"Cidade dos Homens" mostra otimismo sem fantasia A informação de que a série "Cidade dos Homens" aborda a vida de dois adolescentes que vivem em um morro do Rio de Janeiro é tão correta quanto traiçoeira, pois direciona a imaginação, de forma automática, para territórios sombrios como o tráfico de drogas e a violência. Afinal, são essas as pautas que a mídia extrai com mais freqüência desse peculiar universo social e topográfico.
Sem nunca ter visto a série, foi com essa expectativa que me pus diante da TV na última sexta-feira (25), para ver "Tá Sobrando Mês", segundo episódio da quarta e última temporada. Porém, o que vi esteve longe de ser a esperada luta entre mocinhos e bandidos de sotaque "arrashtado", diante de moradores apavorados e ao som de tiros: foi sobretudo uma história de relações humanas, com um tanto de drama e outro tanto de legítima e boa "sitcom".
Como sugerido pelo título, o episódio tratou da dificuldade de fechar o orçamento, mostrando cada protagonista com seus problemas típicos, e lidando com eles conforme sua personalidade. Laranjinha (Darlan Cunha), focado em conquistar uma curvilínea "material girl" de nome Sirley, é camelô de óculos e pulseiras falsificados, enquanto seu amigo Acerola (Douglas Silva), com deveres de precoce pai de família, está começando no primeiro emprego de carteira assinada, como faxineiro de um escritório.
No início, Laranjinha se gaba de possuir negócio próprio e ridiculariza Acerola pelo trabalho "de otário" com patrão e horário fixo. Mas o amigo retruca com a segurança e estabilidade do vínculo formal. Em seguida Laranjinha tem toda a mercadoria roubada, mas não se abala: direciona o espírito empreendedor para a indústria alimentícia, e convence Acerola a investir parte do suado dinheiro do trabalho na produção de sacolés (picolés de suco congelado, embalados em saquinhos plásticos).
Como não se trata de novela, em que todo pobre esforçado acha um padrinho rico e se consagra na profissão, os amigos se dão muito mal: Acerola é demitido, injustamente acusado de furto, e Laranjinha, descuidado na conservação dos sacolés, deixa-os derreter e tem toda a produção encalhada.
Se a história carece do típico final feliz, com punição dos maus e glória aos bons, o realismo exige que se ofereça ao menos o verossímil e, por mais dura que esteja a vida, existe a certeza estatística de que acontecerá algo de bom. É um otimismo sem fantasia, filho da simples convicção de que haverá um dia depois do outro. Assim, a velha amizade resiste às besteiras de Laranjinha, e a mulher de Acerola se reaproxima do pai turrão, que se derrete pelo neto e chama ela, o filho e o marido para morarem com ele.
Com bons atores, um roteiro tão despretensioso quanto denso em conteúdo (ou seja: inteligente) e uma direção inventiva, mas sem invencionices, esse episódio de "Cidade dos Homens" mostrou uma rara soma de competências. Mantido o nível, o antigo público terá uma derradeira temporada digna da reputação da série e, novatos como eu, um bom motivo para dar um pulo à locadora. | | |