"Televisão é só audiência, não importa o que você faça", diz Emílio Surita
Amanda Serra
Do UOL, em São Paulo
São 21 anos à frente do "Pânico", entre piadas, polêmicas e brigas judiciais. No retrospecto do programa produzido para diversas mídias, os líderes Emílio Surita e Bola (Marcos Chiesa) não têm medo de declarar seu amor ao rádio e assumir que a TV está em segundo plano. "O 'Pânico' do rádio é paixão, e o 'Pânico' da TV é pressão", resume Surita. Para eles, as principais diferenças entre rádio e televisão é a cobrança, a liberdade e o dinheiro.
"O público do rádio é fiel. Tem gente que acompanha desde quando o programa começou. Na televisão você não tem um relacionamento legal com o telespectador. Televisão é só audiência. Você sobrevive na TV com números, não importa o que você faça. No rádio, você não tem obrigação de dar um número momento a momento. E, por isso, o programa acaba sendo mais verdadeiro e autêntico do que qualquer produto de televisão", disse Surita em entrevista exclusiva ao UOL.
Bola compartilha da mesma opinião. "A principal diferença entre o rádio e a TV é o dinheiro. Ganho mais na TV do que no rádio [risos]", brinca o humorista. "Na televisão, você tem muita cobrança e muita responsabilidade, você não pode fazer qualquer coisa. A gente até brinca, mas no rádio a liberdade é maior. Sou muito mais o rádio do que a TV".
A migração não planejada para TV, que já dura 11 anos --o programa já fez parte da grade de programação da RedeTV! e está na Band desde 2012--, ampliou o público do programa, tornando-o popular em todo o país. "O 'Pânico na TV' se popularizou, a gente ganhou um público maior. Migramos para TV sem querer. Foi uma ideia do Tuta [Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, atual presidente do Grupo Jovem Pan] por conta da audiência que tínhamos com a transmissão do programa de rádio na internet. Nosso desafio foi ter que aprender uma nova linguagem, apesar de o 'Pânico' sempre ter mantido o politicamente incorreto nos dois veículos", destacou Surita.
O humorista tem que ser louco, não pode ser um babaca. Humorista não pode ter limite, isso aí que inventaram
Na última quinta-feira (5), quando a reportagem acompanhou os bastidores da atração, na rádio Jovem Pan em São Paulo, o elenco formado por Surita, Bola, Gui Santana, Christian Pior, Marina Mantega, Amanda Ramalho e Davis Reimberg não sabia quem era o convidado do dia (o coreógrafo Carlinhos de Jesus) e entrou no estúdio cerca de dez minutos antes do meio-dia. A pauta é concebida na hora e o nome do entrevistado passado pela produção cinco minutos de entrar no ar. Com algumas perguntas preestabelecidas pela produtora Paulinha, os locutores desenvolvem os debates ao longo do programa.
"Hoje não tenho a menor ideia do que será a entrevista, e isso é gostoso. A gente vai caminhando não sei para qual lado. O 'Pânico' tem várias opiniões diferentes, tem a filha do ministro [Marina Mantega], tem o Bola, tem um viado [Davis], tem o Carioca (que não participou no dia), a Amandinha, o Christian, tem várias pessoas com personalidades diferentes. Não depende do entrevistador ser bom, ou do entrevistado, temos várias fugas", justificou Surita, em tom de brincadeira.
O desprendimento talvez seja o responsável pela linguagem diferenciada do rádio em relação à TV. A exploração de corpos nus, as piadas que agridam o caráter de alguma personalidade da mídia e a ausência de um personagem propriamente preestabelecido ficam de lado --nota-se o contraste do "Pânico" no rádio e na televisão.
De acordo com uma pesquisa de mercado realizada pela empresa Ipsos Marplan, o programa "Pânico" tem alcance de cobertura mensal de 722 mil ouvintes na Grande São Paulo. É a maior cobertura das rádios no horário do meio-dia às 14h, além de ser o programa de maior audiência da Jovem Pan. A atração vai ao ar de segunda a sexta-feira, do meio-dia às 14 horas, com transmissão pela internet.
Família Pânico
Apesar das polêmicas e das brigas judiciais por conta das brincadeiras --Carolina Dieckmann, Preta Gil, Aguinaldo Silva são alguns dos nomes que já moveram processos contra o programa--, a ideia de união é perceptível entre a equipe (que se difere em relação à da TV, por uma questão de gosto e agenda). Isso talvez justifique a mágoa com a saída de Sabrina Sato dessa "família".
"O 'Pânico' não foi um programa criado, ele se formou naturalmente. Temos muita cumplicidade e nos tornamos amigos. Eu, o Bola e o Carioca estamos juntos há muito tempo, são 18 anos. As reuniões dos programas acontecem em casa, a gente faz churrasco, temos uma relação muito próxima", contou Emílio. "O segredo é trabalhar com gente legal, bacana. É um programa natural, não é forçado. Nossa pauta é básica, não elaboramos muito sobre o entrevistado", afirmou Bola.
"Eu nunca vou deixar de fazer rádio. Largo a TV, mas não o rádio. Aqui a gente se diverte, se xinga, é muito gostoso", completou. "Eu sou um operário, venho trabalhar todo dia, entro ao meio-dia no ar e sei que tenho que fazer um bom programa", finalizou Surita.
Humor constrangedor
Sobre o futuro do humor constrangedor e o fato de colecionarem inimigos, os líderes minimizam e demonstram não se importar com o "politicamente correto". "A maior bobagem é as pessoas se levarem a sério. Você não pode chamar ninguém de gordinho, por exemplo. Claro que com algumas coisas você tem que ter limite. A gente nunca foi ao extremo, nem no início. Mas hoje é complicado, você não pode falar mal da árvore, porque tem ONG da árvore", reclamou Bola, que já recebeu três processos, todos resolvidos com acordo.
"É muito difícil trabalhar com humor atualmente. Hoje, o humorista fica preso com rede social, com babaquice de Facebook, com o feedback que ele recebe lá. O humorista tem que ser louco, não pode ser um babaca. Humorista não pode ter limite, isso aí que inventaram. Os melhores humoristas serão aqueles que conseguirem quebrar esses paradigmas, os caras que conseguirem quebrar acabar com o 'politicamente correto'", opinou Surita, declaradamente fã do trabalho de Marcelo Adnet, Tatá Werneck e Fábio Rabin.
A postura dos apresentadores, no entanto, sofre algumas consequências no dia a dia do programa na rádio. Nem sempre um convidado aceita participar da atração. "Tem gente que não vem aqui por nada, nem amarrado. Você pode dar dinheiro, carro, o que você quiser, mas a pessoa não vem. A dupla Zezé Di Camargo & Luciano, se eu não me engano, já negou convite. O 'Pânico' não é agressivo com ninguém. Não sei por que os caras têm esse medo todo do 'Pânico'. A gente jamais estragou a vida de alguém. A gente brinca, cita notícias que saíram na imprensa", justifica Bola. "Mas não me incomoda, se não quiser vir que não venha. Estamos há 21 anos fazendo o programa, não preciso de ninguém", respondeu direto o humorista.
Emílio prefere acreditar que o público compreendeu a essência da atração, mas reconhece que jamais terão no estúdio alguns famosos. "As pessoas já entenderam a brincadeira do 'Pânico', as pessoas já sabem como o programa funciona. Tem gente que não gosta da gente e não vem mesmo, por exemplo, a Preta Gil, a Luana Piovani, só gente fina." Surita completa: "Não sei, é difícil dizer se tem futuro [humor do 'Pânico]. Mas acredito que tenha gente que ainda goste do espírito da diversão. É muito chato se levar a sério, virá um mundo Facebook. A gente já fez muita merda e continua fazendo".