Para atores, trabalho artístico não prejudica a infância
Beatriz Amendola
Do UOL, em São Paulo*
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Reprodução/Facebook/Matheus Ueta
Matheus Ueta e Ana Julia foram afastados do "Bom Dia & Cia"
Em menos de uma semana, a Justiça de São Paulo afastou atores mirins de duas produções: a peça "Memórias de um Gigolô", de Miguel Falabella, e o programa infantil "Bom Dia e Cia", do SBT. Entre os motivos para as decisões, estariam o conteúdo sexual, no caso da primeira, e a adequação dos horários das crianças, no da segunda, o que levou a diretora Silvia Abravanel a assumir a apresentação da atração infantil. Mas as decisões do juiz Flavio Breta Soares são vistas com cautela por artistas consultados pela reportagem do UOL.
Narizinho da primeira versão de "O Sítio do Picapau Amarelo", a atriz Rosana Garcia, 50, começou a trabalhar com cinco anos de idade e não vê prejuízos no trabalho das crianças, desde que sejam respeitados os limites da faixa etária. "Eu não vejo pontos negativos se você tem pais conscientes e empregadores conscientes, que irão dar um respaldo para a criança estar confortável e trabalhar a carga horária que deve trabalhar, que saibam que ela tem a escola, que não deve ficar acordada até tarde", afirmou.
Preparadora do elenco infantil de "Sete Vidas", última novela das seis da Globo, Rosana contou que há preocupações especiais com crianças no set de filmagens: "Se tem alguma [cena] noturna, a prioridade é gravar com a criança primeiro; se o estúdio está gelado, vamos aumentar a temperatura para a criança não se resfriar; se vamos gravar na praia, as maquiadoras já tem o protetor solar, o protetor contra mosquito, a gente prioriza muito as crianças. Não vejo essa necessidade de tirar as crianças do trabalho, até porque elas se divertem muito fazendo isso."
Uma das estrelas mirins mais famosas do momento, a atriz Larissa Manoela, 14, atuou em "Carrossel" e está prestes e protagonizar a próxima novela do SBT, "Cúmplices de um Resgate", na qual fará dois papeis, as gêmeas Manuela e Isabela. "Ela estuda de manhã e sempre conciliou a escola com as gravações. O colégio sempre a elogiou porque é muito dedicada. As notas dela sempre são entre 8,5 e 10. Tem uma pedagoga do SBT que acompanha as crianças. O SBT sempre foi muito preocupado com todas as questões, desde alimentação, psicológica, médica e escola", afirmou a mãe da atriz, Silvana Santos.
Yudi Tamashiro, de 22 anos, já apresentou o "Bom Dia e Cia", assim como Matheus Ueta e Ana Júlia, os apresentadores mirins afastados, e desaprova a decisão do juiz Flavio Breta Soares. "Essas crianças que estão trabalhando recebem salário, têm seu conforto, têm sua comida em casa todo dia. Elas têm tudo. E há tantas crianças passando necessidade, tantas crianças precisando de apoio. Lógico, há a preocupação com os estudos. Mas vai cortar o moleque de apresentar? Achei uma ignorância tremenda. Até porque hoje o mundo está rápido. Se você não começar desde novinho, outra pessoa vai tomar seu lugar."
O trabalho prejudica a infância?
Para Yudi, que estreou no "Bom Dia e Cia" com 13 anos, a adolescência não ficou prejudicada pelo trabalho. "Mesmo jovem, eu já tinha certeza daquilo que queria. Eu queria aprender mais, queria poder estar me alimentando cada vez mais da arte. Nunca encarei como um trabalho. Encarava como diversão, como aprendizado pra vida", contou.
O trabalho na TV também era sinônimo de diversão para Rosana Garcia, que lembra que subia em árvores, pegava frutas no pé e brincava com animais nos bastidores do "Sítio". "Lógico que deixei de ir a algumas festinhas de algum amigo da escola porque tinha que gravar, mas a partir do momento que estava lá gravando, me divertia tanto que entendia que a gente tem que abrir mão. Acho que desde criança a gente tem que aprender isso, que a gente tem que abrir mão de algumas coisas por outras."
Como a Justiça encara?
A Constituição brasileira atesta que o trabalho é vetado para menores de 16 anos, a não ser na condição de aprendiz, a partir dos 14. Mas um tratado da Organização Internacional do Trabalho, do qual o Brasil é signatário, permite que crianças e adolescentes exerçam o trabalho artístico mediante concessão de alvarás, conforme explicou ao UOL o procurador Gustavo Tenório Accioly, da Coordenadoria de Combate à Exploração Infantil do Ministério Público do Trabalho.
Não existe na legislação brasileira uma regulamentação definitiva sobre os critérios que definem se um alvará será emitido ou não. Mas, segundo Accioly, o Ministério Público se guia por alguns requisitos decorrentes de interpretações da própria Constituição e do princípio da proteção integral da criança e do adolescente, que rege o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Um dos principais é que seja imprescindível a contratação de uma criança ou adolescente, de forma que o trabalho não possa ser realizado por um maior de 16 anos. O conteúdo da produção também deve ser apropriado. "O roteiro do trabalho jamais poderá conter elementos perniciosos à integridade da criança e do adolescente, como sofrimento, uso violento da memória emotiva, exploração sexual e comercial, e trabalhos degradantes", disse o procurador. Um alvará é emitido a cada nova obra em que o jovem atua.
Se for constatada alguma irregularidade por parte do empregador, o Ministério Público pode agir, independentemente de isso ter chegado por meio de denúncia ou não. "Em casos como esse, é instaurada uma ação civil pública ou formalizado um termo de ajuste de conduta. E se a parte descumprir o ajustado e continuar a realizar aquele trabalho, vai haver o pagamento de multa", explicou o procurador. Quem irá sofrer a punição varia: dependendo do caso, pais, emissoras, agências, casas de shows e até revistas podem ser responsabilizadas.
*Colaborou Felipe Pinheiro
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