"Aprendemos o que distribuidores de música não aprenderam", diz Kevin Spacey sobre sucesso no Netflix

James Cimino

Do UOL, em São Paulo

  • Divulgação/Netflix

    11.jul.2013 - Os atores Kevin Spacey e Robin Wright em cena da série "House of Cards", do Netflix

    11.jul.2013 - Os atores Kevin Spacey e Robin Wright em cena da série "House of Cards", do Netflix

Morando em Londres há uma década, onde é diretor artístico do teatro Old Vic, o ator Kevin Spacey, vencedor de dois Oscar por "Beleza Americana" e "Os Suspeitos", parece não dar mais muita atenção à indústria do cinema. Atualmente ele produz e atua em "House of Cards", uma série feita com exclusividade para o Netflix, um serviço acessível de distribuição de filmes e séries em aparelhos que tenham conexão com a internet, como smartphones, tablets, smart TVs, videogames e computadores.

Durante uma entrevista para jornalistas de várias partes do mundo na última quarta-feira (10), ele falou sobre a satisfação de produzir conteúdo para um público que pode escolher quanto e quando assistir e deu dois recados. O primeiro, à indústria da música: "Nós aprendemos a lição que os distribuidores de música não aprenderam: que se as pessoas encontrarem o que querem, quando querem, na forma que quiserem e por um preço razoável [no Brasil, a assinatura mensal do serviço sai por R$ 16,90], elas irão comprar em vez de roubar."

O segundo recado foi para Hollywood: "Os melhores diretores, atores e roteiristas foram para a TV. E agora eles estão indo para a internet. Isso é fruto da política dos estúdios em produzir cada vez mais histórias de ação baseadas em histórias em quadrinhos. E eu estou muito feliz em saber que existe um público que ainda quer ver histórias longas que você não conseguiria contar em um filme de duas horas."

Divulgação/Netflix
O que eu ouço, algumas vezes publicamente outras em particular, é que o papel acerta em cheio. Então há uma repercussão muito boa sobre o quão preciso é o retrato que a série faz sobre como funcionam os políticos e a máquina política, embora seja uma ideia deprimente

Kevin Spacey, sobre a repercussão do personagem Francis Underwwod

"House of Cards" é uma série baseada no livro homônimo do escritor Michael Dobbs em que Spacey interpreta o deputado Francis Underwood, um político carreirista que tem um casamento de conveniência e que faz de tudo para alcançar seus objetivos.

O programa já teve uma versão inglesa e foi adaptado para a plateia americana pelo roteirista Beau Willimon. A direção é assinada por outro vencedor do Oscar, o cineasta David Fincher, com quem Spacey já trabalhara em "Seven – Os Sete Crimes Capitais". A primeira temporada tem 13 episódios e a segunda já está em produção.

Durante 45 minutos, o ator conversou sobre o papel, o novo modelo de negócio e foi categórico ao ser questionado por uma jornalista finlandesa sobre sua vida particular: "Tudo que eu tinha a dizer sobre esse assunto eu já falei." Leia a entrevista:

Por que você achou uma boa investir em uma plataforma nova como o Netflix?

Kevin Spacey – Parece-me que um dos benefícios em ter essa parceira com Netflix é que, em relação ao processo criativo, não precisamos apresentar um piloto. E você sabe que o piloto é um tipo de teste. Então não temos que criar um episódio de uma hora com o objetivo de apresentar todos os personagens de forma um tanto arbitrária e artificial. Também pudemos contar a história já com a ideia de que teriam 26 episódios. Outro atrativo tem a ver com a distribuição, em que o espectador é capaz de encontrar o conteúdo que quer ver.  É uma ideia da qual tenho falado por cerca de oito anos. Então não me surpreende que a série faça sucesso. Nós aprendemos a lição que os distribuidores de música não aprenderam: que se as pessoas encontrarem o que querem, quando querem, na forma que quiserem e por um preço razoável, elas irão comprar em vez de roubar.

Você se inspirou em algum político para esse papel?

Eu andei ao redor de políticos durante algum tempo. Trabalhei aos 18 anos na campanha de Jimmy Carter, em 1976, quando eu estava no ensino médio. Durante minha vida eu trabalhei com outros candidatos, mas as características específicas do Francis Underwood são ficcionais e são fruto do excelente roteiro. Claro que não há como não sugar algumas características, especialmente físicas, de figuras brilhantes da política, como sua capacidade de se expressar e de discursar perante ao público, quase uma habilidade que os atores têm. Então tentei tirar as melhores qualidades de cada uma dessas pessoas para criar um personagem que obviamente tem uma missão. Mas eu também tirei algumas experiências de figuras políticas que interpretei no teatro, especialmente porque o Francis original foi baseado em Ricardo 3º [personagem de William Shakespeare].

Francis conversa diretamente com o público. Por que ele faz isso e qual o efeito dessa narrativa?

O efeito disso é que muita gente pode considerá-lo um personagem diabólico, outras o consideram um político muito eficiente. Então o público geralmente cria esse tipo de discussão, que é mais ou menos o que aconteceu quando interpretei Ricardo 3º. E isso tem muito a ver com o esse discurso direto que ele tem com a plateia, e que o Francis também tem com público, que é com quem ele divide aqueles pensamentos mais íntimos, que por sinal ele não divide com nenhum outro personagem.

Qual a repercussão que os políticos têm feito acerca do seu personagem?

O que eu ouço, algumas vezes publicamente outras em particular, é que o papel acerta em cheio. Então há uma repercussão muito boa sobre o quão preciso é o retrato que a série faz sobre como funcionam os políticos e a máquina política, embora seja uma ideia deprimente. Quer dizer, pode ser uma ideia interessante para os telespectadores (risos). Mas na verdade, ano passado quando estávamos gravando a série, os Estados Unidos estavam em campanha eleitoral e eu de vez em quando ligava a TV para ver o noticiário político e pensava: "até que nossa história não é tão maluca" (risos)...

Você acha que a série faz uma crítica sobre o idealismo acerca da administração Obama, uma vez que eles não fizeram o que prometiam?

Deixe-me interromper seu raciocínio... Você está dizendo que a administração Obama não fez nada?

Na verdade estou me referindo a uma declaração sua durante o lançamento da série em Londres, de que você estava decepcionado porque o governo Obama não entregou tudo o que prometeu...

Em primeiro lugar: nenhum governo entrega o que promete. Eu na verdade acredito que o governo Obama aprovou leis históricas nos Estados Unidos. E eu obviamente não aproveitaria essa oportunidade para bater no Obama. O que eu devia estar falando naquele momento foi "em geral" e em se tratando da Câmara, que se tornou um órgão ineficiente. Talvez o que seja interessante para o público seja ver que um congressista também faz coisas. No mais, é só uma história de ficção (risos).

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Hoje em dia a gente percebe que a maneira tradicional de se medir a audiência, que basicamente significa medi-la em meia dúzia de emissoras ou então verificar os índices da Nielsen, está totalmente defasada. Netflix existe em 40 países do mundo e já ultrapassou a HBO em assinaturas por causa de "House of Cards" nos Estados Unidos. O que eu mais gosto dessa experiência é que eu sou parado nas ruas e respondo a perguntas de pessoas de todas as idades. Isso para mim é um grande medidor de sucesso.

Idem, sobre a audiência da série

A internet te deu a mesma exposição que a TV e o cinema? Como medir isso?

Acho que uma boa maneira que o Netflix tem de medir o sucesso de "House of Cards" é comparar com o quanto outras séries que eles disponibilizam em temporadas inteiras têm sido acessadas. Por exemplo, a primeira temporada de "Mad Men". Mas hoje em dia a gente percebe que a maneira tradicional de se medir a audiência, que basicamente significa medi-la em meia dúzia de emissoras ou então verificar os índices da Nielsen, está totalmente defasada. Netflix existe em 40 países do mundo e já ultrapassou a HBO em assinaturas por causa de "House of Cards" nos Estados Unidos. Então, não importa qual seja a medição, o programa é um grande sucesso e já é o programa mais assistido da história do Netflix. O que eu mais gosto dessa experiência é que eu sou parado nas ruas e respondo a perguntas de pessoas de todas as idades. Não parece ter um recorte demográfico e etário específico. Isso para mim é um grande medidor de sucesso.

Aqui no Brasil o público em geral acha que é impossível se tornar um político sem se tornar corrupto, o que você acha dessa afirmação?

Eu acho que temos muitos exemplos de como o poder corrompe nos Estados Unidos e ao redor do mundo. Essa é uma pergunta moral sobre um personagem e uma série fictícios. Eu não me ponho nessa posição. Eu interpreto esse papel com o maior compromisso e acho muito interessante que o público tenha esse dilema moral. Francis faz coisas que as pessoas consideram terríveis e compará-lo a políticos da vida real é o mesmo que compará-lo a Ricardo 3º. Mas eu entendo e acho bom que as pessoas fiquem se perguntando em que medida ele reflete a vida real.

Você acha que as histórias mais interessantes hoje estão na TV e não no cinema?

Eu acho que faz total sentido pra mim que o terreno não é mais tão fértil para se contar histórias dramáticas em filmes como costumava ser. Os melhores diretores, atores e roteiristas foram para a TV. E agora eles estão indo para a internet. Isso é fruto da política dos estúdios em produzir cada vez mais histórias de ação baseadas em histórias em quadrinhos. Nada contra, mas eu estou muito feliz em saber que existe um público que ainda quer ver histórias longas que você não conseguiria contar em um filme de duas horas. Todas essas histórias intricadas e cheias de reviravoltas são muito bem aceitas pelo público e fico especialmente feliz de saber que as pessoas as assistem quando querem.

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