"Não se cria mais nada na televisão, todos chupam tudo", diz Marlene Mattos
Ana Cora Lima Do UOL, no Rio
Marlene Mattos conheceu a fama e o poder nos anos 90, ao ser uma das diretoras mais influentes da televisão brasileira. Responsável direto pelo surgimento e pelo sucesso de Xuxa, essa maranhense de 75 anos também era conhecida nos bastidores pelo jeito centralizador, brigão e muitas vezes intolerante. "Eu tinha a fama de antipática e sem ser", confessou Marlene ao UOL, nos estúdios do canal fechado E+TV, em Jacarepaguá, Zona Oeste do Rio de Janeiro, onde assumiu no ano passado a direção geral.
"Essa luz está fraca", "O vestido de listras engorda no vídeo. Coloca outro", "A maquiagem tem que ser leve" e "O jarro da mesa central do cenário está torto!" são algumas das frases que intermeiam a entrevista e mostram que nada passa despercebido por Marlene. Falante e mostrando todos os cantos do seu mais novo escritório, a ex-global conta que não vê problemas em trabalhar em um canal com poucos recursos. "Para mim não tem diferença porque eu trato as coisas pequenas ou grandes da mesma forma, dou a mesma importância, a mesma responsabilidade e o mesmo tesão."
Marlene também confidenciou que a volta à TV se deu justamente no momento em que ela nem pensava mais em trabalhar no meio, que considera cada vez mais igual e sem criatividade. Depois de 19 anos na Globo, ela ficou na Band, como diretora artística, por dez meses, onde apostou em Preta Gil como apresentadora do programa "Caixa Preta". Sua última passagem pela TV aberta foi em 2009, no SBT, quando dirigiu Netinho de Paula no "Show da Gente".
Fã de séries e realities shows, ela está com vários projetos na linha de shows e apostando suas fichas em apresentadores desconhecidos. "Ninguém nasceu pronto. Nem a Xuxa. Ela se fez", admitiu, Marlene que não pensa em trabalhar novamente com a ex-rainha dos baixinhos.
UOL: Como é trabalhar num canal pequeno depois de ter trabalhado na maior emissora do Brasil? Marlene Mattos: Tudo que é grandioso foi um dia pequeno. A Globo foi pequena um dia e se transformou, se fez grande. Para mim não tem diferença porque eu trato as coisas, pequenas ou grandes, da mesma forma, dou a mesma importância, a mesma responsabilidade e o mesmo tesão. O engraçado é que esse projeto veio no momento em que eu estava muito sem vontade de trabalhar com televisão. Eu achava também que não iria voltar a trabalhar mais nesse meio.
UOL: Por quê?
Marlene Mattos: Hoje está tudo muito igual. Nesse mundo globalizado, não se cria mais nada na televisão, todos chupam tudo. Pega um formato ali, compra um formato aqui, adapta um formato lá e vai misturando, misturando... É por isso que existem muitos programas ruins. Não vou falar nomes, mas existem atrações fracas, em todas as emissoras.
UOL: O que você assiste? Novelas? Programas de auditórios?
Marlene Mattos: Vejo muito pouco essas coisas, é mais para saber o que está acontecendo, não ficar muito por fora das novidades do meio. Se é que tem. Eu gosto mesmo de séries, realities shows e alguns talks shows, como o da Oprah Winfrey e o da Ellen DeGeneres. No Brasil, eu gosto dos programas comandados pela Astrid Fontenelle.
UOL: Você já dirigiu vários programas de auditórios e da linha de shows, e agora está apostando em programas de entrevistas como "Assim Somos" e "Corpo e Forma" no canal E+TV. Por quê?
Marlene Mattos: Eu gosto de saber da vida dos outros e acho que todo mundo gosta. O mundo é escrito por histórias, sem histórias a vida não tem graça e todos nos somos um livro. Se um livro é bom ou ruim, é outra coisa. Esses dois programas são diferentes de muitos que existem por aí, porque eles vão conversar com pessoas reais e as apresentadoras são pessoas reais. Ninguém é especializada, ninguém é apresentadora, mas eu acredito que elas vão se tornar boas apresentadoras.
UOL: Ultimamente ser apresentadora virou o sonho de quem quer entrar na televisão da maneira mais rápida...
Marlene Mattos: Sabe, hoje, quando uma pessoa diz "eu quero ser apresentadora", ela precisa ter um motivo, uma motivação como "quero ser médico" ou "quero ser jornalista". É muito fácil dizer que quer ser artista, trabalhar na televisão, ser famoso e ter sucesso. Nunca tive fascínio pelo sucesso, pelo prestigio, e o que eu sempre busquei foi o reconhecimento pelo meu trabalho, isso é o que me move. Quando eu vejo aquela disposição para ser apresentadora, eu invisto e vou junto.
UOL: Por que você escolheu novatas para apresentar os seus novos projetos?
Marlene Mattos: Porque ninguém nasceu pronto.
UOL: A Xuxa não nasceu pronta...
Marlene Mattos: Não nasceu, mas se fez. Todas as apresentadoras que estão por aí não nasceram prontas. Até a Oprah Winfrey! Eu gosto de apostar em gente, em apostar em gente inexperiente, mas eu só aposto em gente que diz "eu quero".
UOL: Quanto tempo você ficou afastada da televisão?
Marlene Mattos: Eu nunca fiquei afastada. Depois do "Show da Gente" [programa apresentado por Netinho de Paula no SBT até 2010], eu fiz vários projetos para emissoras de televisão de Goiás, no interior de São Paulo e em outros estados, até que me aposentei. Continuava fazendo alguns projetinhos, até que recebi o convite do Canal E+TV. A única coisa que perguntei foi se eu teria autonomia. A direção disse que sim e aí eu corri atrás de tudo: estúdio, cenários, contratações de pessoal e patrocínio. Eles ficam preocupados com os gastos porque a verba é ainda pequena, mas confiam em mim. Sempre digo para não ter medo de arriscar, de apostar porque o medo paralisa.
UOL: Você é centralizadora?
Marlene Mattos: Sim, muito. Sou terrível e sempre fui centralizadora. Sei que essa é a maior queixa das pessoas que trabalharam comigo. Quando a pessoa é diretora geral de uma emissora ou de um programa, ela precisa saber de tudo, ter noção de tudo para não ser pega de surpresa, para saber solucionar um problema de última hora. Se eu vejo que alguma coisa não está legal, eu vou lá e faço
UOL: Nos últimos anos surgiram boatos da sua volta como diretora de vários programas. Recebeu algum convite para dirigir uma atração de um canal aberto?
Marlene Mattos: Olha, eu tive com algumas pessoas que me fizeram convites, mas eu não estava a fim. Esse projeto acendeu a luz, deu um estalo. Um tempo atrás eu fui na Bandeirantes e aí um diretor me perguntou o que eu queria fazer primeiro e eu respondi de prontidão; "acender a luz para ver o que que tem, o que eu posso usar, o que eu posso aproveitar." E aqui foi o que eu fiz. Eu acendi a luz.
UOL: Dizem que Xuxa está tentando levar alguns ex-funcionários da Globo para trabalhar na Record. Se ela te convidasse, você aceitaria ser novamente diretora dela?
Marlene Mattos: Eu nem penso nisso e por isso eu não tenho uma resposta.
UOL: Ela fez bem em ir para a Record?
Marlene Mattos: A Xuxa tem que fazer o que ela quer. Se ela acha que ir para a Record foi a melhor opção da sua carreira, ela fez certo.
UOL: O que a Marlene de hoje é diferente da Marlene Mattos no auge da carreira?
Marlene Mattos: Estou mais tolerante, sim, mas eu tinha a fama de antipática e sem ser. Na verdade, as pessoas não entendiam que eu tinha uma carga de responsabilidade bem grande, pesada e tinha um batalhão de pessoas para organizar e comandar. O artista não fica sempre no topo, e aí é preciso que o diretor ou o empresário fique colocando graxa nesse elevador para descer um pouco aqui, subir um pouco ali e manter a máquina em um bom funcionamento e, claro, no topo.
UOL: O empresário ou diretor, então, precisa ter firmeza nas decisões que podem muitas vezes serem consideradas autoritárias...
Marlene Mattos: Perfeito. Ele tem decisões muito solitárias e no caso de uma pessoa do topo da Xuxa, por exemplo, é mais complicado porque essa pessoa tem que chamar a responsabilidade toda para si. Eu sou assim e, na época da Globo eu dizia: "a artista tem que ficar bonita, ler o texto, alegrar suas crianças, o resto fica por minha conta." Se tivesse que derrubar uma casa, eu derrubava porque era o meu papel. Não me importava se as pessoas ficam felizes ou não, ficavam com raiva ou não. Era o meu papel e ainda é assim que eu trabalho.
UOL: Como é sua rotina?
Marlene Mattos: Acordo todos os dias às 7h, e isso é sagrado. Mal levanto da cama, ligo a televisão para ver os telejornais de todas as emissoras porque sou viciada em telejornais. Três vezes por semana faço uma caminhada no Parque Chico Mendes, que fica ao lado da minha casa no Recreio, e depois vou trabalhar, seja no escritório, seja em casa mesmo ou nos estúdios do canal. Trabalho até as 20h, de segunda a sexta. Aos sábados e domingos eu procuro descansar jogando buraco, mas já pensando no início da semana. Estou aposentada, por sinal recebo uma merreca, mas minha cabeça é um trem sem freio. Ela quer criar, produzir, dirigir, pensar e comandar.
UOL: E que ainda vem por aí com a assinatura da Marlene Mattos?
Marlene Mattos: Além do "Assim Somos", eu quero colocar no ar também no final de maio "Corpo e Forma" com a Nicole Bahls. Depois, vou colocar os três programas da linha de shows comandados por Carla Cristina, Romário e Eri Johnson. Tenho ainda duas atrações infantis, um musical apresentado pela Suzana, filha da Kelly Key, e um de culinária, comandado pela Lívian, filha do Renato Aragão.