Enfrentando um dragão por dia: Gloria Perez chegou lá? Críticos de "Salve Jorge" comentam

Daniel Santos

do BOL, em São Paulo

  • TV Globo/João Miguel Júnior

    Rodrigo Lombardi e Nanda Costa deram vida aos protagonistas Theo e Morena em "Salve Jorge"

    Rodrigo Lombardi e Nanda Costa deram vida aos protagonistas Theo e Morena em "Salve Jorge"

A TV Globo exibirá nesta sexta-feira (17) o último capítulo de "Salve Jorge", novela que abordou temas polêmicos e que causou repercussões ferrenhas entre os telespectadores, que não só acompanharam como também questionaram as histórias tramadas pela autora, Gloria Perez. 

O folhetim global apresentou ao público as crueldades do tráfico de pessoas, a comunidade pacificada do Morro do Alemão, que contrastou com os costumes e curiosidades da Turquia.
 
A convite do BOL, os críticos de TV Nilson Xavier – editor do site "Teledramaturgia" e blogueiro do UOL – e Alan de Faria – colunista do caderno "Show!", do jornal "Agora" e do site "F5" – repercutiram questionamentos que, como "dragões", assombraram "Salve Jorge" e fizeram com que Gloria Perez vestisse as "roupas e as armas" do santo da Capadócia para defender as histórias que se propôs a contar.
 
Confira o que os críticos disseram.
 
 
Enfrentando um dragão por dia: Gloria Perez chegou lá?
  • Divulgação/TV Globo

    Tráfico de pessoas era tema pouco abordado até a estreia de "Salve Jorge". Mesmo assim, muita gente não acreditava no segmento criminoso abordado por Gloria Perez

Tráfico de pessoas? Isso acontece mesmo? O descrédito do grande público em relação ao tema central da novela: eis o primeiro dragão que a autora teve que enfrentar. Além disso, erros de continuidade e personagens caricatos não agradaram ao público. A autora, então, se desprendeu do viés realista, deu tom mais fantasioso à trama, que ganhou novas críticas e outros números de audiência.
 
"Achei que faltou a novela passar credibilidade na trama da Organização criminosa. Não dava para levar a sério uma Organização como esta, com vilões tão caricatos, como Lívia e Irina. Somado a isso todo o universo ficcional de Gloria Perez, ficou difícil embarcar neste voo da autora. Tráfico humano é pesado, realista demais, deveria ter um tratamento à altura. O público só passou a aceitar a novela (ou seja, a audiência só começou a melhorar) quando a autora deixou de lado as pretensões realistas de sua trama e pisou fundo na fantasia, que lhe é tão característica. Beirou o nonsense e o público aplaudiu." (Nilson Xavier, editor do site "Teledramaturgia" e blogueiro do UOL).
 
"'Salve Jorge' se perdeu justamente em erros constantes de continuidade e passagens difíceis de acreditar, que não poderiam acontecer em uma novela que, a todo custo, procurou martelar na cabeça dos telespectadores que tinha como tema algo bastante real e presente nos dias de hoje, que é a questão do tráfico de pessoas. Gloria Perez chegou a escrever no Twitter, defendendo a sua novela, que os telespectadores deveriam "voar", permitir determinadas liberdades poéticas. Porém, desde o início, "Salve Jorge" foi vendida como uma trama que seria calcada na realidade, seja a do tráfico de pessoas ou a dos morros pacificados. Aí, o que foi visto foi uma vilã bastante caricata e que, no fim da trama, se rendeu a um amor descontrolado (Lívia); um herói (Theo) difícil de ser considerado de fato um herói (mora com a mãe, não consegue tomar nenhuma decisão sozinho); e uma mocinha que, entre as idas e vindas ao Brasil, teve diversas chances de desmantelar a quadrilha, mas não o fez por razões que nem mesmo a Gloria conseguia explicar no andamento da história. Acho que tudo isso gerou um descrédito da novela, e muitos telespectadores passaram a achar divertido tudo o que acontecia na trama, não acreditando nos personagens, algo que não aconteceu em "Avenida Brasil". No folhetim do João Emanuel, teve aquela questão das fotos não salvas em um pen-drive e tal, mas os personagens eram tão verdadeiros que o público, de fato, torcia pela Nina ou tinha ódio de Carminha, por exemplo." (Alan de Faria, colunista do caderno "Show!", do jornal "Agora" e do site "F5").
 
 
Morena, a primeira protagonista favelada e prostituída: "tiro certeiro"
  • Rede Globo/Estevam Avellar

    Gloria Perez teceu elogios a Nanda Costa, que deu vida à heroína Morena em "Salve"

 
Acostumado com mocinhas como Débora Falabella, Carolina Dieckmann e Nathalia Dill, o público foi surpreendido com a escalação de Nanda Costa para dar vida à heroína de "Salve Jorge". Segundo declarou Gloria Perez, a atriz "não foi uma aposta, e sim um tiro certeiro". Além de um novo rosto no papel central, a novela apresentou a primeira protagonista "favelada e prostituída", como também definiu a autora. Nanda Costa fez jus à personagem que lhe foi confiada?
 
"Sim, concordo com Glória. Nanda Costa foi uma ótima Morena. A atriz passou para a personagem toda a garra da heroína de Glória Perez. Gostei muito de seu trabalho - independentemente do texto e dos rumos que a personagem tomou." (Nilson Xavier).
 
"Eu gosto muito do trabalho da Nanda Costa no cinema e na televisão. Vale lembrar que ela roubou a cena em vários momentos em "Viver a Vida" na pele de Soraia. Sem contar que foi um rosto novo entre as protagonistas de folhetins da Globo, papéis geralmente destinados a Paolla Oliveira, Carolina Dieckmann ou Nathalia Dill. Ela, ao meu ver, mandou bem. Críticas a sua personagem, e há algumas, se devem ao andamento de 'Salve Jorge' e não à sua atuação." (Alan de Faria).
 
 
Personagens que não foram "bagunça", mas que poderiam ter feito mais alarde
  • Divulgação/TV Globo

    Maria Vanúbia (Roberta Rodrigues), Élcio (Murilo Rosa), Aída (Nathalia do Vale) e Leonor (Nicette Bruno)

A guerreira delegada Helô, defendida bravamente por Giovanna Antonelli, conquistou o público e ganhou status de protagonista. Assim como a vilã Wanda, de Totia Meirelles, que tomou a frente das crueldades da quadrilha de Lívia (Claudia Raia), que era a promessa para ser a grande megera da trama. Além dos destaques que os telespectadores elegeram, outros personagens não foram "bagunça"  - para relembrar a divertida Maria Vanúbia (Roberta Rodrigues) -, mas poderiam ter feito mais alarde, como apontaram os críticos.
 
"Maria Vanúbia é o melhor exemplo. Tanto que ela teve cenas ótimas no capítulo da última segunda-feira (13/05), quando chegou à Turquia e se deu conta de que havia sido traficada. A personagem era ótima, a atriz também, e passou a novela inteira tomando banho de sol e batendo boca. Um desperdício de ótimas sequências". (Nilson Xavier).
 
"Acho que o personagem do Murilo Rosa, Élcio, tinha tudo para se destacar, mas foi deixado de lado. Lembro-me que, antes de a novela começar, muito se comentou sobre ele, que seria um grande vilão. Acho, inclusive, que seria o primeiro vilão na carreira do Murilo. Porém foi um personagem que teve uma participação rasa na trama. Além disso, acredito que as atrizes Natália do Vale (incrível em "Insensato Coração") e Nicette Bruno foram pouco aproveitadas".
 
 
"Avenida Brasil": a vilã de "Salve Jorge"?
  • Reprodução

    Depois da estreia de "Salve Jorge", o público lamentou a falta da megera Carminha (Adriana Esteves), de "Avenida", no horário nobre

Logo depois da estreia de "Salve Jorge", não demorou muito para que os noveleiros de plantão lamentassem a falta de "Avenida Brasil" e de sua vilã, Carminha. Mas essa saudade não fez da trama de João Emanuel Carneiro a vilã da novela de Gloria Perez, segundo os críticos.
 
"'Salve Jorge tinha - a princípio - uma proposta realista, através de seu tema central, Tráfico de Humanos, uma denúncia muito pertinente. Mas não conseguiu se manter neste propósito. 'Avenida Brasil' não tinha proposta realista em temática. Eu não consigo enxergar um paralelo entre as duas obras. Nem ver algo em que 'Salve Jorge' tenha sido superior a 'Avenida Brasil'." (Nilson Xavier).
 
"'Avenida Brasil', de alguma forma, virou um fantasma para qualquer autor que for escrever uma novela para o horário das nove, uma vez que se tornou de fato um marco. Na última semana da novela, 3 a 4 televisores estavam ligados no folhetim do João Emanuel e só se falava nos desfechos dos personagens. 'Salve Jorge' merece o mérito por ter abordado um assunto sério que foi o do tráfico de pessoas - e tais assuntos polêmicos a Gloria sabe abordar muito bem e sabe como levá-los para a discussão nos lares dos telespectadores." (Alan de Faria).
 
 
Gloria Perez, a "desenhista" de histórias 
  • Divulgação/TV Globo, Reprodução/TV Globo, TV Globo/João Miguel Júnior, TV Globo/Estevam Avellar

    O público questionou as licenças poéticas de Gloria Perez. 'Pobre de quem não consegue voar', disse a autora sobre as críticas

A morte de Jéssica (Carolina Dieckmann), celular em elevador, igreja 24 horas, internet na caverna e até os cachos de Morena foram questionados pelo público. A autora recorria ao Twitter para "desenhar" - como se referia às suas explicações para os "furos" apontados pelos telespectadores – suas histórias. Os críticos também apontaram pontos positivos e negativos no texto de Gloria Perez.
 
"A trama do tráfico humano - Morena sendo traficada, para trabalhar como prostituta, mas sem nunca ter sido mostrado alguma cena de sexo - suas idas e vindas ao Brasil, sua falsa morte - acho que tudo ficou nebuloso. Assim como o comportamento do mocinho Théo, indeciso entre suas relações amorosas, também causou estranhamento. Faltou um personagem masculino central de pulso firme. Acho que a história de Aisha, que procurava por sua mãe biológica, foi uma trama melhor desenvolvida pela autora, inclusive tendo conexão com a trama central, da Organização de tráfico." (Nilson Xavier).
 
"Acredito que o público entendeu todas as histórias, sim. Porém, a partir de um certo momento, começou a achar graça das soluções escritas pela Gloria Perez em algumas situações. Celular pegar melhor dentro do elevador? Em um hotel cheio de câmeras ninguém ver que a Lívia matou uma pessoa? Jéssica, ajoelhada, vendo os sapatos da vilã Lívia, que ela disse que reconheceria em uma multidão, não enxergá-los? Morena fugindo na Turquia, gritando, ninguém a entende, mas, quando a boate pega fogo, só chegam policiais que entendem português? Ou seja, situações inverossímeis para uma novela, volto a repetir, que se vendeu como uma que teria uma história baseada na realidade do tráfico de pessoas e dos morros pacificados." (Alan de Faria).
 
 
Redes sociais: um dos "dragões" de "Salve Jorge"
  • Reprodução

    Nas redes sociais, Gloria Perez usou muitos 140 caracteres para defender sua trama

 
Os novelistas que se cuidem, pois as redes sociais se tornaram escolas de críticos que não se fazem de rogados na hora de clicar no "não curti" ou de compartilhar opiniões. Gloria Perez que o diga: a autora sentiu a pressão, mas não deixou por menos - usou muitos 140 caracteres para defender sua trama e chegou a alegar que existiam campanhas para desfavorecer "Salve Jorge". Será que as redes sociais também "sufocaram" as licenças poéticas das telenovelas e fizeram com que o público exigisse doses moderadas de fantasia?
 
"Acho que o público sabe e entende bem o que é uma telenovela, o folhetim, e toda a fantasia inerente a esse formato. Vide 'Avenida Brasil', com uma proposta fantasiosa, mas aceita pelo pessoal das mídias sociais. Não se deve subestimar o público, que se sente enganado. Acho que esse foi o erro maior de Gloria Perez, ter subestimado seu público (ela chegou a ir ao Twitter para explicar seus devaneios). Existe limite até para fantasia dos folhetins. Na história de nossas telenovelas, uma outra Glória, a Magadan, foi destituída de seu cargo de toda poderosa dos folhetins da Globo (na década de 1960) justamente por não respeitar esses limites." (Nilson Xavier).
 
"Não acredito que as redes sociais 'sufocaram' as fantasias das novelas. Vejamos, por exemplo, 'Cheias de Charme', que era uma novela com várias fantasias, com várias situações que, na vida real, não poderiam acontecer daquele jeito que lá estava escrito. No entanto, o público embarcou na história, porque, desde o início, a história de 'Cheias de Charme' foi vendida como uma que narraria o conto de fadas vivido por três empregadas que se tornariam famosas e tal, tendo como vilã uma personagem engraçadíssima e que passava por situações surreais. Em breve, a Globo vai lançar 'Saramandaia', que vai ter personagem com asa, uma que explode... Será que por ter tantos personagens de mentira/fantasiosos o público não vai assistir? O importante, ao meu ver, é entender qual a proposta do projeto exibido na TV. Ok, quer falar sobre a classe C, então que sejam colocados personagens que, de fato, representam e atuam como pessoas da classe C, algo que foi muito bem explorado em 'Avenida Brasil'." (Alan de Faria).
 
O BOL procurou Gloria Perez e propôs uma entrevista em que ela pudesse comentar as críticas à novela, porém, segundo a assessoria de "Salve Jorge", a autora não estava conseguindo atender às solicitações da imprensa.
 

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