Do reality à novela, culinária ganha status e mais espaço na TV brasileira
Beatriz Amendola
Do UOL, em São Paulo
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Montagem UOL
Gordon Ramsay, Carla Pernambuco, Rafael Cardoso, Carolina Ferraz e os chefs Henrique Fogaça e Paola Carosella: culinária em diferentes versões na TV
Uma senhora paciente, com fala pausada e ensinando a melhor receita para o almoço de família. Em tempos de fotos de comida no Instagram, essa imagem não poderia estar mais distante da realidade da gastronomia na televisão brasileira. Nos canais pagos e abertos, há cerca de 20 programas do tipo no ar atualmente, entre reality shows de competição e de cotidiano da cozinha, séries que mesclam comida e curiosidades, e, é claro, os programas de receitas – mas com roupagens para todos os gostos.
A variedade não deixa de ser acompanhada pela popularidade. Só nos últimos dois meses, a TV aberta ganhou dois realities culinários: O "MasterChef", da Band, e o "Cozinha Sob Pressão", do SBT, ambos inspirados em formatos estrangeiros apresentados pelo chef-celebridade Gordon Ramsay e elogiados pela crítica. Em julho, uma passagem do chef Bud Valastro, do programa "Cake Boss", exibido pelo Discovery Home & Health, reuniu mil pessoas no átrio de um shopping em São Paulo e outras centenas do lado de fora dele, complicando o trânsito da região.
A presença da culinária na TV é tão forte que extrapolou até para a ficção. Na novela "Império", os chefs Enrico (Joaquim Lopes) e Vicente (Rafael Cardoso) se tornaram personagens centrais na trama e protagonizaram um momento dramático depois que o primeiro perdeu o restaurante após os sucessivos desaforos homofóbicos a seu pai, Cláudio (José Mayer), e o viu ser passado ao colega de profissão.
Apresentadora do programa "Brasil no Prato", do FOXLife, e chef do restaurante Carlota, em São Paulo, Carla Pernambuco vê o sucesso e a variedade dos programas culinários como o resultado da maior popularidade da própria gastronomia no Brasil, acompanhando um movimento que já acontece há mais tempo nos Estados Unidos e na Europa. "Já tem uns dez anos que a cozinha está super na moda. Há 20, a gente não tinha nenhum curso de culinária, só há 12 abriu o primeiro. Nos últimos dez anos houve um movimento e acho que a TV acaba captando tudo isso. A culinária não está mais só nos restaurantes, ela vai para o grande público, vai para a TV, sobretudo a TV aberta".
Juntam-se a isso, na opinião da chef, o hábito bem brasileiro de fazer reuniões em torno de mesa e o desejo de "brilhar" ao se aventurar na cozinha. "A mesa virou um lugar de fazer negócio, de bater papo com os filhos. A comida é um elo entre as pessoas, aproxima todo mundo, traz as pessoas em volta. E tem isso de querer brilhar na cozinha. Se a pessoa tem uma receita, esse é o ponto que vai ligar as pessoas a ela. As pessoas começaram a entender isso e a cozinha começou a ficar muito mais presente".
Formato "cansativo"
Enquanto o interesse pela gastronomia aumentava, surgiu também a necessidade de se pensar em formatos diferentes, que fugissem dos quadros culinários comandados por apresentadoras como Ana Maria Braga e Palmirinha na TV aberta. E parece ser unânime que, atualmente, até os tradicionais programas de receitas precisam se reinventar.
Carlos Bertolazzi, chef apresentador do "Cozinha Sob Pressão" e do "Homens Gourmet", do FOXLife, disse que até mudanças no segundo programa já foram discutidas para garantir que a atração, que já se diferencia por trazer um clima descontraído e brincadeiras entre seus quatro chefs, não ficasse monótona. "O programa de gastronomia do 'faça você mesmo' já cansou um pouco. Tanto que quando se discutia uma nova temporada de 'Homens Gourmet', nem se falava disso, estava se discutindo um novo formato. Esse formato do 'pega aqui, descasa o alho, põe na frigideira', eu não tenho muita paciência", disse, referindo-se aos programas mais tradicionais de culinária, que se focam apenas nas receitas e não apresentam muito dinamismo.
Investindo em novos formatos, tanto canais pagos quanto abertos também dão ao público opções mais alinhadas com o gosto individual de cada um – algo que já acontece na internet. "O mundo está querendo a individualidade", opina Paulo Tiefenthaler, apresentador do descontraído "Larica Total", atualmente em reprise no Canal Brasil. "Essa coisa de comunicação de massa acabou já há muito tempo. Vem do 'on demand', da internet, que é um meio de comunicação individual, em que você monta a sua própria programação. E a televisão agora vai atrás da internet. Um canal que tem vários tipos de programas é porque sabe que tem muitos gostos diferenciados".
Para Paulo, um dos méritos do programa, que foi lançado em 2009, foi justamente foi trazer uma cozinha mais próxima do dia a dia em uma época em que isso ainda não estava tão presente na TV.
"Os programas de antigamente, como os da Palmirinha, da Ofélia, são programas voltados ao grande público de senhoras que estão em casa. É um tipo programa muito parado, chato, sem graça, que não comunicava com os homens e com os jovens. Depois, virou moda, nos canais a cabo, convidar chefs como o Olivier Anquier e o Alex Atala. São ideias maravilhosas, mas geralmente trazem receitas com ingredientes que as pessoas não têm em casa. Aí aparece o 'Larica', que era uma obra inaugural sobre um solteirão, que mora sozinho e está a fim de cozinhar. Ele não quer ensinar, quer dividir os erros e os acertos. O 'Larica' não é profissional, a gente pode errar à vontade. Isso deixou o público mais à vontade pra assistir", analisa o ator.