"Prefiro um fracasso novo a um sucesso antigo", diz autor sobre ibope de "O Dentista Mascarado"
James Cimino
Do UOL, em São Paulo
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Divulgação/TV Globo
Adalberto Paladino (Marcelo Adnet) é um cirurgião-dentista bem-humorado que leva uma vida dupla para combater o crime
Em seu apartamento no bairro de Higienópolis (zona oeste de São Paulo), o casal Alexandre Machado e Fernanda Young, autores das séries globais "Os Normais", "Os Aspones", "Minha Nada Mole Vida", "O Sistema", "Separação", "Macho Man", "Como Aproveitar o Fim do Mundo" e, atualmente, "O Dentista Mascarado", recebem a reportagem do UOL para uma conversa.
Na verdade, desta vez apenas Alexandre Machado dará entrevista. As agendas dos dois são tratadas separadamente. Machado já avisa que não costuma falar com jornalistas e pede para que suas declarações sejam gravadas. E embora não tenha sido definido que o papo seria unicamente sobre o fraco desempenho de "O Dentista Mascarado" em termos de audiência, logo de cara o escritor já vai falando sobre as críticas que a série tem recebido.
O programa, que já marcou 17 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 62 mil domicílios na Grande São Paulo), caiu para índices de 11,5 pontos. "O horário é difícil por inúmeros motivos, mas prefiro um fracasso novo a um sucesso velho", disse o autor.
Além de falar da frustração de não conseguir fazer o público rir com o personagem criado para o estreante Marcelo Adnet, fala que "Os Normais", sua série de maior sucesso nos fins de noite de sexta-feira, também foi bastante criticada no começo. "Sucesso é relativo", diz o roteirista. Leia o relato completo:
UOL – De todas essas séries, as que foram mais sucesso foram "Separação", "Macho Man" e "Os Normais", não?
Alexandre Machado – O Sucesso também é relativo, porque "Os Normais", quando começou, foi muito mal criticado. Esse mito dos "Normais"... Na época não foi nada fácil de escrever "Os Normais". Era sempre nota zero. Matérias criticando, falando que era infantil... Olha a Fernanda aí...
(Entra Fernanda Young, de roupão e com cara de quem tinha acabado de acordar. Ela aponta para o rosto com uma das mãos e diz: "Realidade". Em seguida começa a contar que está acordando às15 h porque foi ao karaokê da Liberdade na noite passada. "Eu tenho espírito de me enfiar em karaokê)
As pessoas ficam insistindo "vai ter mais uma temporada?", "vai ter mais uma temporada?". Eu nunca quis ter segunda temporada de nada. Pelo contrário. A gente cansa. "Os Normais" foi uma luta. Na terceira temporada a gente quis parar. A gente não aguentava mais. E como a equipe é enxuta, apenas duas pessoas, e o trabalho é intenso, a gente meio que esgota os assuntos rapidamente.
Alexandre Machado – Eu não, graças a Deus! (Fernanda recebe uma amiga que veio visitá-la e rapidamente desaparece) Enfim... O sucesso hoje em dia mudou muito, o meio da televisão, as estatísticas, os padrões de sucesso e de preferência. Exemplo: uma das séries que eu mais gostei é "O Sistema" e ninguém entendeu nada na época. Nem os meus amigos entendiam. Obviamente eu trabalho em uma emissora de TV aberta e a medição de audiência é a medição do sucesso do produto lá dentro, embora eu e Fernanda transitemos em uma área que assumidamente é uma ponta de lança. Até pelo horário que ocupamos, que é um horário difícil por muito motivos. Ao mesmo tempo, esse horário combina com nosso espírito, que é experimentar coisas novas. Eu prefiro um fracasso novo a um sucesso velho. Não quero. E as pessoas ficam insistindo "vai ter mais uma temporada?", "vai ter mais uma temporada?". Eu nunca quis ter segunda temporada de nada. Pelo contrário. A gente cansa. "Os Normais" foi uma luta. Na terceira temporada a gente quis parar. A gente não aguentava mais. E como a equipe é enxuta, apenas duas pessoas, e o trabalho é intenso, a gente meio que esgota os assuntos rapidamente. Claro que estamos submetidos aos critérios do meio, mas nós temos os nossos critérios sobre o que vale a pena ser feito e sobre o que não vale. "O Dentista Mascarado", por exemplo, está sendo tratado como o grande mal da TV brasileira hoje em dia. E o que estamos fazendo ali é tentar misturar gêneros. Pode ter dado certo pra uns pode ter dado menos certo pra outros, mas vou continuar experimentando...
UOL – O que mudou no humor desde que vocês estrearam "Os Normais"? E como você acha que essa mudança influenciou na recepção ao "Dentista"?
Alexandre Machado – Eu acho que houve com o "Dentista" foi uma série de expectativas. Ninguém disse que era a coisa mais genial do mundo. Era um programa sobre um dentista que combate o crime. E acho que estamos fazendo um trabalho legal. Não é um novo humor nem um velho humor. Agora nós temos um estilo sim, que é como movimentar o público na televisão hoje em dia. Nós optamos por testar os limites dos assuntos. Cuidado como você vai escrever isso porque você pode me transformar em um Chico Anysio rancoroso. Eu não estou rancoroso, mas fico surpreso com o ódio que "O Dentista Mascarado" tem gerado...
UOL – Você não acha que isso tem um pouco a ver com o desejo oculto que as pessoas têm de ver o Adnet ir para a Globo e se dar mal?
Alexandre Machado – Sim. As pessoas estão adorando. Mas nós estamos falando com 12 milhões de pessoas na sexta-feira à noite [na verdade, 11,5 pontos equivalem a 713 mil domicílios na Grande São Paulo]. É um fracasso? Eu acho muito relativo. Para mim não é. Obviamente eu adoraria que tivesse continuado com os 17 do começo. Televisão é coisa de equipe. Alguma coisa deu errado, já que decepcionou tanta gente...
UOL – Mas você acha que decepcionou a emissora, por exemplo?
Alexandre Machado – Eu acho que não. Claro que eles contrataram o Adnet etc... Acho que decepcionou a emissora tanto quanto a mim e à Fernanda, porque nós esperávamos uma resposta mais legal. Nós estamos tentando fazer rir e se as pessoas não estão achando graça é decepcionante. Não vejo nenhum erro fundamental a não ser tentar experimentar. A Globo podia pegar o Adnet e mandar ele fazer exatamente o que ele faria e eu e a Fernanda fazermos exatamente o que a gente faria, alguma comédia de casal, mas graças a Deus temos a liberdade de experimentar. Queremos experimentar. Mas ver que toda experiência dentro desse ambiente é tratada como um atentado ao gosto coletivo? As pessoas foram muito agressivas em algumas críticas aí...
UOL – O que disseram?
Alexandre Machado – Ah, as pessoas ficaram indignadas. Para mim o problema de um crítico que critica um roteiro, é que tanto eu, quanto ele ou ela, nós escrevemos. Temos o mesmo dom. Se o cara sabe exatamente como escrever um roteiro de um programa, vai lá escrever e faz! A televisão, o jornalismo, a literatura, as artes estão mudando drasticamente. As pessoas ainda estão investigando o que as pessoas querem ver sozinhas, em família... São variáveis muito grandes... Agora, o "Surtadas na Yoga" [outra série da dupla, em cartaz no canal a cabo GNT] está sendo uma experiência boa...
UOL – Vocês gostam de trabalhar esses tipos obsessivos, não?
Alexandre Machado – Olha, essa pergunta é boa, mas pressupõe que a gente faz só o que gosta. Não é bem assim. É um misto de gostar, de conhecer esse tipo de pessoa e de fazer as pessoas comentarem no dia seguinte. Eu tenho essa coisa de publicitário na veia e então eu não consigo fazer uma coisinha legal, que as pessoas achem legal e que todo mundo ache legal. Não gosto. Eu vou fazer barulho de alguma maneira. Eu estou em televisão. Senão eu ia fazer artes plásticas, estava sendo cool e tocando jazz em algum lugar. Não, eu estou em televisão, eu gosto de estar em televisão e televisão é aparecer. É fazer o novo, é tentar surpreender. Evidentemente nem todo mundo acerta e nem toda hora a gente acerta.