"A TV foi minha escola", diz diretor de séries como "Sopranos" e "Homeland"

Giselle de Almeida
Do UOL, no Rio
Divulgação
Dan Attias, diretor de séries como "Homeland", "The Sopranos" e "The Walking Dead"

Na década de 80, Dan Attias largou uma possível carreira no cinema para dirigir séries, muito antes da chamada era de ouro da TV americana. Responsável por episódios de atrações como "Barrados no Baile", "Sopranos", "Homeland", "House", "True Blood" e "The Walking Dead", entre muitas outras produções conhecidas mundo afora, o diretor conta em entrevista ao UOL um pouco de sua trajetória e o que mudou na telinha desde então.

Convidado para uma masterclass no NetlabTV, no Rio, na semana passada, ele admite que é bom ter seu trabalho reconhecido, já que diretores de TV, normalmente chamados para conduzir apenas alguns episódios das séries, têm bem menos projeção do que os cineastas. Ex-assistente de direção de nomes como Francis Ford Coppola e Steven Spielberg e com duas indicações ao Emmy no currículo, Attias diz que o anonimato faz bem para o ego, mas isso não reduz sua dedicação. "Assumo totalmente a responsabilidade de fazer cada episódio o meu filme", diz. 

UOL - Seu primeiro trabalho como diretor foi no cinema. O que te levou para esse universo da TV e o que você mais gosta nele?
Dan Attias -
Meu primeiro filme foi rodado em 1984 e foi lançado no ano seguinte. Naquela época longas eram a única coisa que me interessavam. O trabalho disponível era um longa de terror, "A Hora do Lobisomem", baseado num livro de Stephen King. Não era a coisa que eu mais queria fazer, mas era uma porta de entrada. E o caminho até ter um projeto aprovado pode ser bem longo... Me ofereceram alguns trabalhos em televisão, como  "Miami Vice" e "Barrados no Baile". Você não aprende a ser um diretor melhor sem dirigir, e a TV foi minha escola, embora eu tenha estudado. O ponto de virada foi "The Sopranos", na HBO. Eu já tinha trabalhado com David Chase (criador da série) em "Northern Exposure" e ele me chamou para dirigir o segundo episódio. E percebi: "Isso é fantástico!". Quando me chamam para filmes, a qualidade é inferior ao que faço na TV. E também amo o retorno da televisão. Trabalho em algo por um mês ou dois, milhões de pessoas veem aquilo, e depois faço outra coisa. Um longa demora anos para ficar pronto e não tem garantia de que alguém vá assistir. Também tenho a possibilidade de lidar com drama, comédia, horror, gêneros tão diferentes.

Você tem um gênero favorito?
Pode ser um clichê, mas é sempre o que estou trabalhando. Eu tenho que fazer meu trabalho bem, tento me apaixonar por ele para contar bem a história. As que mais me atraem são as que falam da condição humana. Fiz muitos trabalhos que envolviam computação gráfica, séries de ação, mas para mim, tudo se resume a contar a história, e gosto das interações entre os personagens.

E tem algo que não gosta no universo televisivo?
O estresse. Há muita pressão, porque você precisa tomar muitas decisões em pouco tempo. Se elas não forem as corretas, você sofre ao tentar achar seu próximo trabalho. As limitações de orçamento e de prazos podem ser frustrantes. Você não pode levar dois meses para fazer uma sequência, tem que fazer em seis horas. Mas as limitações também criam condições para soluções criativas.

Nos Estados Unidos, as séries têm vários diretores e a figura do showrunner (geralmente produtor executivo e comumente o criador da atração), que é quem toma as principais decisões criativas. Qual é, então, seu principal trabalho como diretor?
Assumo totalmente a responsabilidade de fazer cada episódio o meu filme. São os diretores que estão contando a história daquele pedaço da temporada inteira. Ele é o único que diz "ação", que faz ajustes com os atores no set, que determina onde colocar a câmera, que pede ajuda para ter o resultado que deseja. É diferente do cinema em muitos sentidos, mas também é parecido, porque tem grandes responsabilidades.

Como é a relação com o showrunner? Ela pode ser frustrante às vezes?
Sim, pode, e também pode ser fantástica, como qualquer relação entre duas pessoas, depende de como você interage. Os melhores showrunners, eu acho, são os que dão poder à pessoa com quem estão trabalhando. Eu tento estimular a criatividade dos meus colaboradores, no fim das contas, eles fazem o meu trabalho parecer melhor. Não importa de quem é a ideia, mas como diretor tenho que decidir se é algo que quero implementar ou não. A mesma coisa funciona para o showrunner, se ele me deixar fazer meu trabalho. Eu os respeito muito e o fato de que a série é a visão deles. Minha função é conectar à visão deles de um jeito que me estimule e que eu ache significativo. O episódio não é uma coisa independente, tem que se encaixar no conjunto.

Esse modelo pode mudar num futuro próximo? Recentemente "True Detective" teve sua primeira temporada conduzida por apenas um diretor, Cary Fukunaga...
Sempre pode. Tenho certeza de que "True Detective" tinha os roteiros prontos antes de filmarem. A maioria dos programas tem sorte de ter três episódios antes de começar. Em quase todo programa que fiz, não recebi o roteiro antes do primeiro dia de trabalho, e tenho só sete para a preparação. Fui produtor executivo de "It's Always Sunny in Philadelphia" e dirigi os dez episódios da segunda temporada. A única forma de fazer era ter tudo pronto com antecedência, filmávamos todas as cenas em uma locação e depois seguíamos para a próxima. É muito difícil manter tudo funcionando. É louco, mas é possível, depende das condições. Mas algumas pessoas não querem o mesmo diretor fazendo tudo, eles acreditam que podem ficar acomodados, sentem que esse elemento que varia de um episódio para outro é o que mantém todo mundo alerta. É como o grão de areia na ostra, causa uma certa irritação para criar algo belo. Claro que pode ser ruim se o diretor não for bom, mas acho que, em geral, é bom ter um mix. As melhores séries costumam ter três ou quatro diretores, que dirigem três ou quatro episódios cada.

Você dirigiu um episódio de "Bloodline", série da Netflix prevista para março de 2015. Esse trabalho foi muito diferente de um para a TV tradicional?
Não muito. Acho que quem sente mais a diferença são os produtores, porque tem que terminar a temporada inteira antes de ir ao ar. E isso pode ser desafiador para os escritores, porque eles não sabem necessariamente o que funciona. É o mesmo problema que produtores da TV enfrentaram quando pararam de fazer pilotos que vão determinar se as séries serão feitas. Sem ter esse tempo entre o piloto pronto e o próximo episódio, você não vê o que tem em mãos. Então, depois de cinco episódios, descobre que não existe química entre dois personagens. Você poderia mudar isso se tivesse visto o piloto. É interessante, esses modelos de produção têm consequências que não foram previstas.

O que você considera antes de aceitar um novo projeto?
Tenho que estar empolgado com ele. E também depende de quanto eu preciso do trabalho. Preciso estar desafiado, achar algo que me fascina. Dirigir vai ser meu modo de entrar naquilo, eu sei que tenho que mergulhar fundo, tem que se tornar parte de mim. É como aprender outra língua, preciso descobrir o que posso falar naquele idioma com minha própria voz e o que eu gostaria de dizer.

Você às vezes assiste a alguma série e pensa: "Gostaria de dirigir isso"?
É claro! Gostaria de fazer "Game of Thrones", "Mad Men", "Breaking Bad", mas essa é uma oportunidade perdida... Vi alguns episódios de "The Affair" (exibida nos EUA pelo canal Showtime e ainda inédita no Brasil) e fiquei intrigado. Sempre me animo quando vejo um programa que tem um showrunner interessante e um elenco interessante.

Você está no mercado desde meados dos anos 80. Quais são as principais diferenças que você nota desde que começou para hoje?
Em primeiro lugar, o material agora é muito melhor. Parte disso é porque os episódios não têm obrigatoriamente começo, meio e fim, as histórias cruzam muitos episódios, então você tem chance de desenvolver os personagens de maneira bem mais sutil. É engraçado, porque as novelas fazem isso também, sei que o Brasil tem novelas populares, mas não é a mesma coisa, as séries podem ir mais fundo nas questões. Estilisticamente, as coisas também mudaram. A expectativa é que você faça algo tão interessante visualmente como um filme, com mais atenção na luz, na direção de arte. O público não quer simplesmente uma história sendo contada.

E hoje todo mundo quer estar na televisão...
Isso tem a ver com a qualidade. Quando comecei, atores de filmes tinham medo de fazer séries porque achavam que seria o fim de suas carreiras. Você pode ligar a TV na sala de estar, virar as costas e conversar com seus amigos. Não é a mesma coisa que acompanhar uma história na tela grande, projetando suas fantasias. Os atores tinham esses medos, "TV é baixa cultura". É tão difícil fazer um filme independente nos Estados Unidos, e os longas de estúdio estão ficando extravagantes, exagerados, e as corporações podem justificar gastar centenas de milhões de dólares porque esses projetos rendem milhões. Filmes pequenos não prometem o retorno financeiro que os estúdios querem, então o material interessante vai para a tela pequena. Aí você tem pessoas como Glenn Close ("Damages") e Claire Danes ("Homeland"), que se dedicam a bons papéis na televisão.

Numa entrevista, você declarou que gosta de ser anônimo porque isso faz bem para o seu ego. É assim que se sente?
É isso. Dirigir filmes é muito mais gratificante para o ego, e eu não estou acima disso, eu adoraria. Mas o ego pode atrapalhar sua criatividade, e dirigir episódios para a TV te deixa mais humilde porque você é anônimo, os heróis são os atores e os showrunners. Nós, diretores, fazemos o mesmo que os cineastas: estabelecemos a cena, dirigimos atores, dizemos "ação", dizemos "corta". Você não se vangloria tanto porque ninguém faz isso. Vou de trabalho em trabalho e é bom ser reconhecido. Talvez vocês, que me convidaram para este evento no Brasil, sejam culpados de estarem inflando meu ego (risos).