Caravanistas ganham até R$ 4.000 fornecendo "colegas" a programas de auditório

Amanda Serra
Do UOL, em São Paulo

Às 8h de uma terça-feira, 200 mulheres já estão reunidas nos bastidores do estúdio três do Sistema Brasileiro de Televisão, em Osasco (SP), aguardando a gravação do "Programa Silvio Santos". Em uma sala com diversas cadeiras, elas recebem lanches, broches com seus nomes, passam rapidamente pelas mãos dos cabeleireiros e maquiadores da emissora, fazem chapinha nos banheiros disponibilizados exclusivamente para elas e ouvem as dicas do diretor de auditório, o lendário Roque, que trabalha com Silvio há 52 anos, e sua equipe."Nada de gritar 'lindo', 'gostoso', 'tesão' para o Silvio. Ele não gosta dessas coisas", informa uma organizadora.

Auditório: a alma da TV


"A caravana salvou a minha vida. Tornei-me uma mulher alegre. Esqueço todos os meus problemas e me divirto por apenas R$ 10 que dou para ajudar a caravanista", afirmou Lívia Molina, 70, enquanto pulava e dançava na plateia do "Legendários", mesmo após ter enfrentado três horas de gravação no palco do "Programa da Tarde", naquele mesmo dia.

Aos 55 anos, Lívia perdeu seu único filho quando ele tinha apenas 15 anos. Nos bastidores das emissoras, ela é conhecida como a "velhinha beijoqueira" do auditório.

"Adoro beijar! Já dei selinho no Rodrigo Faro, no Celso Portiolli, no Danilo Gentili, no Gilberto Barros, no Marcos Mion, em diretor da Globo", enumera a moradora de Embu (SP).

Ver um artista de perto sem ter que gastar muito, se divertir, desfilar sua melhor roupa ou até mesmo ganhar prêmios e dinheiro são alguns dos motivos que levam homens, mulheres, idosos e adolescentes a saírem de casa para acompanhar a gravação de um programa de TV.

A rotina dos caravanistas e das pessoas que acompanham cerca de 25 programas de auditório, no ar hoje na televisão brasileira, é puxada. É preciso ter disposição para ficar pelo menos oito horas dentro de um estúdio, sem almoço, em pé ou sentado por algumas horas, sem perder animação nos aplausos. Nas últimas semanas, o UOL acompanhou a ida de 20 grupos a programas televisivos e conta um pouco dos bastidores.

"Vocês ganharam lanches? Foram bem tratadas pela equipe do SBT?", pergunta Roque à plateia. "Vocês precisam falar na vizinhança que o tratamento do SBT é o melhor do mundo", completa o diretor, que com 58 anos de profissão, se considera o melhor animador de público do Brasil.

No ar desde a década de 1960, Silvio Santos tem ainda hoje o programa mais concorrido do SBT. Com cerca de mil mulheres na lista de espera e sem atrações musicais de peso, o próprio apresentador e seu dinheiro são os protagonistas de um show sem ensaio. Cerca de R$ 3.000 são distribuídos ao público durante as três horas e meia de gravação. "Vamos brincar com o auditório, improvisando, e o que for mais legal a gente coloca", diz Silvio no ponto eletrônico para o diretor do programa, Fabiano Wicher.


Ver o Silvio agradecendo a plateia, mostrando que você não é apenas um auditório, e sim, uma colega de trabalho, emociona. Ele conquista gerações e gerações. Minha avó era caravanista, minha mãe foi e eu frequento alguns programas.

Mariana Gonçalves, 26, na plateia de Silvio

Aos 82 anos, o dono do baú retribui o carinho dos fãs e faz questão de agradecer as caravanas, chamando cada uma pelo nome, perguntando se os banheiros estão bem cuidados, querendo saber quantos ônibus Roque enviou para cada bairro. "Vocês são muito gentis. Chamo de gentis porque deixaram outras diversões de lado para estarem aqui hoje, na televisão de vocês, que vocês ajudaram a construir", diz ele antes de abrir sua atração com a clássica pergunta: "Quem quer dinheiro?". Os aviõezinhos começam a voar e as mulheres se empolgam.

"O clima de alegria é sensacional, dá pra perceber que as pessoas se envolvem com tudo que acontece no palco. Ver o Silvio agradecendo a plateia, mostrando que você não é apenas um auditório, e sim, uma colega de trabalho, emociona. Ele conquista gerações e gerações. Minha avó era caravanista, minha mãe foi e eu frequento alguns programas", conta a administradora de empresas, Mariana Gonçalves, 26, que aproveitou o período de férias no trabalho, para acompanhar uma gravação.

Silvio elogia a aparência, a roupa, o nome das convidadas, tira sarro, oferece aula de português quando "suas meninas" têm dificuldade para formar frases no "Jogo dos Pontinhos". "Chapeuzinho vermelho", "magrinha", "gordinha", são alguns dos adjetivos usados pelo apresentador. "Vem aqui, magrinha", diz ele para uma mulher acima do peso. "Você está de congregação hoje?", perguntou o apresentador, referindo-se ao vestido longo, tipicamente usado pelas fiéis da igreja protestante. Ela não se ofende, quer saber de brincar e ganhar dinheiro. Ri durante um certo minuto, emocionada por estar ali.

Semanalmente cerca de 2 mil pessoas passam pelos estúdios do SBT. Uma das recomendações das emissoras é que as convidadas estejam bem vestidas, maquiadas e tenham disposição para gritar. "Nós que dependemos do público temos a obrigação de lhe darmos atenção", afirma Roque. "O auditório é a alma do programa. É preciso deixar a plateia à vontade, para que ela se solte", completou o animador de plateia da Record, Anderson Souza, de 26 anos.

A saga continua

Espalhadas por uma das recepções da Record, 300 pessoas aguardam a gravação do programa "Legendários" sentadas no chão, nas escadas. A atração teve a participação do cantor Naldo Benny. As dezoito caravanas chegaram ao bairro da Barra Funda, em São Paulo, às 14h, naquela quarta. Elas saíram dos bairros de Interlagos e Pirituba, e das cidades: Santo André, Diadema e Guarulhos.

Sem estresse, senhoras e adolescentes posam para fotos, conversam, comem pão com presunto e queijo e tomam refrigerante, distribuídos pela emissora. Após três horas e meia de espera, o público entra no estúdio. 

Enquanto artistas posam para fotos, animadores oferecem autógrafos e CDs para que a plateia não desanime nas próximas três horas de gravação e grite ainda mais.

Profissão caravanista

Maria de Lourdes Correia de Oliveira, de 62 anos, é uma das caravanistas responsáveis por alegrar programas de todas as emissoras. Há 35 anos, ela foi descoberta por Roque na plateia do SBT e, nas últimas décadas, frequenta os auditórios de programas como "O Melhor do Brasil", "Domingão do Faustão" e "Sábado Total".

"Lurdona", como é conhecida, orgulha-se ao posar com os chapéus que ganhou da dupla Chitãozinho & Xororó e ao mostrar as fotos que tem ao lado de Silvio Santos.

"Uma vez cortei meu vestido de noiva para fazer uma fantasia de baiana e ir a uma gravação do programa do Silvio. Ele me chamou no palco, dançamos, ele fez piada com a minha roupa, foi um show...", relembra a caravanista de Santo André, aos risos.

O trabalho do caravanista para captação de pessoas é diário. É preciso ir a escolas, universidades, bater perna pelo bairro e divulgar seu trabalho. Dois dias antes da gravação, eles precisam estar com a lista de participantes fechada. "É preciso estar ligado 24 horas por dia. Acaba uma gravação e você já está agendado a próxima. Sou conhecido no bairro como 'o cara da caravana'", diz o radialista, Jefferson Gomes, 26, morador do bairro de Interlagos, Zona Sul de São Paulo.

Funcionária do SBT há quatro anos, Lucia Batata, 58, trabalhou durante 15 anos como caravanista e graças ao seu jeito espontâneo e irreverente foi convidada pela equipe de auditório a integrar o time formado por 12 pessoas. "Tornei-me caravanista por causa do Roque, que me incentivou. Tirava de R$ 2.000 a R$ 3.000 por mês. E aos 54 anos, jamais imaginei arrumar um emprego no SBT". Ela é responsável por recepcionar os convidados e animá-los.

Globo e Record não dão cachê
"A rotina do organizador de plateia é comum, assim como a de outros trabalhadores brasileiros", afirmam os caravanistas ouvidos pela reportagem. São pelo menos quatro gravações semanais e o salário varia de R$ 3.000 a R$ 4.000 por mês.

Segundo a assessoria da Band, a emissora paga R$ 220 aos seus 15 caravanistas cadastrados no banco de dados, cada vez que eles participam de um programa; o SBT dá R$ 250 e a RedeTV!, R$ 50. Rede Globo e Record não dão ajuda de custo.

Para complementar a renda, os caravanistas cobram de seus convidados de R$ 5 a R$ 30, dependendo da atração de cada programa. Em média, cada caravanista precisa ter grupos de 20 a 60 pessoas para cada gravação.

70% dos caravanistas são chefes de família e durante janeiro e fevereiro precisam se organizar, já que são meses em que não têm gravações. Como alternativa, a maioria organiza excursões para parques de diversões e cidades do litoral e interior de São Paulo.

Se animou e quer passar o dia acompanhando a gravação de um programa? Separe sua roupa mais bonita, prepare o make, leve pelo menos dois sapatos, já que terá que esperar por pelo menos quatro horas para o início das filmagens, e convide seus amigos. Veja no álbum o que é preciso fazer para se inscrever nos programas: