Tributo a Bolaños tem ares de clássico de futebol e dramalhão mexicano
Fernanda BrambillaDo UOL, na Cidade do México*
Uma multidão vermelha já lotava as imediações do monumental Estádio Azteca, na Cidade do México, na manhã desde domingo (30). A despedida a Roberto Gómez Bolaños, o Chaves, morto na sexta-feira aos 85 anos, foi uma festa bem à mexicana, com coro de gritos de torcida e aplausos. Para um dos ícones máximos do país e da América Latina, o estádio do América trocou o tradicional amarelo das Águilas, símbolo do time local, pela cor de seu atrapalhado herói, Chapolim.
Se os mexicanos são conhecidos por fazer piada com a morte, o tributo a Bolaños começou alegre, com ares de prévia de clássico de futebol. "Arriba, abajo, arri-ba-ba. Bolaños, Chespirito, rá-rá-rá!" Era entoado com força dentro do estádio.
Do lado de fora, camisetas vermelhas, balões, tiaras e martelos infláveis eram pechinchados por quem chegava. As vendedoras Wendi e Paola, de 13 anos, ofereciam tiaras e flores brancas por 10 pesos (algo como R$ 2,00). "Estou trabalhando, mas também estou triste", dizia Wendi. Tenho que vender, mas queria era entrar e ver lá dentro. Eu sou fã do Chaves."
Liliana Cachero trazia um grande boneco do Chaves - feito por ela, ela destaca - e tinha os olhos chorosos ao lado da filha, Daina. "Viemos agradecer por toda a alegria que ele nos proporcionou. Ele transcendeu gerações, fazia um humor para todos, foi único", dizia. "Jamais vai haver outro como ele." Daina, sua filha, trabalha com eventos e diz que, dentre os temas de sua empresa, que incluem as princesas da Disney e personagens de Toy Story, Chaves e sua turma eram os mais pedidos.
Vestido de Quico dos pés a cabeça, Tomás Carrera, de 50 anos, hesitou em dar entrevista para não sair do personagem. Comerciante, se veste como o menino rico da Vila do Chaves há 15 anos. Questionado, então, se a briga dele e de Bolaños se encerrava, brincou: "Chaves é meu melhor amigo. Eu quis ir para outras vizinhanças e ele achou ruim", disse, imitando o choro do Quico no ombro da repórter. "Mas está tudo bem entre a gente."
Na vida real, Carlos Villagrán e Bolaños brigaram pelos direitos do personagem, mas o ator esteve na missa privada realizada na sede da Televisa para amigos do comediante, no sábado à noite.
Às 13:20, a chegada de Florinda Meza, viúva do comediante, deu início a cerimônia. Fortemente aplaudida, ela chegou vestida de negro ao lado dos seis filhos. Ao centro, uma estrutura metálica foi erguida e decorada com flores e fotos grandes de um Bolaños jovem e em preto e branco.
Um carro aberto vermelho levou o caixão de madeira ao estádio. Fechado, protegido por uma caixa de vidro, foi levado por todo o contorno interno do estádio, como uma volta olímpica, aos gritos de "Chavo, Chavo, rá-rá-rá" e finalmente disposto no centro.
Uma voz no alto-falante pediu um forte aplauso a Chespirito, e o estádio respondeu com emoção. Crianças depositaram suas flores brancas no gramado enquanto uma música infantil triste foi reproduzida repetidamente.
A homenagem deste domingo é a segunda feita no Azteca a Bolaños. Neste sábado, durante a vitória do América sobre o Pumas por 1 a 0, que selou a classificação dos donos da casa para as semifinais do Campeonato Mexicano, foram exibidas imagens do ator e de seus personagens, além de um grande cartaz.
Latinos viajantes
Noemi Yguirres estava com a família, toda vestida com a camiseta vermelha de homenagem póstuma. "Assistia ao Chaves quando era pequena e depois com meu namorado, agora marido. Depois, com minhas filhas. Era um programa que fazíamos juntos, portanto viemos juntos, como deve ser." Quando é questionada por que tanta adoração, não hesita: "Ele ensinou ao mundo que pode haver alegria na pobreza. Que pode haver beleza na pobreza. Essa para mim é uma mensagem muito importante."
Com uma bandeira da Colômbia por cima da roupa vermelha, Paolla Cena viajou ao México só para ir à homenagem. "Me chamaram de tudo o que você pode imaginar, filha. Me criticaram muito por eu vir, mas nem liguei", contou ela, aos risos. "Pra mim, ele era da família. Não dava pra ficar em casa e ver da televisão." Nos minutos de fila, fez amizade com outros latinos viajantes, como um grupo de cinco peruanas animadas e com pintinhas pretas pintadas no rosto, tal qual a Chiquinha. "Viemos de Lima juntas. Chaves marcou a nossa infância demais", dizia Palomina Guerrero.
Já entrando no estádio, a brasileira Daniela Souza corria, apressada, agitando sua bandeira verde-amarela. A paulistana viajou na noite de sábado também para se despedir do ídolo. "Ele era um gênio! Gênio", disse apressada passando o portão. Mais tarde, ainda com a bandeira nas mãos, Daniela seria alvo fácil das câmeras da Televisa na arquibancada, que transmitiu o evento ao vivo.
Carlos Aguirre, com os três filhos vestidos de Chaves, Quico e Chiquinha, já afastava os fotógrafos. Léo, de 2 anos, o Quico do trio, ameaçava chorar com tanta atenção. A irmã Chiquinha, Valentina, de 6, explicava: "Ele tá assustado, tá triste. A gente adora o Chaves, sempre se veste assim pra brincar. Mas eu já falei para ele que não importa, o Chaves vai continuar na TV."
A missa
Tapetes vermelhos atravessados pelo gramado levavam ao centro, e ali foi improvisado um púlpito com uma grande cruz e uma imagem de Nossa Senhora, de onde um padre deu início a uma missa em memória de Roberto Gómez Bolaños às 14h45, para cerca de 100 pessoas que tinham cadeiras dispostas ao lado da cúpula com o caixão. As arquibancadas do Azteca estavam bem esvaziadas para o sermão católico que falou da morte como um rito de passagem e que não deve ser temido. Quem ficou, rezou o Pai Nosso em voz alta.
Ao final da missa, às 15:35, cerca de 100 crianças vestidas de Chaves e Chapolim e com caixas brancas nas mãos se aproximaram do caixão. Ao som da mesma canção melosa que repetia frases como "Chespirito gracias por siempre", fizeram coreografias. Quando terminou a canção, soltaram pombas de dentro das caixas. Infelizmente para Televisa, que transmitiu o evento ao vivo, a maioria delas desistiu de voar e posou no gramado mesmo.
Para encerrar no melhor estilo mexicano, um grupo de mariachis entrou. "Las golondrinas", tradicional canção mexicana, foi a escolhida para acompanhar a saída do caixão. Ele seria levado, ainda, a ombro por seis homens por uma volta no campo, seguido das crianças, atropelando as pombas.
Mas o público gostou do exagero, e os aplaudiu com gritos de "Chavo" mais uma vez. No telão, o rosto em close da viúva, Florinda Meza, completou o evento com outra marca absolutamente mexicana: o exagero melodramático. Ela tomou uma pomba nas mãos e pela primeira vez saiu da área reservada. Atravessou o gramado e a soltou no ar. Ainda deu tempo para brigar com os câmeras que a seguiam muito de perto.
Não à toa, a Televisa é a mãe das telenovelas mexicanas que fizeram sucesso no Brasil nos anos 1990. Os padrões de altas doses de sentimentalismo foram mantidos - nada mais justo para quem foi parte central e protagonista dessa teledramaturgia.
Velório para familiares
Artistas, familiares e amigos prestaram as últimas homenagens ao comediante Roberto Goméz Bolaños nas instalações da Televisa, na noite de sábado (29).
Em uma capela improvisada em um dos estúdios, a primeira cerimônia teve muita emoção e uma salva de palmas de dois minutos, quando o caixão chegou à emissora por volta das 20h (horário local; 24h no horário de Brasília).
De acordo com informações do jornal local El Universal, o primeiro a falar foi Emilio Azcárraga, presidente do canal. "A Roberto devemos todos, sem exceção, um sorriso, um momento de alegria que conseguiram unir as famílias em cada programa Graças Roberto, nunca vou deixar de dizer obrigado", disse.
Um vídeo publicado por @televisatelevisionmx em
Em seguida, a viúva Florinda Meza e os seis filhos foram para o altar para rezar o Pai Nosso de mãos dadas .
O ator Edgar Vivar, intérprete do personagem Senhor Barriga, também acompanhou a cerimônia.
Embora o jornal hispânico La Opinión afirme que Carlos Villagrán, o Quico, tenha sido vetado na cerimônia pela viúva de Bolaños, o ator foi visto sentado próximo a Vivar.
Mãe e filho em "Chaves", Florinda Meza mantém distância de Villagrán desde 1978, quando o ator deixou o elenco do programa. Os dois namoraram no começo da década de 1970, mas se separaram pouco tempo depois. Em 1977, a atriz e Bolaños começaram a namorar.
Após a cerimônia, ambos conversaram e se abraçaram, em um primeiro sinal de reconciliação, após mais de 30 anos.
Do lado de fora, fãs e jornalistas se aglomeraram na porta da emissora. Caracterizado como Chapolin, o mexicano Lidio Istrieya tentou invadir a cerimônia e foi retirado à força por seguranças.