Autor de "Amor à Vida", Walcyr Carrasco diz que escreve novela a partir da atuação dos atores
Ana Cora Lima
Do UOL, no Rio
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TV Globo/Raphael Dias
Walcyr Carrasco fala sobre a novela "Amor à Vida", no Projac, Rio de Janeiro
A poucas horas da estreia de "Amor à Vida", sua primeira novela das 21h na Globo, Walcyr Carrasco, 61 anos, nega estar nervoso e muito menos ansioso. Mais novo integrante do seleto e cobiçado grupo dos autores do horário nobre da emissora, ele está feliz e certo de que a intuição é a mola mestra do seu processo criativo. Isso explica as ideias vagas que Walcyr tem com relação ao final da tramas. "Sei mais ou menos o que eu quero que aconteça com alguns personagens, mas essas ideias podem mudar. Ainda não tenho o final da novela", revelou.
Mesmo com um medidor de audiência dentro de casa e perto do computador onde escreve os capítulos da novela, Walcyr não liga para os números e ainda brinca com a imprensa, durante a entrevista concedida no Projac: "Nem mesmo a direção da Globo me cobra tanto quanto vocês, jornalistas, me cobram". Ele cobra, sim, ser sincero com as palavras e os diálogos dos personagens."Eu tenho que escrever aquilo que eu quero, que eu sinto, e que quero escrever", explica o autor.
Muitas vezes a emoção do público diz uma coisa, mas o que realmente você tem que fazer é escrever outras coisas para o público curtir a festa.
Carrasco, sobre mudanças de rumos na trama a partir dos números do Ibope"Amor à Vida" é a 14ª novela de Walcyr Carrasco (11 na Globo, 2 no SBT e 1 na extinta TV Manchete com o pseudônimo Adamo Angel) e irá levantar questões fortes, e isso é o que ele mais deseja: fazer o público pensar, duvidar e questionar. Só que ele, o autor, não tem as respostas e vai contar com a ajuda dos personagens. "O que importa para mim é que novela é uma obra aberta e coletiva. Eu vou escrevendo a partir do que eu assisto também, daquilo que eu vejo os atores fazendo e do que a direção da trama me oferece. Assisto aos capítulos e isso vai mexendo com o meu íntimo. Cada personagem se torna quase como uma pessoa que eu conheço, alguém que me visita todos os dias e é esse personagem que me conta a história dele e da trama."
UOL - Faltam poucos dias para a estreia de "Amor à Vida", sua primeira novela das 21h da Globo. Bate ou não bate um certo nervosismo?
Walcyr Carrasco: Não. Estou super feliz. O sentimento é esse: felicidade. Adoro escrever e estrear faz parte da minha vida. Engraçado, mas eu acho que a maior preocupação, ansiedade, nervosismo é por parte de vocês, jornalistas. Todo mundo me pergunta como é estrear em um horário nobre? Ué, gente, para mim todos os horários são nobres. O público merece o melhor, sempre.
A ideia da história central da trama passar dentro de um hospital, girar em torno de uma família de médicos como surgiu?
A gente não sabe como surgem as ideias e elas acontecem, partem de um foco de interesse e de repente, de repente mesmo, sem nenhuma explicação o foco do meu interesse vai para um determinado lugar. A história de "Amor à Vida" pediu, me guiou, que fosse dentro de um hospital. Não tem uma regra. Se eu soubesse, iria lá pegar mais.(risos)
A novela vai mexer com assuntos bem fortes: homossexualidade e mãe de aluguel. Você acha a sociedade brasileira está preparada para ver isso em uma novela 21h?
Estão saindo muitas historias inventadas. Não sei de onde estão tirando tantas informações e assuntos. Tem até um clube, uma associação de enfermeiras que brigou comigo porque leram que teria na trama um erro de enfermagem. Não tem nada disso! Eu acho que a sociedade brasileira está mais preparada do que se pensa. Nós brasileiros, somos um povo de vanguarda, que aceita os movimentos vanguardistas, e prova disso é que o Brasil é um dos países que mais usa a internet, que mais tem pessoas no Facebook. E isso acontece também no comportamento.
A Tatá Werneck, que faz a Valdirene, é uma personagem que aparentemente vai agradar e chamar a atenção do público. É verdade que ela vai começar como uma periguete, louca para arrumar um namorado famoso e no meio da trama, vira uma evangélica? Como é que você planeja essa transformação?
Eu não planejo a história. Eu escrevo a história na medida que ela vai ao ar. Eu nunca digo o que vai acontecer porque depois eu tenho vontade de mudar a ideia e aí passei a informação errada. Não gosto disso. Não tem nada planejado. Sobre o futuro da Valdirene, como vai acontecer essa transformação, eu não sei. Tem que esperar a história acontecer.
Então já que você não planeja lá na frente, tem pelo menos uma ideia de qual vai ser o final da novela, os últimos capítulos?
Eu tenho ideias vagas. Sei mais ou menos o que eu quero que aconteça com alguns personagens, mas essas ideias podem mudar. Ainda não tenho o final da novela.
Fazendo um balanço da sua carreira, as histórias e os finais mudaram mais ou seguiram a ideia inicial?
Mudou e seguiu. Depende da história. O que importa para mim é que novela é uma obra aberta e coletiva. Eu vou escrevendo a partir do que eu assisto também, daquilo que eu vejo os atores fazendo e do que a direção da trama me oferece. Assisto aos capítulos e isso vai mexendo com o meu íntimo. Cada personagem se torna quase como uma pessoa que eu conheço, alguém que me visita todos os dias e é esse personagem que me conta a história dele e da trama. As pessoas querem saber da história que eu não escrevi ainda e o gostoso para mim é inventar a trama.
O que o telespectador vai ver de diferente do seu estilo, agora, que você está chegando às 21h? O que a gente vai ver de diferente das 18h, 19h, 23h?
Não sei. Cada história vem com o seu formato. Vocês estão querendo que eu racionalize um processo que para mim não é racional. Meu processo de criação é inteiramente intuitivo e como todo processo intuitivo, ele muda e vai de acordo com a minha emoção ou com alguma coisa que aconteceu, que eu presenciei ou soube, e me emocionou, mexeu comigo. Eu nunca tinha apresentado um projeto para as 21h. Apresentei agora porque eu tinha uma história para uma novela das 21h. Antes, eu não tinha.
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E a audiência? Os números das pesquisas de audiência preocupam?
Ainda não tenho o final da novela.Todo o dia sai uma matéria dizendo: aumentou, diminuiu, aumentou. Nem mesmo a direção da Globo me cobra tanto quanto vocês, jornalistas, me cobram. Eu acho espantoso porque a novela tem um probleminha de audiência, a direção da Globo fica lá na dela e espera ver o que acontece, dá o tempo, mas os jornalistas já estão cobrando.
E você não se cobra?
Não. Eu me cobro ser sincero naquilo que estou escrevendo. Eu tenho que escrever aquilo que quero, que eu sinto que quero escrever. Eu tenho aquele aparelho de medição de audiência em casa, perto do computador, mas eu não vejo durante a novela. Vejo, sim, depois, mas não fico com os olhos grudados na tela.
Mas você não acha que esse aparelho serve como uma medição para saber se esse ou aquele personagem caiu mais no gosto do público e aí você pode investir mais nele?
Deveria se isso fosse um processo racional, e o meu não é. Olha, o público quer justiça, quer que o casal termine bem, juntos e felizes, que o malvado seja punido e que a pessoa boa seja recompensada. Mas isso dá para escrever em um dia e não seria uma novela, seria um especial de uma hora e meia. Muitas vezes a emoção do público diz uma coisa, mas o que realmente você tem que fazer é escrever outras coisas para o público curtir a festa.
Quais são as grandes questões, os grandes temas dessa novela?
Os assuntos que tocam, que fazem pensar, duvidar e questionar? Tipo: o que é uma vida feliz? Essa mulher casar com um cara que é um mochileiro livre, que não quer bater um cartão de ponto, que quer a liberdade ou essa mesma mulher casar com um cara certinho, um bom pai de família? De quem é o filho? De quem gerou ou de quem criou? Eu não tenho respostas para essas questões. Os personagens é que vão me contar e eu revelo ao público.