Anão do SBT diz se inspirar em ator de "GoT": "Não saí de conto de fadas"

Felipe Pinheiro

Do UOL, em São Paulo

  • Lourival Ribeiro / SBT

    Com ironia, personagem de Giovanni Venturini expõe preconceito com anões

    Com ironia, personagem de Giovanni Venturini expõe preconceito com anões

Com estatura inferior à média, eles são expostos a situações controversas e de humor questionável na televisão: sobem fantasiados em ringues de MMA, se autoboicotam em trollagens no estilo "Jackass" e se submetem a uma série de encenações escrachadas. Insatisfeito com tantas ofertas de gosto duvidoso, o ator Giovanni Venturini, que tem 1,10 metro de altura, não se importou em perder uma série de trabalhos até conseguir um papel considerado digno.

Após uma elogiada participação especial em "Chiquititas", no SBT, o paulista de 23 anos foi convidado para interpretar o rabugento Nico, que trabalha como assistente do italiano Giuseppe (Vicentini Gomez) na sapataria do Vilarejo dos Sonhos, em "Cúmplices de um Resgate" – sua primeira experiência em um elenco fixo de uma novela.

Criado pela autora Íris Abravanel e sua equipe – e inexistente na produção original mexicana –, Nico aparece mal-humorado e usando um uniforme de macacão com detalhes em laranja. Em suas cenas, precisa lidar sempre com a mesma piada de que saiu do conto de fadas da Branca de Neve. Apesar do tom jocoso das cenas, Venturini esclarece que o assistente tem uma função social e está carregado de uma sutil ironia.

"O personagem traz uma discussão um pouco maior para mostrar como é ser anão na sociedade de hoje, o preconceito que existe e como ele gosta de ser tratado. Mas tudo isso de uma forma bem suave e cômica. A todo instante ele fala 'Gente, eu não sai de um conto de fadas'. É como se ele falasse 'Sou um ser humano também, não é pela minha condição física que sou um ser mitológico'. A todo instante vai acontecer essa viradinha que serve como um alerta para a sociedade", apontou.

Venturini não se importa de ser chamado de "anão", mas explica que o termo pode ser recebido de forma pejorativa por quem tem nanismo e por isso se preocupa em mudar trechos o texto da novela. "Alguns anões não gostam e por isso eu mudo para suavizar a fala. Troco para 'ser pequeno' ou 'ser baixinho'. Não que o termo anão seja ofensivo, mas dependendo da forma como é dita pode vir a ser", destacou.   

Reprodução/Facebook/Giovanni Venturini "Sei como lidar com uma criança no metrô que tem curiosidade. O preconceito muitas vezes é culpa dos pais, que recriminam o filho quando dizem 'Não olha, não faz pergunta'. E, muito pelo contrário, eu quero eles façam perguntas para eu poder dizer 'Mamãe já não explicou que existem pessoas de todos os tipos?'. É aí que você está formando um cidadão" Giovanni Venturini, , no ar em "Cúmplices de um Resgate"

Com formação teatral e circense, ele lamenta a pouca oferta de trabalhos que fujam do estereótipo e, autocrítico, lança a suspeita de que a culpa para tal realidade em muitos casos é dos próprios anões que acabam aceitando papéis ou participações em atrações de TV que acabam sendo mais do mesmo.

"Já fui chamado muitas vezes para fazer programas de humor, mas é uma questão de se impor no mercado de trabalho. A partir do momento que aceitamos fazer essas coisas, são essas coisas que vão ser oferecidas. É um reflexo da nossa própria posição. Quando percebi isso e me coloquei, dizendo que queria ser reconhecido pelo meu talento e não pela minha condição física, o mercado começou a me procurar para fazer personagens que tinham uma importância – e não apenas para uma figuração ou ser arremessado", analisou.

Diante da imagem mais escrachada associada aos anões, com referências dos tempos dos bobos da corte da Idade Média e do alegre deus egípcio Bes que aparecia para divertir bebês recém-nascidos, Venturini cita seu maior ídolo como um exemplo importante a ser seguido pelos atores com a mesma condição física: o premiado Peter Dinklage, que interpreta Tyrion Lannister na série "Game of Thrones" ("GoT)".

Divulgação/HBO
Giovanni Venturini diz que o ator Peter Dinklage, de "Game of Thrones", é a sua maior inspiração
"Ele está arrebentando em 'Game of Thrones' e com certeza é a minha maior inspiração. O conheci no filme 'O Agente da Estação' e é muito bonito ver a entrega dele ao personagem, que não tem um tom cômico. A partir daí me apaixonei pelo cara e fui atrás para conhecê-lo. Ele sempre diz nas entrevistas que fez coisas que não eram do agrado dele por precisar de dinheiro, mas teve um momento que decidiu ser reconhecido pelo seu talento. Ele é um dos atores mais importantes, senão o mais, por conta da posição que alcançou", declarou.

Olhares de medo, de pena e de admiração
Filho de pais sem a mesma condição genética que ele, o ator diz que graças ao apoio da família e dos amigos não teve grandes problemas de aceitação – com alguma exceção, por exemplo, na fase dos namoricos na adolescência.

"Não sofri muito com bullying porque sempre fui muito bem tratado pelos que estavam ao meu redor. Não ficava trancado em casa e nem tinha medo de me expor. Muito pelo contrário, a minha família tinha muito orgulho de me mostrar para o mundo e esse apoio acaba refletindo na construção da sua personalidade e em como você vai se enxergar", disse.

A boa autoestima, no entanto, não o impede de perceber as diferentes formas de olhares nas ruas. E ele garante saber filtrar como é visto e estar aberto para ajudar a diminuir o preconceito, que segundo ele às vezes é colaborado até mesmo pelos pais.

"Tem todos os tipo de olhares, desde o olhar preconceituoso, o olhar de medo ou aquele que  diz, 'Ah, que fofinho'. Tem o olhar de pena, mas tem também o de admiração – como quando alguém reconhece o meu trabalho e diz que gosta da minha postura", diferencia. "Sei como lidar com uma criança no metrô que tem curiosidade. O preconceito muitas vezes é culpa dos pais, que recriminam o filho quando dizem 'Não olha, não faz pergunta'. E, muito pelo contrário, eu quero eles façam perguntas para eu poder dizer 'Mamãe já não explicou que existem pessoas de todos os tipos?'. É aí que você está formando um cidadão", afirmou.

Além da carreira como ator, Venturini se prepara para lançar ainda neste ano um livro de poesias, em fase final de produção, que terá como título "Anão Ser". A obra irá reunir uma série de escritos já publicados em seu blog, "Anão ser Gigante", e outros inéditos. Ele mesmo explica a paixão pela literatura: "Minha mãe é professora de língua portuguesa e incentivava que eu escrevesse. Comecei a frequentar circuitos de saraus e a ter contato com poetas incríveis, agitadores culturais, que vivem à margem da literatura convencional".

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