60 ANOS DA TELENOVELA: "Ela parecia cega, surda e muda. Aí não dá!", diz Mariana Ximenes sobre mocinha que interpretou

JAMES CIMINO

Editor-assistente de UOL Entretenimento

  • Luisa Romano/UOL

    "Eu acho que não existe mocinha sem uma boa vilã e vice-versa."

    "Eu acho que não existe mocinha sem uma boa vilã e vice-versa."

Na segunda entrevista sobre os 60 anos da telenovela no Brasil, o UOL Televisão conversou com Mariana Ximenes. A atriz começou aos 16 anos no SBT com a novela “Fascinação”, de Walcyr Carrasco, em que contracenava com Regiane Alves, Caio Blat e Marcos Damigo. De lá para cá foram doze novelas, duas minisséries e diversas participações em seriados. A atriz deu entrevista no camarim de sua peça “Os Altruístas” em que interpreta uma atriz de novelas e contou que já interpretou uma mocinha que parecia “cega, surda e muda”.

Antes da entrevista, que foi gravada, mas não pôde ter suas imagens veiculadas por veto da Rede Globo, a atriz fez questão de “dirigir” cada detalhe que iria aparecer refletido nos espelhos e, por fim, no vídeo. Mudou as araras de lugar, escondeu uma tomada com um vaso de flores, recusou a tigela de frutas sobre o balcão por achar “meio mórbido”. A cada mudança, olhava no visor da câmera para checar se tudo estava de seu agradado e, apenas quando cada objeto estava em seu lugar, sentou-se para dar entrevista. Questionada quando iria dirigir seu primeiro filme, riu e disse: “Por enquanto não.” Leia mais abaixo:

UOL – Na tua peça “Os Altruístas”, você interpreta uma atriz de novelas que afirma sofrer preconceito de seus amigos cultos pela profissão que tem. Já aconteceu isso contigo?

Mariana Ximenes – As pessoas costumam rotular muito. Mas eu tenho 14 anos de carreira e consegui fazer um pouquinho de teatro, um pouquinho de cinema e bastante televisão. Geralmente o público brasileiro vê mais TV porque tem mais acesso. Outro dia entrei no táxi e o taxista me perguntou: “Mas você sumiu das novelas?” Então, de alguma maneira, as pessoas cobram bastante quando você não está em novela.

Luisa Romano/UOL
A primeira vez que eu entrei no estúdio foi fascinante! Eu lembro que eu deitava no chão e ficava olhando aqueles refletores. E vira e mexe eu faço isso. Se tem uma cena na cama, eu deito e fico olhando aquele mundo de refletores. Vira e mexe eu faço isso. E sempre me remete a essa imagem de quando eu olhei desse ângulo, de dentro do estúdio

Mariana Ximenes, atriz

UOL – Você se lembra da primeira vez que você entrou em um estúdio para gravar uma novela?

Mariana Ximenes – A primeira vez que eu entrei no estúdio foi fascinante. Na verdade, toda primeira vez que eu entro no estúdio para um trabalho novo é sempre fascinante. Porque apesar de o ambiente ter se tornado familiar, aquelas cinco câmeras, aqueles refletores, aquele lugar enorme, os cenários... Cada trabalho que começa é uma emoção diferente, porque é um personagem diferente, é uma experiência com pessoas diferentes. É tudo novo. Agora a primeira vez eu lembro que fiquei super emocionada. E era o início da realização de um sonho, porque eu sempre quis ser atriz. Eu lembro que eu deitava no chão e ficava olhando aqueles refletores. E vira e mexe eu faço isso. Se tem uma cena na cama, eu deito e fico olhando aquele mundo de refletores. E sempre me remete a essa primeira imagem de quando eu olhei pela primeira vez, desse ângulo, de dentro do estúdio.

UOL – Você percebe que pertence a uma geração de atores que primeiro aprende tudo na TV dando a cara a tapa e depois vai para o teatro?

Mariana Ximenes – Não, eu não acho que dê para rotular assim não. Tem muito ator que começou no teatro e foi para a TV. Eu comecei no Teatro Escola Célia Helena, aí eu fui fazendo umas campanhas de publicidade, fiz até um longa-metragem bilíngue, pois eu havia feito intercâmbio e filmávamos em português e inglês, mas o filme acabou não sendo lançado. Então antes de fazer TV eu fazia teatro e cinema. Mas eu acho que a gente como ator tem que fazer cada vez mais teatro.

UOL – Conta um pouco sobre a experiência de fazer a mocinha e a vilã...

Mariana Ximenes – Eu acho que não existe mocinha sem uma boa vilã e vice-versa. É uma estrutura de dramaturgia. Eu penso que se você tem uma mocinha, você tem que ter um traço para balancear a condução da trama ingênua proposta por ela. Ou ela tem que ter humor, ou ela tem que ter pimenta, alguma coisa, para não ficar chata...

UOL – Alguma vez você olhou para alguma mocinha sua e pensou: “ai que chata!”?

Mariana Ximenes – Já aconteceu sim. Mas eu tento driblar...

UOL – Quem era?

Mariana Ximenes – Não posso contar! Hahahahaha!

Luisa Romano/UOL
Eu conheci uma caseira de uma fazenda que ela me mostrou que ela tinha um rádio e uma TV e que ela nunca tinha saído de lá. Ela só conhecia o mundo através da TV. Mudou até a minha maneira de pensar, porque realmente a TV instrui, ou não... Provoca... Mas de alguma maneira mostra o "mundo" para as pessoas.

Mariana Ximenes, atriz

UOL – Mas o que ela tinha de chato?

Mariana Ximenes – Parece que a estrutura da personagem dava a ideia de que ela era cega, surda e muda! Aí não dá, né? Tem como fazer sem ficar chata, monótona, monocórdia... Tem que driblar às vezes, hahahaha!

UOL – A Clara deu muito trabalho?

Mariana Ximenes – Deu. Era um volume de trabalho muito grande. Realmente, quando você decide fazer uma novela, você saiba que tem muito trabalho. E eu também não gosto de decorar na hora. Então o meu domingo, que é o dia em que a gente não grava, é dedicado a decorar, a trabalhar, a ver partitura de texto. Eu tenho uma pessoa que estuda o texto comigo. Eu fico num trabalho contínuo e constante. Eu gosto de olhar cena a cena. Tem que ter disciplina e dedicação, mas eu faço com o maior prazer.

UOL – Você acredita naquilo que a tua personagem fala, que as pessoas precisam de novela e que você é a rainha do trabalho voluntário?

Mariana Ximenes – Hahahaha! É muito irônico, né? Mas eu acredito que o brasileiro adora novela, porque virou uma tradição... Todo mundo tem televisão em casa. Mesmo com muita diferença social. Uma vez eu fui para o Nordeste e conheci gente que não tinha geladeira, mas tinha televisão. E a casa fica ocupada. De alguma maneira, às vezes é a única janela que a pessoa tem para o mundo. Eu conheci uma caseira de uma fazenda que ela me mostrou que ela tinha um rádio e uma TV e que ela nunca tinha saído de lá. Ela só conhecia o mundo através da TV.

UOL – E o que você sentiu com isso?

Mariana Ximenes – Mudou até a minha maneira de pensar, porque realmente a TV instrui, ou não... Provoca... Mas de alguma maneira mostra o “mundo” para as pessoas. Então acho que cada vez mais as pessoas têm que ter esse compromisso [ao fazer televisão]. De qualquer modo, eu acho que a TV é um ótimo entretenimento e eu adoro fazer novela!

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