60 ANOS DA TELENOVELA: "Tem ator que fala mal da Globo, mas daria uma perna para entrar", diz Herson Capri

JAMES CIMINO

Editor-assistente de UOL Entretenimento

Na quarta entrevista da série que celebra os 60 anos da telenovela no Brasil, completos nessa quarta-feira (21), o UOL Televisão conversou com o ator Herson Capri. Em cartaz em São Paulo com a peça “Conversando com Mamãe”, em que contracena com Beatriz Segall, o ator curitibano falou, na cobertura do hotel onde estava hospedado nos Jardins, sobre sua experiência como galã.

Segundo Capri, fazer galã é muito difícil devido ao pouco repertório de emoções que o personagem pode apresentar, ironizou os críticos da Rede Globo e disse que seu melhor personagem até hoje foi o banqueiro Horácio Cortez, de “Insensato Coração”. Leia a entrevista abaixo:

UOL – Como você começou a carreira de ator?

Herson Capri –Comecei a fazer teatro no meu colégio em Curitiba, o Colégio Estadual do Paraná, que tinha uma escolinha de artes que tinha tudo: pintura, cerâmica, música e tinha teatro também. Teve uma época que um grupo de alunos resolveu fazer a peça e eu me enfiei nessa peça e tomei gosto pela coisa. Cheguei a fazer faculdade economia na USP, mas eu acabei no teatro. Sempre fiz teatro. Aqui em São Paulo eu comecei na TV Tupi, já depois de fazer muito teatro. Fui fazer um teste para uma novela chamada “A Vila do Arco”, adaptação do conto do Machado de Assis “O Alienista”, com o Laerte Morrone. Era um papel muito pequeno. Eu era dono de um bar, tinha uma cena por semana, quase sem fala. Fui bem, gostaram, aí me chamaram para uma novela chamada “Tchan! A Grande Sacada”, do Marcos Rey. Eu contracenava com Marcia Lafond, Joana Fomm, Nádia Lippi e Raul Cortez. Logo depois fui para a Bandeirantes e fiz uma novela chamada “Um Homem Muito Especial”, que era o Rubens de Falco, mas tinha a Bruna Lombardi e o [Carlos Alberto] Ricelli, e eu fazia um vilão, meu primeiro vilão. Também emendei na Bandeirantes “Os Imigrantes”, uma novela que me projetou para a Globo. Eu fazia um imigrante italiano chegando ao Brasil no começo do século 19. Foi muito bem, principalmente os 30 primeiros capítulos que eu fazia, depois a novela dava um salto de 30 anos e o Rubens de Falco pegava o meu papel. Aí continuei fazendo teatro, mas a Globo me chamou e eu comecei lá com “Elas Por Elas”, do Cassiano Gabus Mendes. Eu contracenava com a Sandra Brea e a Elizabeth Savalla.

UOL – Quando você começou a fazer novela, era um gênero que já tinha o status profissional que tem hoje?

Lucas Lima/UOL
Geralmente os galãs querem ser atores intensos e os atores intensos querem ser galãs. Fazer galã é a coisa mais difícil que existe no mundo. O galã sempre corre o risco de ser chatinho de fazer...

Herson Capri, ator

Herson Capri –Quando eu comecei não tinha esse grau de profissionalismo que tem hoje, mas já éramos o país da novela. A TV Excelsior “bombou” fazendo novela com a Regina Duarte. O povo que vinha para a televisão era de rádio, de teatro e da publicidade, tanto que o Boni veio da publicidade para a Globo e levantou a Globo. Não era como é agora, mas tinha uma audiência muito grande e os atores de novela já faziam muito sucesso nessa época.

UOL – E você já sabia que você ia acabar fazendo TV? Era um desejo?

Herson Capri –Eu queria fazer trabalho como ator, fosse onde fosse. A televisão veio muito como subsistência, da necessidade de sobreviver. O teatro é tão inconstante... Nessa época, especialmente os intelectuais tinha preconceito com novela. A novela era considerada uma obra menor, fútil e superficial. Quem acabou com isso foi o Boni e aí tivemos a oportunidade de definir a novela como um processo industrial e todo mundo assumiu isso como normal. Eu até tinha um pouco desse preconceito. Eu não dava muita importância...

UOL – E hoje, como você o seu papel na TV?

Herson Capri – A novela tem um componente popular, que sem ele a indústria não anda. Então se você colocar um material muito denso, muito intelectual, uma discussão mais profunda, não tem audiência. Então temos uma audiência condizente com nível intelectual e cultural do brasileiro. Isso é uma discussão muito mais profunda que vai além da televisão. Nível público de ensino que tem que ser melhorado, reformado. A televisão está fazendo sua parte. Ela está dentro de um sistema capitalista que visa o lucro e ela está obtendo o lucro. Então, discuta-se o sistema, não a televisão. Com o sistema discutido, modificado e aprimorado, a televisão com certeza vai se modificar e se aprimorar. E como fator positivo, a televisão tem sido, há muito anos, talvez o único ponto de integração nacional realmente. Você tem todos os sotaques, os regionalismos, as modas. O que chega de moda da Europa e dos Estados Unidos a São Paulo e ao Rio vai para o resto do Brasil através da TV. Você pode discutir, criticar, mas é um fator de integração. Deveria ser a educação, como é na França, mas não é...

UOL – Quais foram seus papeis mais marcantes?

Herson Capri – O Cortez foi muito especial, foi marcante, foi para sempre. Ele era muito bem escrito pelo Gilberto Braga e pelo Ricardo Linhares. Acho que foi o melhor personagem que eu fiz, embora seja vilão. Ele denunciava o empresário corrupto, que não paga imposto. Um cara desses acaba sendo um assassino, porque ele desvia dinheiro de hospitais, de escolas. A discussão ética é muito importante e está acontecendo mundialmente. Inclusive a discussão do sistema passa pela ética, afinal, que sistema é esse que faz miseráveis? Outro personagem que foi muito marcante foi o de “Os Imigrantes”. Gostei de fazer também o Ramiro de “Tropicaliente”, gostoso de fazer, praia o tempo todo. Não sei se tenho mais idade para isso, mas na época gostei. E teve “Renascer”, do Benedito Ruy Barbosa, que era o vilão, mas tinha um teor de comédia muito legal, o coronel Teodoro. E o Benedito tem uma escrita tão gostosa que ele consegue colocar o sotaque no texto. O personagem fala de um jeito que você não precisa nem trabalhar o sotaque. Sai naturalmente.

UOL – Como é fazer papel de galã?

Herson Capri – Geralmente os galãs querem ser atores intensos e os atores intensos querem ser galãs. Fazer galã é a coisa mais difícil que existe no mundo, porque ele tem as mesmas chaves sempre. Ele é sedutor, tem uma sensualidade recatada, ele é totalmente ético, então ele é quase sempre o mesmo, com algumas variações. Às vezes tem o anti-galã, que é o cara totalmente ético, mas é grosseiro. O galã sempre corre o risco de ser chatinho de fazer...

Lucas Lima/UOL
Você pode discutir, criticar, mas [a novela] é um fator de integração nacional. Deveria ser a educação, como é na França, mas não é...

Herson Capri, ator

UOL – Você acha que o galã acaba sendo chato porque é um tipo de personagem que não condiz com a nossa realidade nem sempre ética?

Herson Capri – Não sei dizer. Mas a novela sobrevive desse maniqueísmo. Tem umas questões que são fundamentais para a novela. Paixão: tem que ter. Traição, ciúme. E tem que transitar entre o bem e o mal. Mas o público vai de cabeça. Talvez se o público tivesse uma escolaridade maravilhosa, pudesse se fazer tipos menos primários.

UOL – E fazer o vilão?

Herson Capri – Fazer o vilão é maravilhoso! Ele é definido. É mais fácil, embora dê mais trabalho. Ele quer roubar para se dar bem. A ética dele é egocêntrica. Como a maioria das pessoas são, mas como somos racionais e aprendemos ética na escola ou na religião, a gente se controla.

UOL – E o vilão é mesmo pesado de fazer?

Herson Capri – Às vezes é, mas o Cortez, por exemplo, era engraçado. O coronel Teodoro era engraçado. Mandava matar, mas roubava a calcinha da empregada porque não conseguia conquistar a Joaninha [Tereza Seiblitz] e pedia para a própria mulher botar a calcinha roubada para se excitar. O vilão tem mais possibilidades, mais matizes. Ele é mais necessário para a novela. O sucesso de “Insensato Coração” foi por conta do Léo, do Cortez e depois da Norma. Isso levou a novela lá para cima.

UOL – Eu li em algum lugar que a tua mulher controla tuas cenas de beijo, é verdade?

Herson Capri – Controla não, também não é assim. Ela ajuda. Ela é diretora de teatro e tem esse lado de público. Então, quando ela vê um beijo que não tá bonito, ela fala: “Não tá bacana, não acreditei nesse beijo. Beija melhor!”

UOL – Quando você viu sua primeira novela?

Herson Capri – Eu nunca via novela. Na minha casa ninguém via novela. Meus filhos não veem, mas assistimos “Insensato Coração” pela primeira vez por insistência da Susana [Garcia, mulher do ator]. Foi a única novela da nossa vida. Na casa do meu pai também não se via. Ele tinha aquela visão crítica da televisão.

UOL – E quando você virou ator de novela?

Herson Capri – Aí ele virou tiete. Hahahaha! Fala, fala, fala, mas aí quando entra na Globo não fala mais. Tem muita gente assim. Tem muito ator que fala mal da Globo, mas dá uma perna para entrar! Porque a Globo é uma grande empresa que te dá condição de fazer tudo. Mas voltando à tua pergunta, sobre a primeira novela, eu me lembro é de nutrir uma paixão pela Leila Diniz, em o “Sheik de Agadir”. Lembro do rostinho dela, da areia, dos cavalos. Eu devia ter 11 ou 12 anos...

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