"O Cidade Alerta uniu a família e atraiu crianças", diz Marcelo Rezende
Amanda SerraDo UOL, em São Paulo
"Corta pra mim". Esse é o bordão que está na boca do povo, de humoristas, de colegas de trabalho e pode ser visto até em propaganda de motel. O autor da frase e apresentador do "Cidade Alerta", Marcelo Rezende, viu a audiência do programa saltar de 7,5 para 10 pontos no Ibope entre janeiro e julho, um crescimento de 33%. O jornalista da Record acredita que o boom é reflexo do humor que consegue dar ao programa policial, atraindo crianças, jovens e, principalmente, fãs do sexo feminino.
"Não é fácil ficar três horas só contando história triste. Não há quem aguente contar e não há quem aguente ouvir. O 'Cidade Alerta' construiu uma família na casa de outra família e estamos virando uma só família. Isso fez com que as crianças passassem a assistir ao programa", afirmou Marcelo Rezende em entrevista exclusiva ao UOL.
De acordo com dados da central de atendimento ao telespectador da emissora, Marcelo se tornou o queridinho pelas mulheres, que ligam para elogiá-lo, pedir fotos e até pôster. "O público mais fiel é formado pelas mulheres. Elas admiram o Marcelo", afirmou o diretor Clóvis Rabelo.
Apresentador de um programa que fala sobre criminalidade, Marcelo costuma perguntar aos pais por que eles deixam os filhos acompanharem o "Cidade Alerta". "Fui cortar o cabelo e a filha do barbeiro, de nove anos, parecia que estava vendo o Papai Noel, era um negócio de me abraçar, me beijar, conversar. É impressionante, nunca tinha vivido isso. Outro dia, o neto de um editor respondeu para mim: ' Tio, não presto nem atenção nas reportagens. Fico esperando você falar, o 'Percival' [de Souza – jornalista investigativo] e o 'Menino de Ouro' [Luiz Bacci – repórter] para ver'", disse.
"O 'corta para mim' surgiu do nada. Queria falar e a câmera não vinha para mim. Outro dia ouvi na rádio um anúncio de motel assim: 'Aqui é exclusivo e não dá trabalho para fazer'. É coisa que vai nascendo, como a frase 'sururu na Casa de Noca (dita por Rezende para metaforizar uma confusão). É tudo improviso", contou Marcelo, aos risos, sobre seus bordões.
O 'corta para mim' surgiu do nada. Queria falar e a câmera não vinha para mim
Na última quinta-feira (1°), nos estúdios da Record em São Paulo, vestindo uma calça jeans, camisa roxa levemente desabotoada e com uma garrafa d'água nas mãos, o Marcelo que você conhece da televisão discorreu sobre os mais variados assuntos – de política a vida pessoal – entoando a voz grave, com alguns palavrões e um tom despojado, de quem gosta de contar uma história.
Durante uma hora e quarenta, o carioca comemorou o sucesso do "Cidade Alerta", falou sobre sua paixão por leitura e vinhos, deu detalhes do livro que está escrevendo, mostrou fotos da filha caçula de 11 anos e da primeira neta e relembrou momentos marcantes da carreira.
Entre um relato e outro, Marcelo cumprimenta os jornalistas que passam pelo estúdio, elogia alguns repórteres, recebe diversos abraços dos colegas e pede um favor pessoal para um dos produtores, com seu jeito direto e espontâneo: "Estou na tua mão, pelo amor de Deus. Senão te mato", diz, provocando risos nos presentes.
Uma hora antes da atração começar, Marcelo lê os jornais, conversa com o diretor. "Estou na fase boa da minha vida. Faço o que dá na minha cabeça e que se dane o resto. P*, chega, já fiz muita coisa séria na minha vida", justificou Marcelo, que completa 59 anos na quarta-feira, dia 7. Pai de cinco filhos, frutos de cinco casamentos, o apresentador costuma aproveitar a atual vida de solteiro em São Paulo, a cidade que escolheu para viver e trabalhar, além de se dedicar à culinária, ao estudo de vinhos e aos herdeiros.
Carreira
Estou na boa fase da minha vida, faço o que dá na minha cabeça e que se dane o resto. P* chega, já fiz muita coisa séria na minha vida
Com mais de 30 anos de experiência, Marcelo é "aquele tipo de cara que nasceu para a coisa", daqueles que vão presos em nome da profissão - ele foi detido no Paraguai, quando tentava entrevistar os sequestradores do empresário e publicitário Roberto Medina. Nascido na Praça da Bandeira, zona norte, do Rio de Janeiro, perto dos 20 anos vivenciou a morte do pai e da mãe em um curto espaço de tempo. Na época, em vez de desmoronar, se dedicou à construção de um banco de fontes na área criminal, mergulhou nos casos policiais e traçou seu caminho como repórter investigativo.
Sem ter concluído o ensino médio - por preferir trabalhar a estudar -, o apresentador entrou pela primeira vez em uma redação aos 17 anos para atuar na área de esportes. Passou pelas principais redações do Brasil, como a da Rede Globo, da qual fez diversas reportagens e apresentou o programa criminal "Linha Direta" – criado na década de 1990 para derrubar a audiência do apresentador Ratinho . Também teve passagens por Band, RedeTV!, revista "Placar" e Record.
Sobre a mudança de área logo no início da profissão, Rezende é direto: "Meu olhar sempre foi social. Nunca olhei o esporte como uma bola no gol ou um pé quebrado. Por exemplo, um moleque como o Neymar tem sorte de ter uma família ajeitada. Tem jogador com família estraçalhada, faz três gols num jogo e no dia seguinte tem um salário que ninguém tem, o carro e a mulher que ele quer, e é paparicado por todo mundo. E nós, extremamente conservadores e preconceituosos, queremos exigir uma postura exemplar", disse Marcelo.
Questionado se acredita ter um papel social relevante, Rezende é direto: "Me sinto como um cidadão para quem deram uma colher de chá e colocaram um microfone na lapela".
Para "descansar a cabeça" e cumprir um trato que fez consigo mesmo por não ter estudado, Marcelo é um leitor assíduo. Atualmente, está lendo a Trilogia de Ken Follett - "O Século" - e alguns livros de Dan Brown, autor do "Código Da Vinci".
Além disso, trabalha na produção de seu primeiro livro (ainda sem título), previsto para ser lançado em novembro pela editora Planeta. A obra reúne os melhores momentos da carreira do apresentador.
"O 'Pânico' e a 'A Praça É Nossa' transformaram o Marcelo em um cara popular"
No estúdio do "Cidade", como costuma chamar o programa, o apresentador fica mais tenso, coloca o dedo na boca, mexe com as mãos, pede silêncio, a benção de Deus --mesmo não sendo adepto de nenhuma religião--, e segue por três horas em pé. Ele conversa com o público, ouve o diretor e as assistentes em seu ponto eletrônico, fica de olho no TP [teleprompter] para se guiar, nos vídeos dos repórteres, na concorrente Bandeirantes, no espelho... Também troca figurinhas com Percival, improvisar suas brincadeiras e "contar histórias".
Cercado por câmeras e sete profissionais no estúdio, Marcelo começa o programa. Toma diversos goles de água. Também é corrigido por um cabo-man quando fala o nome de um bairro errado, mas não se importa, corrige em seguida e logo depois aproveita para "beliscar" o lanche que a produção leva para enfrentar a maratona de gravação. Café é o combustível principal.
"A gente briga, dou bronca no ar, não deixo para brigar escondido. Brinco, me emociono. Sou um ser afetivo", afirmou Marcelo. Os companheiros confirmam que ele é "excedido", "intenso", mas acima de tudo profissional, o cara que sabe descontrair.
Durante a exibição da atração, o presidente da Record no Rio --o bispo da igreja Universal do Reino de Deus Reinaldo Gilli-- entra no estúdio, cochicha no ouvido de Marcelo e aproveita para elogiá-lo em voz alta: "Melhor apresentador. Meu amigo", diz.
Personagens principais do "quadro humorístico" do "Cidade", Comandante Hamilton e Percival não se importam com as brincadeiras de Marcelo e precisam sempre estar prontos para os improvisos do colega. "É ótimo trabalhar com ele", afirma o jornalista investigativo.
Hora de improvisar - Por dentro do "Cidade"
- Com pensamento ágil, atento a tudo e a todos, Marcelo se lembra dos óculos de um dos cameraman, aproveita enquanto uma reportagem é exibida para pedir emprestado para improvisar mais uma gracinha. "Empresta aquele seus óculos, logo". O rapaz entrega e o apresentador dá para Percival, que os coloca.
- O improviso consiste em mais uma piada que pretende fazer com a roupa do repórter Luiz Bacci. Juntos em clima de stand-up, eles tiram sarro da gravata amarela do famoso "menino de ouro" quando já estão no ar. Bacci diz que Percival está parecendo o cantor Waldick Soriano e os três gargalham.
"O Percival virou o personagem mais importante dessa história. Quando vou à casa dos meus amigos [que não são muitos], eles pedem para eu levar o Percival. As pessoas não falam mais de criminalidade. Agora está uma delícia. Vou largar o 'Cidade' e fazer um programa de humor", brincou Marcelo.
"Acho interessante as brincadeiras, esse é o diferencial para o programa e para a televisão. Acredito que a TV, hoje, só irá sobreviver assim. Foi isso que fez o programa se tornar popular. Não adianta ficar só falando de coisa ruim, triste, precisa descontrair. As brincadeiras não são maldosas, não prejudicam a imagem", defendeu Hamilton.
Com mais de 30 pessoas na equipe do programa, 60 vídeos e 90% do material produzido pelas reportagens do Norte e Nordeste do país, a audiência do "Cidade Alerta" se deve principalmente aos crimes passionais e que causam revolta nas famílias, segundo informações do diretor.
"As imitações de Carioca [humorista do 'Pânico'] e Porpetone [humorista da 'A Praça é Nossa'] trouxeram os jovens e as crianças para o 'Cidade Alerta', fizeram com que o Marcelo ficasse popular", contou Rabelo.
Para atrair ainda mais a audiência, o diretor pretende mostrar Percival no Guarujá, litoral de São Paulo, em seu suposto iate.
"A política no Brasil é medíocre"
Sempre descontraído, Marcelo se exaltou apenas quando o assunto foi a realidade socioeconômica e a política do Brasil.
"Eu não gosto da política no Brasil como um todo. A obra é ruim. No Brasil, política é profissão, é uma oportunidade boa para abrir uma porta chamada corrupção. A política no Brasil é medíocre. Existe uma parte que é boa, mas está sufocada por uma estrutura plenamente perversa contra o povo brasileiro. Quem mata mais, o PCC (facção criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital), ou o cara que desvia milhões? São quadrilhas diferentes, mas com a mesma mentalidade. Um vai para cadeia e o outro se reelege", disse ele, entre batidas na mesa e em tom de revolta.
ALGUNS MOMENTOS COM MARCELO REZENDE
"Acho difícil opinar sobre um assunto tão sério, mas, em alguns casos, sou a favor da pena de morte" | "Falta proteína no Brasil. Quem não come não produz inteligência. É preciso olhar o país como uma pátria" | "Existe um preconceito muito grande de jornalista com o 'mundo cão'. Como se as pessoas vivessem no nirvana" |
Em meio a mortes, crimes perversos e desgraças geradas por um país desigual, Marcelo é adepto do ditado "bandido bom é bandido morto". "Sou a favor da prisão perpétua, mas em alguns casos como estupro, crimes contra criança e idosos, sou a favor da pena de morte. Essa gente não se corrige. Em casos de crimes bárbaros também, não é possível alguém entrar na sua casa, atear fogo e depois rir", justificou o jornalista.
Ainda protestando, o apresentador se mostrou contra o Estatuto do Nascituro (em que as mulheres são obrigadas a ter filhos frutos de violência sexual e aquele que causar, culposamente, morte ao nascituro, pode ser condenado a uma pena de um a três anos de prisão) e defendeu o aborto no Brasil. "É preciso tratar um país fazendo-o entender o que é fazer um filho. Não dá para ter um país em que a mulher é estuprada e a Igreja diz que ela não pode fazer um aborto legalmente. Me explica em que mundo estou. Sou a favor das pessoas arbitrarem seus corpos. É medieval pensar que uma mulher é obrigada a ter um filho depois de ser violentada."
Se colocando na posição de Presidente da República, Rezende disse que teria o combate à corrupção como sua principal tarefa. "O Judiciário ia ter que prender os corruptos. Mas eu entendo que é um pensamento ditatorial e antidemocrático o que estou dizendo", finaliza Marcelo, uma hora antes de entrar no ar com mais um programa.