Patrícia Pillar compara Constância de "Lado a Lado" à atual elite que tem horror da classe média
James Cimino
Do UOL, em São Paulo
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Divulgação/TV Globo
Patrícia Pillar no papel de Constância em "Lado a Lado"
Termina nesta sexta-feira (8) a novela "Lado a Lado", da TV Globo, com o mérito de ter brindado o público com um dos três principais papéis da atriz Patrícia Pillar na televisão. Em entrevista ao UOL na noite de quinta-feira, logo após ter encerrado as gravações do folhetim no Projac, Patrícia colocou sua ex-baronesa Constância Assunção junto a Flora (de "A Favorita", de 2008) e a Luana (de "O Rei do Gado", de 1996) entre seus trabalhos mais significativos na teledramaturgia.
Segundo ela, Constância tem importância porque é uma personagem que não pertence ao passado. E compara o preconceito social que ela expõe contra pobres, negros e mestiços à nova classe média. "É mais ou menos aquela coisa de hoje em dia, dessa elite que tem horror à nova classe média, a tal classe C, e que fica escandalizada de ver essas pessoas frequentando teatro, aeroporto ou praia".
UOL - A Constância tem atitudes odiosas, mas, ao mesmo tempo, ela é capaz de demonstrar doçura com o neto. E, assim como construiu Flora de "A Favorita", você tem um repertório de emoções que consegue despertar empatia e repulsa no telespectador. Como você faz isso?
Constância de "Lado a Lado"
Ela é o Império que se recusa a ir embora e que não foi embora até hoje. Porque o Brasil ainda é um país racista e machista
Patrícia Pillar - Primeiro porque eu acho que todos nós somos assim. E quando você olha um personagem de uma só maneira você o empobrece. A graça que eu vejo no meu trabalho é a de me aproximar daquela pessoa e tentar conhecê-la. Quando você vê algo ou alguém de longe, você não vê a pessoa pequena? Conforme você se aproxima, começa a ver as coisas que de longe você não via. É uma aproximação amorosa que você tem que ter com a personagem, mesmo quando ela é horrorosa.
Quando vemos Constância expondo todo seu preconceito social contra pobres, negros e mestiços, é possível encontrar paralelo com o caso do metrô no bairro de Higienópolis (SP), em 2010, no qual um grupo de moradores foi contra a construção de uma estação a fim de evitar o fluxo de camelôs, mendigos e "gente diferenciada". O que você acha?
Eu acho que essa expressão "gente diferenciada" poderia caber perfeitamente no discurso dela. Porque não há nada mais classista e excludente que esse tipo de pensamento. Mas uma das graças dessa personagem é exatamente essa. Embora ela seja de 1910, Constância vive nos dias de hoje.
Você estudou muito sobre o Rio de Janeiro do começo do século 20?
Sim, li bastante sobre o período. É um período que te permite entender porque somos e como nos tornamos essa república de hoje, pois ali aconteceu o nascimento da república. Todos aqueles personagens vivem como hoje. A Laura [Marjorie Estiano], que é a filha criada para o casamento que quer ser independente; o Albertinho [Rafael Cardoso], que é o filho mimado e fraco; o jornalista idealista na figura do Guerra [Emílio de Melo]; o Bonifácio [Cassio Gabus Mendes], que é o político corrupto e um mau empresário... São todos arquétipos muito fortes. Essa novela tem uma parte cultural muito forte. Mostra como o samba chegou, como o futebol deixou de ser elitista para se tornar popular, como a cultura negra foi absorvida e a elite que não queria ser brasileira mantendo sempre os olhos na Europa. Enfim, são os brasileiros.
A Constância também parece o arquétipo do Brasil Império: escravagista, aristocrático e ultrapassado...
Ela é o Império que se recusa a ir embora e que não foi embora até hoje. Porque o Brasil ainda é um país racista e machista, o que se prova pelas diferenças salariais e sociais de hoje em dia. A Constância é a moralista hipócrita, a corruptora que compra o juiz, que compra o silêncio, que manipula as coisas com o objetivo de favorecer a si mesma.
E o problema dela com Isabel (Camila Pitanga) não é apenas racismo, é?
Flora de "A Favorita"
Eu parecia inocente porque ela queria parecer inocente. E a Claudia [Raia] se mostrava truculenta porque ela precisava se defender daquele monstro. E o público se deixa enganar pela imagem, né? Eu pareço frágil, sou clarinha, enquanto a Claudia é grandona e estabanada. Acho que foi por isso que funcionou
Como foi seu estudo para compor essa personagem?
Basicamente todas as respostas estavam no texto. Isso dá muita segurança ao ator. E a construção de um bom personagem, como esse, se dá quando acontecem duas coisas agradáveis: texto bem escrito e, ao mesmo, liberdade de criação. Nessa novela, nunca cheguei em casa para ler os roteiros e dizer: "Não concordo com esse caminho." E é muito comum de acontecer o contrário. Não vou citar casos para não parecer crítica a esse ou àquele autor, mas a gente às vezes discorda do rumo que o personagem está tomando. Isso pode ser desafiador, pois você se permite acreditar no outro, mas às vezes você apenas reafirma a sua visão, de quem está dentro do personagem. Especialmente porque o autor tem que se preocupar com a criação de outros personagens.
Se você fosse escolher as três melhores personagens suas na TV, quais seriam?
Luana, de "O Rei do Gado", porque eu adoro o texto do Benedito Ruy Barbosa; a Flora, de "A Favorita"; e a Constância por tudo que já disse anteriormente.
Falando em Flora, por que você acha que ela se tornou uma personagem tão carismática?
Naquele ano [2008] eu tinha decidido que não iria fazer novela, mas quando me apresentaram a Flora, a curiosidade foi maior. Eu já sabia que ela seria má desde o começo, mas eu queria ver a novela hoje de novo para ter certeza de que fiz com coerência. Porque a história dela era crível. Eu parecia inocente porque ela queria parecer inocente. E a Claudia [Raia] se mostrava truculenta porque ela precisava se defender daquele monstro. E o público se deixa enganar pela imagem, né? Eu pareço frágil, sou clarinha, enquanto a Claudia é grandona e estabanada. Acho que foi por isso que funcionou.
Qual a sua cena preferida da Flora?
Olha, tem duas: a morte do Gonçalo [Mauro Mendonça], em que ela o mata de susto, e a cena da festa em que ela vai anunciar sua volta aos palcos e contrata um monte de gente para ver sua apresentação cantando "Beijinho Doce". Aí aquelas pessoas não a aplaudem e ela joga na cara de todo mundo que eles têm que aplaudir porque ela pagou (risos). A Flora era engraçada.