"Até piada de português fomos proibidos de fazer na Record", dizem Hermes e Renato em volta à MTV
James CiminoDo UOL, em São Paulo
Ostracismo. É assim que os integrantes do humorístico "Hermes e Renato", que reestreia na MTV no próximo dia 25, definem o período em que estiveram na Record. Desde que deixaram seu posto na emissora musical e se tornaram atração do programa "Legendários", em 2010, o grupo deixou de comandar sua linha editorial e afirma ter sofrido diversas interferências na maneira em que faziam suas esquetes que, na MTV, passavam longe do politicamente correto.
Em entrevista ao UOL na última sexta-feira (12), Marco Antonio Alves, o Hermes, e Fausto Fanti, o Renato, ambos com 34 anos e amigos desde a infância em Petrópolis (região serrana do Rio de Janeiro) falaram dos obstáculos que enfrentaram na emissora de Edir Macedo e por que voltaram à MTV. "Até piada de português fomos proibidos de fazer." Leia a entrevista completa:
UOL - Antes de ir para a Record, vários quadros seus, como o Padre Gato e o Palhaço Gozo, eram bastante comentados nas redes sociais. Depois quase não se ouviu falar mais de Hermes e Renato. Vocês passaram por um período de ostracismo?
Renato - Olha, no início, em 2010, conseguimos manter a mesma linguagem com a vantagem de ter mais dinheiro e mais produção. Mas o "Legendários" sofreu muitas alterações. A proposta inicial, que era de ser um programa irreverente no qual teríamos a função de produzir esquetes de humor mudou totalmente. O "Legendários" acabou virando um programa de auditório.
"Não faz essa piada que o público não vai entender..." Poxa, a gente acha isso tão prepotente. Como eles sabem o que o público vai ou não entender? E que público é esse? A gente não sabia. Achamos que nem a Record sabe qual é o público dela.
O público que vocês tinham na MTV não seguiu vocês?
Hermes - Na MTV a gente criou um público e sabíamos com quem estávamos falando. A MTV tem um público segmentado. A Record não. É uma TV aberta. E quanto maior o teu público, menor a tua liberdade. A gente já sabia que ia ter limitação de falar palavrão, por exemplo. Só que começamos a sofrer muita interferência.
Vocês sofriam censura dos bispos?
Renato - Não, não. Nunca aconteceu de vir bispo da Igreja Universal censurar a gente. Mas a questão toda é que a gente não era o motorista do ônibus. Por isso esse período de ostracismo. Nosso processo criativo é muito intuitivo e muito nosso. Então fazíamos uma esquete e vinha gente falando: "Não faz essa piada que o público não vai entender..." Poxa, a gente acha isso tão prepotente. Como eles sabem o que o público vai ou não entender? E que público é esse? A gente não sabia. Achamos que nem a Record sabe qual é o público dela.
Vocês podem contar algum tipo de piada que vocês tiveram que deixar de fazer?
Hermes - Ah, eles têm muito medo de tomar processo, né? Então chegou a um ponto em que a gente não pôde mais nem fazer piada de português, porque alguma associação lusitana, ou a embaixada de Portugal, não sei qual, mandou carta falando que a gente desrespeitava os portugueses e tal... O mundo tá muito chato...
Os humoristas, os autores de novela, todos têm reclamado muito da tal onda do politicamente correto que está tolhendo sua liberdade criativa. Mas qual o limite entre a piada e a ofensa, na sua opinião?
Renato - O limite é o do bom senso. Quando a coisa deixa de ser piada e vira agressão? Quando você começa a rir da pessoa por algo que não tem graça. Por exemplo aquela piada do Danilo Gentili sobre os judeus de Higienópolis e o trem para Auschwitz, não tem a menor graça. Que graça tem no holocausto? Nenhuma! Você vai rir de um paraplégico e fazer piada por ele ser paraplégico? Não. Mas você pode fazer piada sobre as pessoas que maltratam ou que têm preconceito com o paraplégico por sua limitação. Isso não quer dizer que a gente não tome processo. Fomos processados por um quadro chamado "Programa do Mal", que tinha várias entidades da umbanda e do candomblé fazendo uma mesa redonda, discutindo os despachos, as oferendas... Os representantes dessas religiões não gostaram...
Por que vocês acham que os humoristas perderam esse bom senso?
Hermes - A proliferação da comédia stand up criou muitos humoristas. E como o mercado está cheio, o cara precisa aparecer. O que ele faz então? Começa a agredir. Como o [deputado pastor Marco] Feliciano. Não vamos fazer piada sobre o Feliciano. A gente não é engajado. Mas principalmente porque é impossível de concorrer com o próprio Feliciano. Ele é uma piada constante.
O que vocês vão trazer de novo para essa reestreia?
Renato - A gente tem duas responsabilidades: voltar com alguns personagens marcantes, que nosso público gosta; e dar nova roupagem ao Boça [Felipe Torres] e ao Joselito [Adriano Pereira]. Teremos também um quadro novo, que é uma sátira aos Três Patetas. Vai se chamar os Três Carecas, que são três neonazistas. Também vai ter o "Brasil Mulambo", que é um programa que tira sarro desses programas de apelação que se aproveitam da miséria alheia para ter audiência. E o Gozo também volta, mas em forma de vinhetas entre os quadros.
A gente percebe que vocês usam umas gírias próprias, talvez por vocês serem amigos desde a infância. Rola muita piada interna?
A proliferação da comédia stand up criou muitos humoristas. E como o mercado está cheio, o cara precisa aparecer. O que ele faz então? Começa a agredir.
Idem, sobre os novos comediantesHermes - Ah, sim! Esses neologismos que a gente usa é coisa de turma mesmo. Joselito, por exemplo, é um adjetivo que criamos por causa de um cunhado meu que tinha esse nome e era totalmente sem noção. No primeiro dia que ele foi em casa já foi abrindo as panelas, jogava cachorro na piscina, dava porrada em você sem motivo. E a ideia de começar a filmar nossas esquetes foi do cunhado anterior. A irmã do Fausto teve papel importantíssimo na nossa vida (risos).
Desde que vocês saíram da MTV, outros modelos e grupos de comédia surgiram. Como vocês veem essa concorrência com o "Porta dos Fundos" e o stand up, por exemplo?
Hermes - Olha, particularmente a gente não acha graça em stand up porque ele tem um formato engessado. Já vimos coisas muito engraçadas, claro, mas no geral é forçado. Quanto ao "Porta dos Fundos" a gente não vê concorrência. Achamos inclusive que o [Fábio] Porchat e o [Marcelo] Adnet cresceram vendo a gente e têm ali no humor deles alguma influência nossa.