Presidente da TV Cultura nega desmonte e diz que não haverá mais demissões
Beatriz Amendola
Do UOL, em São Paulo
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Bruno Poletti/Folhapress
Marcos Mendonça é o presidente da Fundação padre Anchieta, que controla a TV Cultura
Querida por milhões de brasileiros por produções marcantes como o "Castelo Rá Tim Bum", a TV Cultura passa por um momento difícil, marcado pelo fim dos programas "Viola, Minha Viola" e "Provocações" e pela demissão de quase 50 funcionários. Mas mesmo tendo o orçamento cortado em 20% pelo governo do Estado de São Paulo neste ano, a emissora não deve demitir mais e nem parar de investir em programas próprios, de acordo com o presidente da Fundação Anchieta, Marcos Mendonça. Em entrevista exclusiva ao UOL, concedida em dois dias, Mendonça falou sobre o momento atribulado pelo qual a emissora passa e revelou que há planos de a emissora lançar mais dois canais de TV paga, um voltado à música e outro a documentários.
Leia abaixo os melhores momentos da entrevista.
UOL - A Cultura enfrenta hoje uma situação delicada, tendo demitido um grande número de funcionários em julho. A que se deve isso?
A TV Cultura passa por dificuldades como, em geral, todos os meios de comunicação estão passando. O governo tem repassado os recursos fixados no orçamento, mas houve uma redução, no início do ano, de 20%. Nós estamos nos adaptando a essa realidade. Esses cortes e essas demissões se devem à superposição de funções. Há uma reestruturação da televisão, de tal maneira que programas que não estão mais sendo produzidos, não há necessidade de você manter aqui. Grande parte desse contingente de pessoas demitidas é de pessoas que estavam, uma parte, em programas que já estavam fora do ar.
UOL - Quais são, hoje, as principais fontes de renda da Cultura?
O governo é o grande financiador da TV Cultura. No início do ano, houve um contingenciamento geral do governo do Estado, onde 20% do orçamento foi cortado. A gente tem possibilidade de comercializar espaço publicitário dentro de uma postura nossa. Bebida nós não comercializamos, nós não fazemos anúncios na área infantil. Produtos que têm alguma coisa duvidosa nós não fazemos veiculação - por exemplo, eu não vou anunciar para você um emagrecedor que promete resultados em uma semana
UOL - A TV Cultura opera em prejuízo neste ano? De quanto?
O orçamento geral da TV Cultura é de R$ 160 milhões, 170 milhões. Nós temos um enfrentamento de uma dificuldade em torno de R$ 10 milhões. Estamos buscando caminhos para diminuir esse número e aumentar nossa receita de uma maneira que possamos nos equilibrar.
UOL - Quais medidas a emissora tem tomado para contornar a crise?
Estamos revisando todos os contratos que temos. Todos os contratos estão sendo revistos na base de 25% de redução. Evidentemente, nós tínhamos um canal de parabólica no ar, que custava mais de 300 mil reais por mês, deixamos esse canal e passamos a usar o canal da TV Educativa do Paraná.
UOL - De um tempo para cá, a Cultura passou a veicular propaganda para que anunciantes comprem espaço publicitários no canal, essa é uma das formas para contornar a crise? Houve retorno nessa campanha?
Estamos buscando ter mais publicidade, mais patrocinadores, mas apoiadores. Temos dois caminhos aí: um cortar despesas, e outro que é aumentar a receita. Então precisamos fazer um esforço nessas duas direções para fazer esses números chegarem a um patamar comum, para chegarmos sem saldo no vermelho. A gente tem tido um apoio. A TV Cultura é uma emissora absolutamente querida de todos. Tenho certeza que à medida que as coisas melhorem no país, imediatamente a TV Cultura estará muito melhor.
UOL - Nesse cenário, a TV Cultura tem investido em novos programas?
Essas dificuldades administrativas que estamos atravessando não estão se refletindo na tela da televisão, pelo contrário. Nós investimos muito fortemente em uma programação das mais variadas, trouxemos para a grade da programação programas absolutamente premiados da TV paga e que ainda não haviam sido contemplados na TV aberta do país. E estamos com produções novas em andamento.
UOL - Apesar do momento de crise, então, a TV Cultura não vai parar com a produção própria?
Em absoluto, nós vamos manter essa produção. Estamos buscando parceiros que possam trabalhar juntos. Esse é um modelo que a TV Cultura está começando a utilizar. Uma produtora vem, e em vez de alugar um estúdio de um terceiro e vir me cobrar, ela usa o meu. Usa uma série de produtos que posso oferecer. Vira uma coprodução da TV Cultura com essa produtora, e com custos muito mais baixos para a TV Cultura. Com isso, eu consigo incrementar a produção. Com menos dinheiro, eu produzo mais.
UOL - Há um movimento em favor da TV Cultura, movido por funcionários e fãs que têm a percepção de que há um desmonte da TV, com o fim de várias produções próprias. A TV realmente está dando mais prioridade a formatos prontos?
Estamos concorrendo ao [prêmio de TV] Prix Jeunesse com três produções nossas ['Quintal da Cultura', 'Que Monstro Te Mordeu?' e 'Incluir Brincando']. Como está acabando? Evidentemente que uma televisão tem que se renovar. Você não vai ficar ad eternum fazendo o mesmo programa. Eu fui presidente lá atrás [2004-2007] e montei o 'Cocoricó'. O 'Cocoricó' tem mil episódios, não tem mais sentido você ficar gravando mais episódios, sendo que há anos e anos de reprises inéditas praticamente, programas que foram colocado no ar dez anos atrás, uma vez só. É normal que você vá adaptando a novas linguagens e a novos formatos.
UOL - O que motivou as demissões das equipes do "Viola, Minha Viola" e do "Provocações", programas quer eram queridos pelo público?
Eram dois programas altamente personalizados, um na Inezita e o outro no Abujamra, e infelizmente eles faleceram. Essa equipe não tinha trabalho. Nós buscamos até patrocinadores para buscar um outro tipo de programa, infelizmente não conseguimos. Não tem sentido mantermos uma equipe que o programa não estava sendo produzido
UOL - A programação infantil sempre foi um dos pilares da TV Cultura, que produziu programas marcantes como o "Castelo Rá Tim Bum". Mas há muitos anos grande parte do público infantil migrou para os canais a cabo. O infantil ainda é prioridade da emissora?
Nosso público preferencial é o público das classes C, D, E, pessoas que não têm poder aquisitivo para ter canal a cabo. Nós queremos atender essa população com produtos da mais alta qualidade. A gente tem que lembrar que no Brasil só 25% das pessoas têm TV por assinatura. E aí a opção infantil é a TV Cultura, até porque os outros canais [abertos] priorizaram outras áreas. O último programa feito por uma rede comercial, de qualidade, para crianças foi 'Sítio do Picapau Amarelo', que a rede Globo fez em 2000, 15 anos atrás. TV cultura é a única que faz esse esforço em produções voltadas para a nossa criança, para nossa história, nossa gente, nossos bichos. A TV Cultura tem essa vocação e vai continuar a ter.
UOL - Foi noticiado que a Cultura está produzindo uma animação inspirada no "Chaves", chamada "Quinho e Sua Mochila". Qual a expectativa para esse projeto dentro da emissora?
Nós recebemos uma proposta não tem nada a ver com o Chaves, é um programa infantil, que é a vertente que a TV Cultura tem. Na realidade, a produtora pediu se poderia utilizar o estúdio da televisão para fazer um piloto. E a televisão, sem agregar custo nenhum, cedeu o estúdio para o piloto. Aliás, como são feitos vários. Depois, o projeto é submetido à apreciação da direção da emissora, do Conselho da programação e dando certo, a gente coloca no ar. O que é exibido na TV Cultura não vem de improviso.
UOL - Você esteve na presidência da Fundação Padre Anchieta entre 2004 e 2007 e disse, em entrevistas, que havia zerado o déficit da emissora. O que aconteceu entre essas gestões? Houve má gestão de recursos?
Aconteceu que hoje nós tivemos no país uma crise enorme, e a televisão nesse período fez algumas opções, ela tinha um alcance nacional e as administrações que me sucederam tiveram uma visão de diminuição desse tamanho. Elas reduziram substancialmente o tamanho da TV Cultura. Mas voltamos a ter uma visão de que o sinal da TV Cultura é aberto, e a quem quiser buscar, dentro das regras nossas, nós oferecemos o sinal. Desde que esse canal que esteja recebendo o sinal, não tenha uma programação local de baixo nível, de baixa qualidade. Com isso, nós aumentamos nosso patamar para 1750 municípios no Brasil todo.
A TV Cultura também fez uma opção na questão dos serviços, que era uma área que ela tinha uma força muito grande. Quando eu estava aqui na presidência, tínhamos sete grandes contratos, por exemplo, TV Justiça, a TV do STF, a TV Assembleia, TV Câmara, a TV do TSE, tudo era a Cultura que fazia. Isso foi deixado de lado e, hoje, a gente está tentando buscar novamente a fonte de renda desse mercado de serviços, que é uma outra fonte de renda.
UOL - Além dos serviços, a TV busca mais alternativas de fontes de renda?
Temos um acervo riquíssimo. Um acervo de 35 anos de história e produções na área de música, de documentários. Nós vamos criar dois canais por assinatura. Além da TV Rá Tim Bum, que eu criei há dez anos e que hoje tem doze milhões de assinantes, temos dois canais que pretendemos criar, que é um canal de documentários e um canal de música. Eles terão como base o acervo da TV Cultura. Por isso, nós digitalizamos esse acervo e queremos ainda esse ano estar com esses canais no ar. Não posso falar da data, porque depende da regularização de direitos autorais, que não depende da gente, estamos buscando regularizar.
UOL - O sindicato entrou com uma representação legal alegando que a TV Cultura não teria pago o abono salarial devido e que teria demitido funcionários em período de estabilidade. Qual é a posição da emissora em relação a isso?
Existem duas questões. Uma questão é em relação ao abono. Na realidade, os radialistas sabem e nós dependemos de uma autorização do governo para efetuar esses pagamentos do abono. E nós não temos autorização do governo para pagar. Em relação à questão da estabilidade, nós pagamos aos funcionários o tempo da estabilidade. Os funcionários que foram demitidos receberam o período da estabilidade. A TV Cultura cumpriu com todas as suas obrigações.
UOL - Há expectativas de novas demissões ainda neste ano?
Não, a gente imagina que essa reestruturação, essa racionalização, vai significar uma economia para a Fundação de aproximadamente R$ 8 milhões por ano e essa racionalização vai permitir que a gente mantenha um equilíbrio sem a necessidade de ter medidas semelhantes a serem adotadas.