"Me sentia uma aberração", diz a 1ª Pituca de "Meu Pedacinho" sobre a fama
Felipe Pinheiro
Do UOL, em São Paulo
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Arquivo Pessoal
Patrícia Ayres, de "A Pequena Orfã" e "Meu Pedacinho de Chão", não se arrepende por ter abandonado a carreira de atriz. Hoje ela tem o seu próprio negócio na área da alimentação funcional
Patrícia Ayres, a Pituquinha da primeira versão de "Meu Pedacinho de Chão" (1971), experimentou o status de uma estrela global na maior parte de sua infância. Aos nove anos, sem querer ser capa de revista, ela deu um basta à vida de gente grande que levava e trocou a fama pela liberdade de brincar no recreio da escola e nas ruas com pedra e cimento.
"Não nasci pra isso de ser atriz. Foi mais uma coisa do meu pai, que era ator. Ele gostava e acabou me colocando nisso. Naquele tempo as crianças eram diferentes, não sabiam separar ficção da realidade. Eu era muito paparicada, mas me sentia como se fosse uma aberração", afirmou.
As memórias de Paty, como ela gosta de ser chamada, vieram à tona ao assistir a um trecho do remake de "Meu Pedacinho de Chão" (2014), exibida diariamente na faixa das seis na Globo. Na cena, o pai de Pituca grita com ela e a manda ficar de castigo. "Lembrei exatamente de quando fiz essa cena. Chorei muito na época porque o ator (Castro Gonzaga) que fazia o Epaminondas tinha a voz muito grossa, diferente do Osmar Prado. As mãos dele eram muito grandes e ele ameaçava me bater. Morria de medo do Epaminondas e chorava de verdade, mesmo depois que a cena acabava. Todos me agradavam demais, mas eu ficava muito assustada", falou.
Quando soube que o Ayres Pinto, o Serelepe da primeira versão, nutria uma paixão de infância por ela na época, Patrícia disse que se divertiu com a revelação. "Morri de rir. Ele era o meu amigão. Não tinha essa paixão. Isso era só na novela." Em entrevista ao "Vídeo Show", Pinto contou que tentou se declarar para a colega de elenco: "Relembro uma vez que tentei declarar meus sentimentos e disse à Patrícia que seus cabelos eram como fios de ouro ao vento. Ela me olhou, quase ofendida, e respondeu ironicamente que os meus cabelos pareciam um ninho de rato."
O sucesso precoce começou aos 3 anos de idade, quando ela foi escalada por intervenção do pai, o ator Perci Ayres (morto em 1992), para fazer uma ponta na novela "A Vingança do Judeu", na TV Excelsior, em 1968. O que nem mesmo seu pai poderia prever era que a participação da menina no folhetim seria o primeiro trabalho de uma carreira aspirada por muitos artistas que ambicionam por "um lugar ao sol" na televisão.
"O meu pai era alemão e como eu era a única filha loira, branquela, ele quis me colocar na novela. O meu pai achava aquilo o máximo. Eu deveria morrer afogada no colo do Sérgio Cardoso, mas como muita gente torcia para eu não morrer por seu ser muito bonitinha me ressuscitaram na piscina", contou ela, que disse ter causado comoção ao conseguir responder o nome de sua personagem na novela, a princesinha Violeta, sem nem saber falar direito.
A partir de então a loirinha de "A Pequena Órfã" engatou um trabalho atrás do outro, completando um total de oito novelas e um filme em seis anos de atuação. Porém, o currículo consistente, mesmo sendo tão novinha, não é sinônimo de boas recordações – ainda que elas existam. Formada em Pedagogia, Patrícia é categórica ao afirmar que perdeu a infância nos set de filmagens.
"'A Pequena Órfã' (1968) foi a que mais me traumatizou. A minha personagem apanhava, era criada pela madrasta e ela me colocava na rua para pedir esmola. Fiz uma amizade muito grande com a Leila Diniz porque ela me protegia. Fizemos um buraco entre um estúdio e outro e quando acabava a cena, e eu continuava chorando naquele buraco, a Leila vinha e me ajudava, me dava brinquedos", falou, ao compartilhar a sua melhor e uma das únicas lembranças agradáveis desse período.
"A Leila Diniz foi a parte mais bonita e maravilhosa da minha vida de atriz. Me divertia, quando ficava doente ela dormia comigo e falava que iria ficar doente também se eu não melhorasse. Ela entrava no estúdio e dizia: 'ela não vai mais filmar', e me arrancava de lá, me salvava para comer pão com manteiga, que era o que eu gostava", declarou. A relação com Leila, uma espécie de fada-madrinha, foi tão marcante que até hoje ela tem os bilhetes escritos pela atriz. "Quando ela morreu [em 1972] tiveram o maior jeito para falar comigo. Guardo até hoje o bilhetinhos e presentes que ele me deu", afirmou.
Mesmo com tantas aflições e apuros vividos nas gravações, Patrícia descreve o trabalho em "Meu Pedacinho de Chão" como um dos mais divertidos, pois como a novela era gravada em uma fazenda em Itu (São Paulo) ela podia extravasar o seu jeito moleca.
Ameaça de sequestro e a decisão pelo fim da carreira artística
Em sua trajetória como atriz-mirim, Patrícia tinha pavor da repercussão de seu sucesso na televisão. A sensação de medo nas gravações também era sentida nas ruas.
"Tem uma parte de 'Meu Pedacinho', que não sei se será exibida nesta nova versão, que a Pituca começa a fazer milagres. Na vida real as pessoas vinham passar a mão no meu cabelo porque achavam que eu era milagrosa. Morria de medo", contou.
Se ela não podia brincar quando estava gravando, na escola acabava não sendo muito diferente. "Ligavam na escola com ameaças de sequestro, e por isso a diretora me deixava na sala dela na hora do recreio. Eu não gostava desse tratamento especial ", relatou ela, que estudou no tradicional colégio Rio Branco, no bairro de Higienópolis, em São Paulo.
Paty se lembra com detalhes do assédio da imprensa. "Tive que ir para o Guarujá porque tinham repórteres na porta de casa. Me cobriram com um cobertor para me colocar no carro. Tudo isso me deixou muito assustada", disse. A carreira artística terminou por decisão da própria garota, que cansada do universo de celebridade rejeitou um convite do ator e cineasta Amácio Mazzaropi.
"Quando eu tinha 9 anos me chamaram para fazer o filme da Pequena Orfã. O meu pai me perguntou se eu queria, e eu disse: 'Quero, mas só se eu ganhar um mini-bug'. Aí me deram esse mini-bug, que inclusive eu dirijo em uma cena de sonho no filme. Depois o Mazzaropi me convidou para fazer um filme com ele e eu falei disse 'não'."
Reviravolta aos 50 anos de idade
Paulistana, Patrícia Ayres gerenciou por 20 anos uma escola com seus irmãos em Perdizes, onde viveu com seus pais na infância. Depois, dividiu casa com um namorado na zona norte de São Paulo por 11 anos, mas o relacionamento terminou e ela voltou a morar em seu bairro de origem. A pedagoga não teve filhos por escolha própria, pois julgou como "absurdo" situações que testemunhou na escola entre as crianças e os pais.
"Eu optei em ter bichos. Tenho cachorro, papagaio... Tive tantos alunos e vi tantos absurdos de mães que acho que isso me traumatizou", contou ela, que resgata animais abandonados nas ruas.
Insatisfeita profissionalmente, resolveu largar o emprego que tinha em um banco e se dedicar àquilo que realmente lhe dava prazer: a gastronomia funcional. Hoje, ela é dona da Patysserie Alimentos Funcionais e atende clientes por encomenda.
"Com 50 anos resolvi falar chega e fazer o que eu gosto de verdade. Engordei demais no banco, e como desde pequena gostava de comida natural resolvi trabalhar com alimentação funcional. Perdi quase 20 quilos em seis meses e foi por isso que me encantei por essa gastronomia. Pensei: 'Não quero mais ser executiva, que se dane não ganhar bem'", disse.
Ela assegura que não se arrepende em nenhum momento por ter desistido da carreira de atriz e afirma que já superou há muito tempo os dissabores que teve na infância. Ela sintetiza a sua experiência meteórica sob os holofotes como o seu "momento de fama": "Sou uma pessoa super resolvida e dou risada de tudo isso".
Hoje, Patrícia pondera com bom-humor que só volta à TV se for para apresentar um programa de culinária: "Eu seria uma Ana Maria Braga, Braga e não brega, funcional e com um louro verdadeiro (risos)".