roupas para cada personagem na primeira versão de "O Rebu", exibida em 1974
Ela perdeu a conta de quantos figurinos já criou em 41 anos de TV Globo, mas sem dúvida desenhar e confeccionar as roupas da primeira versão de "O Rebu" de 1974 foi um dos maiores desafios da carreira de Marília Carneiro. "Me lembro como se fosse hoje. Eu fiz três roupas para cada personagem e como a iluminação era precária e a televisão colorida engatinhava, eu não podia usar preto, branco e nenhuma espécie de grafismo nem estampa. Era uma tragédia", contou a figurinista ao UOL.
Irmã da atriz Maria Lúcia Dahl, Marília buscou referências em filmes, revistas e até álbuns de família para desenhar o figurino, que até hoje considera de vanguarda para época, e cita o guarda-roupa de Sílvia, interpretada pela atriz Bete Mendes, como o mais fashion. "Ela tinha um o cabelo minúsculo e a gente colocava até gel para dar uma cara dos anos 30 e por isso que eu pensei para aquela personagem uma moda do início do século. Lembro bem da cena que Silvia chegou à festa com um casaquinho rosa. Você já pensou uma mulher dirigindo um conversível e entrando sozinha em uma balada toda trabalhada na vanguarda? Isso era o auge da modernidade em 74", lembra.
Além do casaquinho rosa, a figurinista recorda dos smokings azul escuro – sim, o traje de gala masculino não era preto – e do vestido de noite que comprou para a atriz Marília Branco. "Na última hora, entrou na trama uma princesa italiana chamada Olympia Boncompagni. Pensei num vestido solto, todo bordado e antes de começar a fazer, vi um modelo ideal numa loja superchique e não resisti, comprei. Ficou sendo só aquele, não tinha como reproduzir. Eu seguia a Marília, minha xará, para tudo quanto é lugar com medo dela estragar a roupa", entregou a profissional.
A figurinista lembra que teve tempo para pensar, estudar e usar a sala da casa como um verdadeiro ateliê. "Recortei várias cartolinas e colei todos os pedaços de tecidos que eu achava de bom uso, que funcionaria bem na telinha. Espalhei pelas mesas, paredes e chão do cômodo e ficava olhando, olhando porque se não desse certo eu teria que me suicidar. Eram nove meses de novela no ar e não podia errar".
Sempre ousar, sempre seguir sua cabeça
Com a responsabilidade de preparar todo o figurino do show do "Criança Esperança", Marília sempre que pode acompanha os capítulos da segunda versão de "O Rebu". "Estou achando tudo muito bonito, muito estiloso e de uma contemporaneidade incrível", opinou a figurinista, que não foi consultada para esse trabalho. "Soube que eles pesquisaram o figurino da minha versão, mas ninguém me pediu ajuda. Acho normal. As pessoas têm que ousar sempre, as pessoas têm que seguir as suas cabeças e defenderem com entusiasmo as sua criações".
Sobre o poder da televisão e, especialmente, a possibilidade de ditar modas, padrões e estilos – as meias lurex de "Dancing Days", por exemplo, sucesso no final da década de 70, foi ideia da figurinista – ela assume que não tinha a menor consciência nem se interessava pela questão, o importante era criar, ter um diferencial dentro de um trabalho. "Eu sou uma entusiasta e apaixonada pelo meu trabalho", confidenciou Marília que não gosta de apontar a sua criação mais importante ou aquela que mais mexeu com a sua emoção dentro da história da dramaturgia da Globo. "Novela para mim é igual a filho, todos sãos importantes" .
Apesar de 40 anos já passados, Marília não esquece da trama de Bráulio Pedroso e assume gosto especial pelo folhetim. "O Rebu era extremamente elitista e sofisticada. O texto era primoroso, mas, realmente, ela não era uma novela popular. Não deu um Ibope extraordinário na época, mas quem acompanhava, gostava. A novela tinha atores excepcionais e era cult. Essa é exatamente a palavra, a definição: 'O Rebu era cult", finalizou Marília.