Em Família

Delegadas criticam personagem ser isca da polícia na novela "Em Família"

Felipe Pinheiro

Do UOL, em São Paulo

Alice (Erika Januza) descobriu a sua vocação como policial na novela "Em Família", mas, antes de aceitar o convite para participar de um grupo especial de segurança, a personagem se envolveu em arriscadas situações a fim de "vingar" a mãe, que a concebeu após ser vítima de um estupro. O temperamento aparentemente corajoso da "justiceira" do autor Manoel Carlos, no entanto, é criticado por delegadas especializadas no atendimento à mulher.

A delegada Joana Darc de Oliveira, da 3ª Delegacia de Defesa da Mulher na Zona Oeste de São Paulo, afirma que a vítima pode ter grande contribuição no trabalho de investigação policial, embora ressalte o que deve limitar essa colaboração. 

 "A vítima colabora com a polícia até certo ponto, até onde vemos que sua vida ou saúde não corram riscos, sempre assistida e orientada pelos delegados e daí para frente segue o trabalho puramente policial, sem a sua colaboração", apontou.

Em uma das operações mais perigosas, a filha de Neidinha (Elina de Souza) fez o papel de isca para ajudar a polícia a prender um estuprador. Cristiana Bento, delegada titular da Delegacia de Atendimento a Mulher (DAM) de Duque de Caxias (Rio de Janeiro), diz ainda que a ficção pode colaborar para o desentendimento da população em relação ao trabalho da polícia.

 "O que ela [Alice] fez foi um flagrante preparado. A polícia estava por trás, em uma emboscada, esperando o momento de agir. Foi um flagrante preparado para instigar o autor a praticar o crime. Isso não pode e a justiça derruba qualquer flagrante. Você prende, manda para o juiz e ele vai mandar relaxar a prisão por ilegalidade. Você pode até responder por abuso. Não é muito viável. Temos que buscar provas para condenar o acusado, mas mesmo assim nem toda prova é permitida", ressalta. 

"Vamos supor que fosse uma condição válida colocar alguém como isca. Se desse algum problema, a polícia teria que responder por isso. Mas é novela, então a gente supera (risos)", completa. Cristiana diz que apenas com um inquérito seria possível pedir a prisão preventiva do acusado, sem a necessidade de usar uma leiga como isca.

A delegada mostrou que é telespectadora assídua de "Em Família" ao brincar que Luiza (Bruna Marquezine) deveria largar Laerte (Gabriel Braga Nunes) para ficar com o craque Neymar [namorado da atriz na vida real]. Ela disse que gosta de acompanhar as novelas do Maneco, pois para ela, ao menos no quesito policial, "não há tanta ficção quanto em outras novelas".

Divulgação/TV Globo
Delegada Cristiana Bento critica a novela "Salve Jorge". Na trama, Helô (Giovanna Antonelli) se tornou rapidamente delegada federal e Morena (Nanda Costa) ajuda a polícia a prender traficantes na Turquia
Ela lembra com desaprovação de "Salve Jorge", da autora Glória Perez . Na história, a personagem Morena (Nanda Costa) volta à Turquia para ajudar a desbaratar uma quadrilha de traficantes. "A gente falava que a novela estava fazendo um desfavor jurídico.Teve até uma delegada civil [a delegada Helô, interpretada por Giovanna Antonelli] que rapidinho virou delegada federal. É um absurdo", critica.

Ficção x realidade
Elina de Souza, que interpreta Neidinha em "Em Família", não acredita que exista conflito entre a abordagem da novela em relação à realidade.

"Existem pessoas e pessoas. Cada uma do seu jeito. Umas mais corajosas outras menos. Umas mais determinadas outras menos. Alice não fez nada sozinha. Ela teve o apoio e o respaldo da polícia desde o início. A coragem, a determinação, o amor pela mãe e a proteção da polícia deram o impulso necessário para que ela fosse em frente, assim como eu acho que na vida real poderia sim, acontecer com alguém", observou.

A atriz acredita que a novela tem como mérito trazer à tona assuntos que merecem sempre ser discutidos. Na pele de uma mulher que foi estuprada, afirmou que não é possível sentir tanto o drama de Neidinha quanto o da filha Alice. "Neste exato momento, uma mulher está sendo violentada de alguma forma em algum lugar do mundo. E, se tratando de estupro, imagino que seja uma dor muito grande, difícil de compartilhar ou até mesmo superar, assim como aconteceu com a Neidinha. Quando tento me colocar no lugar dela, me dá arrepio só de pensar".

"Acredito que temas como a violência contra mulher, a violência contra o idoso e tantos outros, que, infelizmente, são recorrentes em nossa sociedade, devem sempre ter espaço para discussão. Devem ser mencionados sempre que possível para que as pessoas estejam atentas para aquilo que pode estar acontecendo dentro de suas próprias casas", analisa.

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