Em crise, TV Cultura demite, corta programas e se torna alvo de petição
Beatriz Amendola
Do UOL, em São Paulo
A TV Cultura vive tempos difíceis. Com problemas financeiros na casa dos R$ 10 milhões, segundo o presidente Marcos Mendonça, a emissora demitiu em julho cerca de 50 pessoas, incluindo as equipes dos programas "Viola, Minha Viola" e "Provocações" – o que intensificou reclamações de que a emissora tem dado prioridade às produções terceirizadas, em detrimento da própria equipe.
A insatisfação deu origem ao movimento "Eu Quero a Cultura Viva", que já resultou em uma petição com mais de 70 mil assinaturas, um ato na porta da Fundação Padre Anchieta e um vídeo no qual ex-apresentadores, incluindo Luciano Amaral e Sabrina Parlatore, criticam a emissora pelo fim de vários programas - na atual gestão de Mendonça, iniciada em 2013, deixaram de ser produzidos, além do "Viola" e do "Provocações", o infantil "Cocoricó" e a sessão de documentários "É Tudo Verdade".
Marina Person, que apresentava o "Metrópolis" desde 2011 e não teve seu contrato renovado pela emissora, vê com "tristeza" a situação dos programas. "Quando fui chamada para trabalhar na Cultura, sentia que havia um projeto consistente, com programação de qualidade que procurava uma comunicação ainda maior com o público. Esses projetos, que tinham a marca da gestão anterior, foram todos desmantelados pouco a pouco. Ao longo desses anos fui vendo as equipes indo embora, e nada sendo colocado no lugar. Um exemplo são os projetos de séries com o Fundo Setorial do Audiovisual, que estão engavetados. Conteúdo pronto, inédito, brasileiro. Tudo engavetado."
Em meio à crise, o futuro da diversidade e da qualidade de conteúdo, marcas fortes da TV Cultura, foi diretamente afetado, na opinião da apresentadora. "É um espaço que se fecha para novos talentos, novos conteúdos. Nos pilotos que estão sendo feitos por lá eu não vejo nada de novo. Vejo ideias equivocadas", afirmou.
Fernando Abdo, produtor executivo do "Viola", disse que as demissões – estimadas em 46 funcionários pela própria emissora – afetaram muito mais equipes de produção do que outras áreas da TV. "Se você tem uma estrutura profissional, com estúdios, equipamentos, equipe operacional, você teria como dar uma ênfase maior nisso [a produção própria]. Fica muito evidenciada essa questão de querer acabar com a produção porque há outras áreas na TV, como administrativo e marketing, e nelas não se mexeu em muita coisa".
Ao UOL, Marcos Mendonça afirmou que a TV Cultura não irá diminuir o número de produções próprias e que tem buscado um modelo de coproduções para diminuir custos. "Uma produtora vem, e em vez de alugar um estúdio de um terceiro e vir me cobrar, ela usa o meu, assim como usa uma série de produtos que posso oferecer. Vira uma coprodução da TV Cultura com essa produtora, e com custos muito mais baixos para a TV Cultura. Com isso, eu consigo incrementar a produção. Com menos dinheiro, eu produzo mais".
O fim de alguns programas, segundo o presidente da Fundação padre Anchieta, é natural. "Evidentemente que uma televisão tem que se renovar. Você não vai ficar ad eternum fazendo o mesmo programa. Eu fui presidente lá atrás [2004-2007] e montei o 'Cocoricó'. O 'Cocoricó' tem mil episódios, não tem mais sentido você ficar gravando mais episódios, sendo que há anos e anos de reprises inéditas praticamente, programas que foram colocado no ar dez anos atrás, uma vez só. É normal que você vá adaptando a novas linguagens e a novos formatos"
Problemas financeiros
Os problemas financeiros enfrentados pela TV Cultura se agravaram esse ano, afirmou Mendonça. Ele atribuiu o cenário ruim à crise econômica que o Brasil enfrenta, que resultou em um corte de 20% nos repasses do governo do Estado de São Paulo à Fundação Padre Anchieta e em uma retração do mercado publicitário. "O orçamento geral da TV cultura é de R$ 160 milhões, 170 milhões. Nós temos um enfrentamento de uma dificuldade em torno de R$ 10 milhões de reais. E estamos buscando caminhos para diminuir esse número e aumentar nossa receita de uma maneira que possamos nos equilibrar".
Uma dessas formas foi a onda de demissões que ocorreu em julho. "Há uma reestruturação da televisão, de tal maneira que programas que não estão mais sendo produzidos, não há a necessidade de você manter aqui. Grande parte desse contingente de pessoas demitidas é de pessoas que estavam em programas que já estavam fora do ar. Por outro lado, muitas saíram porque estavam em uma superposição de funções existentes."
Para funcionários da casa, a crise já vinha se anunciando há tempos. "No começo do ano, perdemos o Manuel da Costa Pinto, uma grande repórter e uma produtora", contou Marina Person. "E isso apenas no 'Metrópolis'. Fora tudo o que acontece ao redor de nós. E sobre a renovação, eu já sabia que seria difícil eles conseguirem fazer, já que dizem que estão sem dinheiro para nada".
Sheila Pudney, que trabalhava há cinco anos no "Viola", disse que o programa já lidava com cortes de despesas relacionadas a passagens aéreas, hospedagens e transportes – o que criava dificuldades na hora de se trazer artistas de outros estados. "Tudo foi cortado ou diminuído. A gente estava conseguindo fazer com a ajuda dos próprios artistas. Muitos vinham por conta própria, se bancavam para estar aí com a gente".
Nos bastidores do "Viola", as conversas sobre falta de dinheiro se intensificaram antes da demissão da equipe - que aconteceu quatro meses após a morte de Inezita Barroso, em março. "Depois da morte da Inezita, a gente chegou a gravar dois programas com amigos dela, artistas, apresentando e se apresentando, quando o presidente Marcos Mendonça mandou a gente parar de gravar", relembrou Nico Prado Jr. "Nesse tempo, a gente já tinha um novo projeto de programa, com algumas opções, um novo cenário, mas nada foi desenvolvido. A única coisa que a gente ouvia falar era que não havia dinheiro".
Para o diretor, a situação da Cultura apresentava piora desde 2001, quando retornou para a emissora após nove anos afastado. "Depois que eu voltei, a crise só foi se aprofundando", contou ele, acrescentando que houve um baque na gestão de João Sayad (2010-2013), na qual vários programas foram cancelados, como o "Vitrine", o "Zoom", o "Entrelinhas" e o "Grandes Momentos do Esporte". "Ele foi destruindo, mandando um monte de gente embora e comprando material do exterior. Até programas infantis comprou".
"A TV cultura é um oásis no meio de uma TV que é comercial, e a função da TV pública, que é de divulgar a cultura, foi totalmente desvirtuada", opinou Pudney. "A TV cultura deveria ter vida própria, não comprar programas enlatados. Há até coisas que são coproduções, ou são compradas, e que cumprem [o propósito] tão bem quanto, mas essa não deveria ser a função primordial da TV Cultura. Uma TV pública era pra ser por nós e para nós."
Há pouco compromisso das gestões com a emissora, na opinião de Prado Jr. "Gente competente, gente compromissada, toca uma empresa. Principalmente uma empresa com história, que a TV Cultura tem. Mas como ela é usada como uma ferramenta política já há muito tempo, isso a transforma em uma casa sem dono, sem nenhuma responsabilidade com o espectador".