Miele lembra que fez "A Praça": "Já tive preconceito com humor popular"
Felipe Pinheiro
Do UOL, em São Paulo
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Reprodução/Globo
Luiz Carlos Miele apresentou a "Praça da Alegria" por quase dois anos, na Globo
Em 67 anos de carreira, difícil é imaginar algo que Luiz Carlos Miele (77) não tenha feito. De assistente de direção ao contato mais próximo com o público nos palcos, o showman -- termo que ele não gosta, mas diz aceitar pela falta de uma definição melhor em português – tem o orgulho de ter participado de forma inusitada de uma das primeiras transmissões ao vivo da televisão brasileira.
"A TV tem 65 anos e eu estou nela há 66 (risos). Eu estava na rádio Tupi quando chegou a televisão no Brasil. Lembro-me que um diretor falou, em uma das primeiras transmissões ao vivo, manda esse garoto parar de passar na frente da câmera. Eu era o garoto e passei na frente da câmera de calça curta. Daí alguém falou, 'a TV brasileira dá os primeiros passos'. E os primeiros passos da TV foram as minhas pernas", diverte-se.
Testemunha de momentos dos mais curiosos, Miele promete contar essa e outras situações divertidas que passou com personalidades diversas, como Elis Regina, Roberto Carlos, Simonal, Pelé, Dorival Caymmi, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Maysa, para citar apenas alguns, na turnê "Miele, o Contador de Histórias", baseada em um livro de mesmo nome que será lançado junto ao primeiro show em 1º de outubro no Rio de Janeiro, no espaço Miranda.
Em entrevista ao UOL por telefone, o ator, diretor, produtor, apresentador e dançarino relembrou, entre tantos fatos memoráveis, como foi parar no banco da "Praça da Alegria", na TV Globo, em 1976, após a morte do criador do programa, Manuel de Nóbrega. Ele, que havia trabalhado como assistente do pai do Carlos Alberto de Nóbrega na TV Paulista, conta que ganhou a oportunidade de comandar o humorístico graças a uma recusa de Chico Anysio.
"O Chico Anysio fez uma reedição da 'Praça' dentro do programa dele, em uma homenagem ao Manuel de Nóbrega. Daí o Boni [José Bonifácio de Oliveira, diretor] perguntou se ele poderia fazer a 'Praça', mas ele disse que não porque seria impossível fazer dois programas por semana. Foi então que o Boni mandou fazer testes com os atores, que eu não sei exatamente quem são e mesmo se soubesse não diria porque eles não passaram", se lembra bem-humorado.
Mesmo indo bem no teste, a decisão de colocar Miele para apresentar o programa que originou a "Praça é Nossa", do SBT, não foi unânime. Lúcio Mauro, diretor de programas de humor na época e intérprete de personagens no "Chico Anysio Show" (1982) e "Os Trapalhões" (1989), se opôs à ideia. "Ele falou, 'Boni, você vai me desculpar, mas o Miele não tem nada a ver com a 'Praça da Alegria'. A 'Praça' tem a cara da Dercy, do Costinha, do Golias. Ele faz um show de smoking cantando música americana, não tem nada a ver com o humor da Praça'. Mas o Boni quis que eu fizesse e fiquei um ano e meio na 'Praça'", declara.
Criada há 59 anos, a atração que passou pelas principais emissoras do país, como Band, Record e Globo, permanece como um programa competitivo no canal de Silvio Santos, no qual estreou em 1987. No banco, já passaram nomes do humor como Moacyr Franco, Ronald Golias, Canarinho, Roni Rios e Simplício.
"Antes de eu ir para a 'Praça da Alegria', o meu núcleo de amigos do humor era Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Jaguar e Ziraldo. Eu tinha grande preconceito contra o humor mais popular, até que um dia fui fazer a Praça e entendi como era difícil fazer algo ao lado de mestres do humor mais popular como Golias e Dercy [Gonçalves]. Foi então que o Chico Anysio me ensinou: 'Miele, deixe que digam os intelectuais, os inteligentes da esquerda, os mais populares e os ignorantes. Só existem dois tipos de humor: o engraçado e o sem graça. A 'Praça' está no ar até hoje porque ela é engraçada", garante.
Ele compara as críticas a humorísticos mais populares como "A Praça" com as recebidas por Hebe Camargo. "Tanto se falou que a Hebe era de uma classe mais popular, que era cafona, isso e aquilo... até que a revista 'Vogue' fez uma edição inteira só com a Hebe e a partir daí não havia festa elegante em São Paulo que não a convidasse. Ela passou de cafona para cult. Os rótulos acabam sendo destruídos e modificados", aponta.
Atento à nova geração de comediantes e programas do gênero, o versátil artista diz que existem bons expoentes do humor atualmente – mas não se mostra tão otimista. Para ele, fórmulas irreverentes por vezes comprometem a intenção fundamental: fazer o público rir.
"Muitos são bem inteligentes, mas nem todos são tão engraçados. Às vezes você acha uma linguagem do humor que é perfeita para qualquer classe, como 'Tapas e Beijos', o antigo 'TV Pirata', o 'Viva o Gordo'. Isso não tem época. É engraçado. Eu acho que a busca por uma linguagem obrigatoriamente nova às vezes atrapalha. Essa linguagem nova ainda não foi encontrada para substituir as anteriores. Pode estudar cinema, teatro... só não existe escola de humor", diz.
Em relação ao "Tomara que Caia", aposta da Globo para as noites de domingo que mescla situações de improviso no palco com game, Miele conta que foi convidado para fazer uma participação especial em um episódio. "É um humor difícil porque é completamente diferente das propostas normais. Essa dificuldade de fazer algo de improviso... nem sempre todos dominam o improviso. Como ainda eu vou fazer, não tenho muito o que falar sobre o programa", afirma.
Divulgação/TV Globo "O [diretor] Lúcio Mauro falou, 'Boni, você vai me desculpar, mas o Miele não tem nada a ver com a 'Praça da Alegria'. A 'Praça' tem a cara da Dercy, do Costinha, do Golias. Ele faz um show de smoking cantando música americana, não tem nada a ver com o humor da Praça'. Mas o Boni quis que eu fizesse e fiquei um ano e meio na 'Praça'"
"Acordo com saudades da TV"
Distante da televisão desde sua participação no quadro "Dança dos Famosos", do "Domingão do Faustão", em 2014, Miele suspira ao expressar a falta que sente de estar em frente às câmeras.
"Eu acordo com saudade, estou desde a inauguração da TV. Sinto-me muito deslocado fora da TV, mas tudo tem seu momento na carreira. É preciso saber administrar e não se desesperar. A cada dia espero ser chamado para alguma coisa nova na TV. Se alguém da televisão me ligar, eu digo 'é só me dizer a hora e a roupa'", fala.
Telespectador de programas de arte e fã de musicais, ele acredita que teria espaço na televisão como "contador de histórias". A ideia do projeto seria similar a sua nova turnê. "Queria contar essas histórias na TV, talvez em histórias de três minutos. Ainda estou trabalhando com esse formato e após o lançamento do livro será mais fácil sugerir essa proposta", diz ele, que não descarta atuar em novelas ou séries, lembrando sua participação em "Geração Brasil" (2014), na Globo, e em "Mandrake" (2005), primeira produção nacional do canal HBO.
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