Com monstros e 3D, série de diretor de "Castelo Rá-Tim-Bum" explora medos
Amanda Serra
Do UOL, em São Paulo
Após 20 anos da criação do "Castelo-Rá-Tim-Bum", o diretor e roteirista Cao Hamburger retorna ao universo infantil com a série "Que Monstro Te Mordeu?", que estreia dia 10 de novembro, na TV Cultura, e terá 50 episódios de 30 minutos.
"A linguagem é parecida com 'Castelo Rá-Tim-Bum', por conta da diversidade de detalhes e dos conflitos reais apresentados", afirmou o diretor e criador em entrevista ao UOL. Com dois atores adultos – Daphne Bozaski, que vive a Lali, uma menina que é metade humana, metade monstra e, Caio Horowicz, que interpreta o Super Tom –, a atração irá misturar bonecos manuais e animação 3D.
Destinada ao público de 4 a 10 anos, "Que Monstro Te Mordeu?" tem como objetivo dialogar sobre os sentimentos e medos humanos – ciúme, intolerância, convivência em grupo. Na série, os temas nascerão pelas mãos de uma criança e os personagens terão de aprender a lidar com o bicho reproduzido no "monstruoso mundo dos monstros", quando se iniciará uma confusão para ser solucionada.
"A série é bem-humorada e divertida. Em todas as culturas, o monstro é sempre uma representação de algo que sentimos e representam os medos humanos, os mistérios e os sentimentos que não compreendemos", explicou Cao. Além da exibição na TV, as pessoas poderão acompanhar outros 50 episódios inéditos, com menor duração, em um canal na internet.
Após ganhar um Emmy pelo seriado infantojuvenil "Pedro e Bianca", exibido em 2012 na TV Cultura, Cao sentiu necessidade de retornar e produzir temas mais "selvagens" e menos "fofos" para crianças, conforme explica.
"É possível conversar com o público infantil sem ser fofinho. O 'Castelo' não era fofo, os personagens apresentavam conflitos e isso fez com que os telespectadores criassem empatia. Gosto muito de dramaturgia e fazer isso com o universo 'fofo' é difícil. Para fazer dramaturgia de verdade é necessário ter ambiguidade, assim como é a vida real".
Com uma produção independente, criada pelas produtoras Primo Filmes e Caos Produções, o projeto de Cao e Teodoro Poppovic é financiado pelo Sesi, como aconteceu com Castelo, e a TV Cultura e a TV Rá Tim Bum são parceiras na divulgação. O diretor e roteirista vê seu retorno à emissora como um caminho natural de sua trajetória.
"A televisão aberta [Brasil] tem uma dívida com a programação infantil. Poucas TVs apostam nesse universo e quando fazem, os formatos já estão prontos, são estrangeiros. Já estava querendo trabalhar com algo que focasse nos sentimentos dos indivíduos que estão crescendo, nas relações concebidas com as pessoas", contou ele, que teve como inspiração o desenho "Teletubbies" há 13 anos, quando morava em Londres e visitou a produtora Regodoll, criadora do desenho. "Quando vi aquilo, veio a ideia de fazer algo oposto, mais engraçado e oposto ao fofinho", contou.
Desafios do século 21
Com o olhar de uma pessoa que vive e sente a fantasia na pele, Cao encarou o desafio de falar para uma geração concebida e criada na era tecnológica, como uma própria evolução sua e de sua equipe – alguns dos criadores foram seus estagiários durante o "Castelo-Rá-Tim-Bum".
"A gente mudou junto com as crianças. Vendo a exposição do 'Castelo' [exposta no Museu da Imagem e do Som], refletindo sobre o programa, vejo o quão ele faz parte dos anos 90, do início da revolução digital. O personagem Telekid (interpretado por Marcelo Tas), nada mais era do que o Google, ao responder o 'porque sim não é resposta'. O cenário retratava as angústias sobre o mistério do que seria a era tecnológica", opinou.
"'Que Monstro Te Mordeu?' é uma série contemporânea. Dialoga sobre sentimentos, o que no mundo atual, tecnológico, acaba sendo deixado de lado. Fala também sobre a importância da vida em grupo, algo que estamos perdendo. O programa trabalha com a ideia da interatividade", explicou o diretor, que também assina a parte de criação do programa.
Sobre sua motivação para continuar escrevendo para crianças, mesmo em um mercado cada vez menor para este público, Cao evidencia sua paixão. "Não conseguiria viver sem criar, não importa se é para televisão, para o cinema ou até mesmo para uma exposição. O que me move é criar novos universos".