"O público só não aceita quando faço papel de pobre", diz Beatriz Segall
Amanda Serra
Do UOL, em São Paulo
Aos 88 anos, afastada das novelas desde "Lado a Lado" (2012), Beatriz Segall decidiu usar o tempo livre para dar aulas particulares de interpretação em sua própria casa, no bairro dos Jardins, em São Paulo, e se prepara para estrear duas peças, uma delas o musical "Pippin". Em conversa com o UOL em sua residência, a atriz disse que se considera a precursora da vilania na TV e atribuiu sua vitalidade ao fato de "sempre ter projetos".
"Até eu interpretar a Lourdes Mesquita [vilã de 'Água Viva' (1980)] ninguém queria fazer papel de má. Era para eu fazer a mocinha, a Stella Simpson, e a Tônia Carrero faria a Lourdes Mesquita, mas quando ela descobriu que seria a vilã criou um problemão na emissora [Globo] e acabou trocando comigo. A partir da Lourdes Mesquita que as pessoas descobriram que era muito bom fazer papel de má, porque tomava conta da novela. É a partir do vilão que as histórias acontecem. A Lourdes Mesquita mostrou que o vilão pode ser muito simpático. Acredito que inaugurei essa temática", declarou Beatriz.
Odete Roitman de "Vale Tudo" (1988) continua sendo a personagem mais marcante de sua carreira e consequentemente de sua vida, mas a atriz faz questão de ressaltar que teve outras personagens marcantes, especialmente no teatro. "Me chamam muito de Odete nas ruas, principalmente, nas lojas. Mas não ligo mais. No Brasil se vê muito mais novela do que se vai ao teatro, se fossem ao teatro teriam muito mais nomes para me chamarem. O que incomoda é que esse papel não é o único, mas ficou muito marcado".
Com o desejo de interpretar novos personagens, Beatriz aguarda convites para viver uma mocinha na TV. Questionada se o público a aceitaria como boazinha, Beatriz é direta: "O público só não recebe bem quando faço papel de pobre na TV, eles não aceitam. Acho que eles pensam que sou rica na vida de real, quem me dera [risos]", disse ela, enquanto pedia para Adilson, seu motorista, reagendar um almoço que teria naquela tarde, e em seguida chamar Maria Helena, sua empregada doméstica, para servir um café.
Sem nunca ter tido contrato fixo com a Globo e ou outra emissora, Beatriz assumiu uma mágoa e criticou o espaço dado aos atores mais velhos. "Acho que eles [Globo] não sabem que eu quero trabalhar até os 100 anos. Os velhos no Brasil não têm lugar, não são devidamente respeitados. Os diretores, autores devem ter medo que os atores velhos morram no meio da produção, isso explica a falta de espaço para veteranos na TV. Faltam papéis, falta dar importância à experiência, à sabedoria..."
A atriz contou que a motivação para dar cursos de interpretação veio de um desejo antigo, provocado pelo tempo ocioso, além de acreditar ter o dom da docência, já que seus pais eram professores e ela mesma ministrou aulas de francês antes de se tornar atriz. "Adoro dar aula de interpretação, gosto de ver o progresso dos alunos e o que eles estão apreendendo. Tomo um cuidado muito grande para não os fazer entrar em um ritmo que é meu e não é deles. Isso é o mais importante. Não quero que me imitem, quero que descubram seu potencial e sejam mais independentes", afirmou ela, que atualmente tem quatro alunos, entre eles uma dona de casa. Com duração de até 2 horas, as aulas podem ser individuais ou em dupla e custam de R$ 200 a R$ 300.
"Não estou sendo chamada para televisão e ficar sem fazer nada é muito chato. Acredito que seja uma obrigação passar para frente aquilo que você acumulou. É um prazer muito grande para mim", completou a veterana.
Melhor idade
Com a pele bem cuidada, apesar dos traços de envelhecimento naturais da idade, acentuada pelos traços de maquiagem, vestindo uma camisa estampada e uma calça de tom escuro para ornar com sua personalidade, Beatriz contou que é adepta de todos os procedimentos estéticos em "prol da beleza". "Tenho muitas vaidades, gosto de cuidar da pele, fazer ginástica, caminhar. As mulheres têm que usar todos os recursos. Gosto de viver, tenho saúde e tenho projetos. Preciso sempre ter projetos, esse é o meu segredo de vitalidade".
Avó de nove netos, mãe de três meninos, Beatriz vive sozinha no apartamento decorado por quadros do sogro Lasar Segall e dedica o tempo livre para ler, realizar sessões de cinema em casa, visitar os amigos e receber visitas.
"Vejo pouca televisão e tenho saudade das boas novelas, como 'Água Viva', 'Dancing Days', 'Vale Tudo', as que eu fiz. Antigamente, tínhamos um elenco fascinante na TV. Hoje, por exemplo, seria muito difícil fazer 'Vale Tudo', falta elenco, falta preparo aos atores. Qualquer carinha bonita, qualquer sainha curta faz sucesso em 15 minutos. Não há preocupação com a qualidade. Antes, os atores estudavam mais. Infelizmente, essa é uma mudança geral. A educação anda muito fraca, falta educação governamental", criticou ela, para em seguida fazer mais uma observação – "Os escritores também estão muito fracos".
"Acho que eles [Globo] não sabem que eu quero trabalhar até os 100 anos. Os diretores, autores devem ter medo que os atores velhos morram no meio da produção, isso explica a falta de espaço para veteranos na TV"
Cercada por livros -- entre eles os clássicos do poeta e escritor brasileiro Mario de Andrade e a biografia de Assis Chateaubriand -- a veterana acredita que quem gosta de ler nunca é solitário. "A solidão sempre tem remédio, você pode chamar alguém, se aproximar de alguém. Mas nunca parei para pensar nesse assunto, mas acredito que seja um doce de pessoa", disse Beatriz aos risos.
Com a expectativa de viver além dos 100 anos, a atriz, que diz não saber se acredita em Deus --"não sou uma pessoa religiosa" --, contou não ter medo de partir. "Não tenho medo da morte, mas tenho medo de morrer. Tenho medo que a morte não seja rápida e sem eu perceber."