"Ainda estamos com tacape na mão", diz Falabella sobre ausência de beijo gay

Renato Damião

Do UOL, no Rio de Janeiro

  • AgNews

    7.jan.2013 - Miguel Falabella apresenta a nova série da Globo "Pé na Cova"

    7.jan.2013 - Miguel Falabella apresenta a nova série da Globo "Pé na Cova"

Na apresentação de "Pé na Cova", o autor Miguel Falabella explicou por que escreveu o seriado de humor com um casal lésbico, interpretado pela atriz Luma Costa e a cantora Martn'ália, que não terá uma cena de beijo gay. "A relação delas é muito light. Ainda estamos com uma pena na cabeça e um tacape na mão... Então você acha que vai ter beijo em um país onde as pessoas não sabem ler?", ponderou o escritor durante a coletiva realizada no Projac nesta segunda-feira (7) para apresentar o novo projeto, que deve estrear no dia 24 de janeiro na Globo.

Para criar o humorístico, o autor percorreu as memórias de sua infância na Ilha do Governador, bairro da zona norte do Rio. "Voltei às minhas raízes, mas em um universo bizarro. Acho que talvez esse trabalho seja o mais autoral".

Falabella também atuará na trama, como Ruço, um homem de meia idade que cuida de uma funerária que carece de sua matéria-prima: os mortos. A família "desajustada" é composta ainda por Darlene (Marília Pêra), uma maquiadora alcoólatra, Odete Roitman (Luma Costa), uma jovem stripper que vive de fazer shows pela webcam, Alessanderson (Daniel Torres), um aprendiz de político, e Abigail (Lorena Comparato).

"Eles são os desvalidos vistos com humor. Eles não têm educação, saúde, dinheiro e nem futuro, mas continuam a lutar pela sobrevivência", opinou Falabella que aos 56 anos pretende "tirar seu time de campo da televisão".

"Agora talvez seja meu último trabalho [como ator] na televisão. Cada vez mais quero só escrever", ressaltou ele que dentre outros projetos não descarta uma novela para o horário das 23h e prepara seu primeiro romance sobre a história de sua família. Leia a entrevista completa.

UOL - Desde "Toma Lá, Dá Cá" você está longe da televisão como ator. Agora você volta como o Ruço, como é o seu personagem?

O homem depois que faz 50 anos forçosamente começa a ver a finitude dos seus dias. O Ruço é um homem que está com mais de 50 anos e está fazendo um saldo da vida dele. É um homem que precisa lidar com a família que ele tem; uma filha de faz strip, uma ex-mulher alcoólatra, um filho aprendiz de corrupto e uma nora sapatão, a Tamanco, que é interpretada pela Mart’nália.

O Ruço vai ter preconceito contra a Tamanco?

Ele vai aceitando a Tamanco aos poucos.  O preconceito dele é uma coisa que ele repete sem saber o motivo.

Como surgiu a ideia de chamar a Mart´nália?

Trabalhei com a Mart’nália em uma espetáculo de teatro e foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Ela é uma grande amiga e aceitou fazer. A Mart´nália é uma personalidade, não é uma atriz. Eu escrevo pouco para ela, ela não consegue decorar, mas não estão nem aí para isso [risos].

Há chances de ter um beijo lésbico no seriado?

Não vai ter beijo, a relação delas é muito light. A gente [os brasileiros] ainda está com uma pena na cabeça e um tacape na mão. É um milagre que a gente tenha computador nesse país. Aeroporto nós não temos, o Galeão [no Rio] é uma favela, uma vergonha. Então você acha que vai ter beijo em um país onde as pessoas não sabem ler? Ninguém lê nada, ninguém sabe de nada.

Ao apresentar o seriado você disse que esse é o seu trabalho mais autoral. Por quê?

Miguel Falabella – Porque eu voltei às minhas raízes. Voltei para as mulheres que via na minha infância e para o falar que ouvia no subúrbio, mas claro que tudo isso está dentro de um universo bizarro. Criei uma família disfuncional, fora dos padrões, a começar pelo meio de vida deles que é morte.

Dentro dessas suas lembranças da infância algumas delas têm a ver com cemitério, funerárias...

Quando eu era criança costumava brincar perto de um cemitério na Cacuia [bairro do subúrbio carioca]. O pai de um amigo meu tinha uma funerária perto. Íamos buscar frutas no cemitério. Acho o cemitério um local interessante, bonito.

Você chegou a comparar os personagens de "Pé na Cova" com os da "A Família Addams". Qual a proximidade entre eles?

Na verdade eu estava em Nova York e assisti ao musical "A Família Addams" e pensei sobre esse meu gosto pela exceção, pelo o que não faz parte do mainstream. Eu gosto não só dos atores que não estão na televisão, como do universo que a televisão não fala. Os personagens de "Pé na Cova" não têm educação, saúde, dinheiro. Nem futuro eles têm, mas eles não sabem disso e continuam a lutar pela sobrevivência. Eles são os desvalidos, mas com humor.

Você escolheu o subúrbio para ser pano de fundo do seriado. Acha que uma família como a da trama poderia também fazer parte da classe média?

Todos eles poderiam certamente fazer parte da classe média. A grande parte dos seres humanos é bizarra. Nelson Rodrigues dizia que deveríamos andar nus com a cara tapada. Fiz a opção pelo subúrbio porque como disse fui atrás das minhas raízes e o Falabella suburbano foi o Falabella que sempre deu certo.

Após "Pé na Cova" você pensa em voltar a escrever novelas?

Escrever novela é muito massacrante. Você tem que agradar e as pessoas que assistem às novelas querem ver as mesmas coisas o tempo inteiro. Quando é diferente eles não aceitam, é massacrante e é triste quando não dá certo. É um trabalho brutal, é o alicerce da emissora e eu sou uma pessoa transgressora. Não quero fazer a mesma coisa sempre.

Você sempre trabalhou nos horários das 18h e 19h. Não teria vontade de fazer algo no horário das 23h? Talvez um remake ou um drama?

Tenho horror de remake. Não gosto de coisa repetida. Vou para frente, não quero voltar para trás. Já não tenho tanto tempo para fazer as coisas que eu quero. Quero fazer teatro, teatro é o que vai ficar, todo o resto será apagado e copiado alguma coisa por cima.

Você está sempre envolvido em muitos projetos. Já pensou em dar uma parada?

Agora talvez seja meu último trabalho como ator na televisão. Cada vez mais quero escrever e aos poucos vou tirando o meu time de campo da televisão. Eu vejo a finitude dos meus dias e preciso priorizar o que quero fazer. Um dia de gravação no Projac é um dia perdido da minha vida e tenho muitas coisas ainda a fazer. Tenho muito projetos para teatro. Sempre digo que vou morrer no palco. Também quero escrever o romance sobre a história da minha família. Mas não tenho medo da morte, é igual a andar de tobogã. 

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