"Quis preservar a arte do cinema na série", diz diretor de "True Detective"
Giselle de Almeida
Do UOL, no Rio
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Divulgação
O diretor Cary Fukunaga no Rio
A cena mais falada da primeira temporada de "True Detective" - um plano-sequência de seis minutos que encerra o quarto episódio da série - diz muito sobre o modo como o cineasta Cary Fukunaga enxerga seu papel na televisão. Ganhador do Emmy de direção em 2014 por seu trabalho na atração, o americano de 37 anos, em passagem recente pelo Brasil, explicou que seu objetivo era não se deixar acomodar pelo ritmo frenético que o veículo exige.
"Antes da pré-produção, assim que peguei o roteiro, disse ao Nic (Pizzolatto, criador do programa) que queria preservar a arte do cinema na série. Na TV temos prazos apertados, mas não queria começar a fazer só o básico. Queria dar vida à câmera em pelo menos uma cena em todos os episódios, cada um teve uma cena de ação de destaque, em termos de movimento", contou ele, durante uma palestra no evento RioContentMarket, no Rio.
"Então, quando decidi que faria um plano-sequência, me perguntaram para que eu precisava de dois helicópteros e todas aquelas coisas. Eu disse: isso normalmente levaria quatro dias para ficar pronto, vou fazer em um dia, então, na verdade, estou economizando dinheiro. Esse foi meu argumento", recordou Fukunaga, aos risos, antes de admitir que acha que alguns planos poderiam ter ficado melhores. "Isso me deixa louco!", afirmou ele, que diz ter planejado todas as filmagens como se fosse um longa-metragem de oito horas.
Em conversa com o UOL, o diretor diz que não consegue explicar o fenômeno que a série da HBO se tornou. "Não tenho ideia. Acho que às vezes é só timing", afirmou ele, que garante ter ficado surpreso com o repentino sucesso. "Sabíamos que tínhamos uma boa história, mas você nunca sabe como as pessoas vão recebê-la. Tentamos diminuir nossas expectativas caso ninguém assistisse, então quando elas reagiram, quando começaram a surgir memes e vídeos de fãs, foi surpreendente", contou.
Nos créditos da segunda temporada, que estreia este ano, o cineasta vai aparecer apenas como produtor executivo. Ele explica que o acordo era mesmo ficar só um ano no projeto. "A série foi criada como uma antologia, então o próximo ano terá novo diretor, novos atores. Não tenho ciúmes, de jeito nenhum. Eu fiz o meu programa. Isso é problema deles agora", brincou ele, que trabalhou com Matthew McConaughey e Woody Harrelson.
"Matthew chegou extremamente preparado, provavelmente foi o único que leu o livro. Ele sabia exatamente o que ele queria para Rust Cohle. Woody gosta de conversar sobre a perspectiva da cena, fez muitas anotações. Ele leu os primeiros episódios e comentou: 'Isso está tão sombrio, ninguém ri aqui'. Ele foi o responsável por trazer algum humor para história", lembrou ele, que agora tem suas atenções voltadas para o cinema.
Em breve, Fukunaga lança "Beasts of No Nation", filme que já foi adquirido pela Netflix, com Idris Elba e ambientado na África. "Ele é baseado no livro de mesmo nome, e conta a história de meninos lidando com sua identidade moral depois de terem sido sequestrados por um exército rebelde. Discute o que é ser criança num guerra e como elas lidam com questões como matar pessoas e ter que viver com isso", adianta.
Será que depois do sucesso de "True Detective", suas produções cinematográficas estarão mais em evidência? O site americano do "The Guardian" já coloca Fukunaga numa lista bem prematura de apostas para o Oscar 2016. "O quê? Está muito longe ainda. Espero que não traga má sorte!", divertiu-se ele, que não acredita num público maior para seu próximo trabalho por conta da exposição. "São animais tão diferentes. Fazer uma série no canal a cabo não é a mesma coisa que fazer um filme independente. Não sei com qual frequência, hoje em dia, as pessoas vão assistir a um filme baseados no diretor", analisou.
Sim, ele reconhece que a série o tornou mais conhecido. Mas jura que o Emmy não faz diferença. "Estava bem fazendo meus filmes, não precisava da série para financiá-los, mas ter meu nome mais reconhecido sempre ajuda. Na hora de mostrar aos canais e aos estúdios o que eu fiz, todos viram 'True Detective'. Estar entre os indicados conta, mas ninguém lembra quem ganhou no ano seguinte. Mas, claro, para qualquer canal é bom ter prestígio", disse ele, que atualmente trabalha no roteiro de outro longa, uma nova versão de "It", inspirado no best-seller de Stephen King.
Como se vê, o cineasta está sempre envolvido em alguma adaptação literária - foi assim também com o filme "Jane Eyre" e a própria "True Detective". E ele diz que, ao contrário do que possa parecer, transportar a trama para outro formato, é uma tarefa complicada. "É mais fácil começar de um livro, mais difícil para terminar. Você acaba inventando muita coisa também, só que limitado pelos parâmetros da história original. Em cada adaptação que fiz, da primeira à última página, tive que escolher o que levar para a tela. Tudo é uma interpretação", declarou.
Figura mais presente no cinema, Fukunaga aponta o lado bom de trabalhar na televisão: a oportunidade de valorizar mais o personagem, mais até do que a trama em si. "Os dramas que estavam nos cinemas há dez, cinco anos estão na TV. Se você se sente atraído por essas histórias, é um lugar interessante para se estar", aponta. Por outro lado, o posto do diretor ainda é relegado a segundo plano, afirma ele. Vale lembrar que nos Estados Unidos não é comum todos os episódios de uma série serem conduzidos pelo mesmo profissional, como ele fez na série da HBO.
"A TV sempre foi considerada a área do escritor. Uma coisa que está mudando devagar é a vinda de diretores autorais. Eles estão se tornando a voz central nas histórias, que não fica mais só nas mãos do showrunner (roteirista e produtor responsável pelas decisões criativas do programa)", observa ele, que já tem planos de voltar à televisão. "Estou escrevendo três projetos agora, todos em estágios muito iniciais. Por enquanto minha cabeça está 100% nos filmes. Depois que eles saírem vou ter mais vontade de me dedicar a eles, até para variar", disse.
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