Dória não acreditava em talento fabricado na TV; leia entrevista ao BP UOL

Do UOL, no Rio

Em fevereiro de 2003, quando tinha 82 anos, o ator e humorista Jorge Dória esteve nos estúdios do UOL, em São Paulo, para uma entrevista ao Bate-papo.

Sua relação com atores mais jovens e a peça "O Avarento", que Jorge encenou naquele ano no Teatro Jardim São Paulo, foram temas abordados no papo com os internautas. Veja trechos a seguir do bate-papo com o humorista, morto nesta quarta-feira (6).

BP UOL- A essência dos atores continua a mesma ou, hoje em dia, há possibilidade de fabricação de profissionais na mídia televisiva?

Jorge Dória - Ator é ator, desde antigamente... da época do teatro grego em que só homens podiam representar. O teatro é o mesmo. O que é teatro? Duas pessoas falando e uma terceira ouvindo. Quem tem talento tem! Nada é fácil... só criticar. Se colocar você num estúdio de TV, como o da Globo, que tem um custo de produção enorme, é preciso ter profissionais de talento. Um minuto de televisão vale um século e custa uma fortuna!! Por isso não acredito nesta história de 'talento fabricado'. Sei que muita gente que trabalha no teatro e na TV passou por um rígido processo de seleção, que como falei, não pode ter gente sem competência. Claro que deve ter beleza... mas o talento e o profissionalismo ainda prevalece.

BP UOL- Você é boêmio como parece seu personagem em "Zorra Total"?

JD - Veja bem... Não posso ser mais boêmio como meu personagem interpreta. Sou de 1920, tenho 82 anos. Muita coisa mudou desde a minha época. Certa vez, o Procópio Ferreira disse que eu saberia quando velho que entraria nos lugares e não reconheceria mais os amigos. Os grandes amigos morreram, perdi grandes parceiros já. Mas a vida é assim.

BP UOL - Como é trabalhar com atores mais jovens, ainda aprende-se algo?

JD - Aprendo sim! Com os mais jovens a gente aprende muito! O ser humano não envelhece, ele "envilanece". Isso que dizer que os velhos perdem a coragem e a vitalidade. Os jovens te ensinam como ser corajoso e acreditar em você! Minha esposa é 42 anos mais jovem que eu. Não sou nenhum vampiro ou tarado sexual, mas acho que os jovens são mais sensíveis e cheios de vida!

  • Adriana de Barros/UOL

    Dória no Bate-papo UOL, em 2003

BP UOL - Como é trabalhar no "Zorra Total"?

JD - A comédia na TV e no palco são diferentes. A TV é uma coisa bem visual. O bom ator é aquele que chega no estúdio com o texto decorado e o papel pronto. Se estamos falando agora, é porque você me conhece no teatro, não é? É no teatro que o público conhece o trabalho e talento do ator. A TV faz com que eu "invada" a sua casa. Acho que a TV facilita que o público me conheça. Mas o público só vai conhecer a profundidade do trabalho no teatro. Meu papel no "Zorra Total" é bem delicado, falando de TV. Ainda mais por fazemos humor com a homossexualidade. [no humorístico, era o pai machista de Alfredinho (Lúcio Mauro Filho), e dizia "Mas onde foi que eu errei?", ao ver o filho vestido de mulher]. Eu não avalio o ser humano não por sua opção sexual, mas sim por seu caráter.

BP UOL - O que significa a peça "O Avarento" na história do teatro?

JD- Moliére é Moliére. Será sempre representado. É como Nelson Rodrigues no teatro brasileiro. São clássicos! E Moliére tem uma vantagem: não precisamos pagar direitos autorais, pois ele já morreu há muito tempo. Mas montar um Moliére é mais que isso, é ótimo para a cultura popular. "O Avarento" é uma peça que venho fazendo há muito tempo. É uma peça que para e continua, e nesta brincadeira, estamos em cartaz há 3 anos. O Avarento carrega 11 atores, e quem conhece o teatro sabe que fazer um espetáculo com esse tanto de atores é difícil. Esta não é uma peça para "correr o pires", mas uma peça para entreter. Moliére é um clássico da literatura francesa, e quando escreveu suas peças, não tinha a liberdade que temos hoje.  E mais, a sociedade francesa, na época de Moliére, era muito resguardada e por isso não tinha a liberdade. A própria sociedade da época era quem bloqueava as peças. Quando comecei a fazer esta peça, sentia que o público se divertia, mas muitos não entendiam as propriedades dos personagens.


 

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