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05/11/2005
"América" é a primeira 'dramédia' mexicana feita no Brasil


O capítulo não acabava nunca. Haja gente de branco, haja dança, haja beijos e lágrimas. E no fim, "América" não mostrou o beijo de Zeca e Júnior, tão anunciado e debatido, aguardado com ansiedade por uns, com curiosidade por outros e com antipatia por uns outros tantos. Foi insinuado, pôde ser inferido pela expressão dos personagens, mas não foi visto.

E pensar no escarcéu que a TV Globo vinha fazendo, como se a exibição fosse uma certeza e a emissora quisesse apenas "tomar o pulso" do público, prever se o brasileiro reagiria com tolerância ou indignação. O fato é que ninguém imaginou que o tal beijo pudesse ser apenas um factóide.

Surpresa enorme e generalizada, mas veja bem, leitor: esse "forfait" é muito coerente com a tônica de "América", que desde a estréia promete uma coisa, entrega outra e não dá bola a quem se incomoda com o truque.

PORTUGUÊS FLUENTE

Logo de cara tivemos de engolir o "fato" de que, por algum estranho fenômeno cultural, muitos americanos de Miami falam a língua de Rui Barbosa sem o menor sotaque, e conversam entre si em português mesmo quando não há brasileiros por perto. E agora soubemos que os brasileiros de lá têm mais sorte na loteria do "green card", do que anão do orçamento em sorteio da Loto.

Descobrimos também que Miami tem muitos mexicanos, e quase não se nota ali a presença de cubanos. E que a Flórida, embora conhecida pelo belo litoral, pelos pântanos infestados de aligátores e pelos parques temáticos é, na verdade, um estado de poderosa economia agropecuária, onde há rodeios tão prestigiados que atraem peões até do Brasil.

Tivemos o duvidoso privilégio de conhecer, no interior paulista, a cidade de Boiadeiros, muito freqüentada por cariocas da gema, que só tiram chapéu para tomar banho e estão sempre em busca de uma boa música sertaneja em "playback". E passamos a suspeitar que a cidade inteira vive de pensão do INSS, pois ninguém trabalhava: de dia só fofocam e conspiram, e toda noite se juntam para um rodeio ou bailão.

É PRECISO SABER VIVER

Conhecemos melhor a problemática dos deficientes visuais, graças a um fictício programa de TV, que tem audiência de jogo do Brasil em Copa do Mundo: todos paravam de trabalhar para assisti-lo. E vimos um personagem cego capotando um carro velho e fazendo merchandising de um carro novo, que ele apalpou por breves segundos e já foi definindo como "maneiríssimo".

Diante desses e de outros erros, exageros e absurdos que "América" vinha mostrando desde março, os capítulos finais não poderiam ser econômicos nas barbaridades. Para dar a cada personagem o final que merecia, Glória Perez teve de desatar de uma só vez todos os nós que construiu ao longo da trama, e para fazê-lo recorreu a remorsos súbitos, perdões expressos e transformações repentinas -e daí surgiram as últimas maluquices.

ÚLTIMO CAPÍTULO

A viúva Neuta, por exemplo, depois de passar um bom tempo cismada, torcendo o nariz para a amizade demasiado próxima entre seu filho Júnior e o peão Zeca, viu suas suspeitas se confirmarem. Primeiro ficou perplexa, depois furiosa e finalmente frustrada, e foi chorar copiosamente, trancada no quarto, o inconformismo por ter um filho gay. Mas no dia seguinte, como que por encanto, transformou-se na mãe mais compreensiva e solidária do mundo, fez as pazes com Júnior e só faltou dizer que sempre sonhara usar um vestido desenhado por ele.

Em Vila Isabel, a jararaca Diva, que passara a novela toda insultando e conspirando contra Islene, suplicou ajuda da loura para reanimar Feitosa, que ficara catatônico ao saber que a beata e virtuosa Creusa era tão falsa quanto uma nota de três reais. Só mesmo a mãe para achar que o Feitosa, com aquela barriga de cervejeiro, estava "definhando". Mas absurdo maior foi Diva se converter, de hora para outra, em fãzoca da belicosa Islene, que por sua vez estava noiva de outro, mas precisou só de uns minutos de conversa fiada para se atirar nos braços de Feitosa.

Em fim de novela tudo se aceita e perdoa, e do clima de misericórdia não escapa nem a Justiça. O empresário Glauco vinha há tempos lavando dinheiro e lesando o Fisco, dois atos criminosos, mas para sair "limpinho da silva" bastou ele quitar as dívidas, por exigência da noiva Lurdinha. E assim, sem conferir um DARF, sem grampear telefone nem expedir intimação, a ninfeta fez mais pela arrecadação federal do que uma delegacia inteira da Receita.

Os protagonistas Tião e Sol viveram atribulações de última hora. Enquanto Sol voltava aos EUA violando a lei de imigração, Tião obedecia à lei da gravidade e se esborrachava na arena, depois de ser jogado ao alto pelo touro Bandido. Entrou num coma movimentadíssimo, onde conheceu duas santas, esteve no limbo, no purgatório, às portas do inferno e até conversou com o finado pai, em cenários sombrios que ora lembravam "Hoje é dia de Maria" sem bonecos, ora o "Cirque de Soleil" com baixo orçamento, como bem lembrou José Simão, ora o subsolo da escola de Harry Potter, habitado por monstros. Aliás, Tião também encontrou o seu: um touro de três cabeças que mugia ameaçador, tendo como fundo um coro sombrio que evocava a presença do demônio.

Coro parecido acompanhou a desesperada Sol, que se perdeu em alto mar sobre uma frágil jangada, açoitada por uma violenta tempestade e ondas gigantescas, e só por milagre chegou à costa americana. A heroína estava exausta, fraca, havia vários dias sem água e comida, mas imediatamente saiu correndo para Miami, no melhor estilo "putz, esqueci que eu estava morrendo".

Mais "ameriquices"? Vamos lá. Jatobá e Vera se casaram em uma igreja vazia, tendo como companhia apenas o cão Quartz. E fizeram um número de dança em que Jatobá sempre sabia exatamente onde Vera estava. Já a malvada May, triste com a partida de Ed, encontrou no saguão do aeroporto a cantora de seu tema musical, em plena performance. A gringa chorou, chorou, depois foi se autoflagelar andando de salto alto sobre um chão coberto de pedregulhos. Haydée, que não conseguia se livrar da cleptomania, apareceu em Miami curadíssima, largando no chão a écharpe com que disfarçava os furtos.

Diante disso tudo, dizer o quê? Se for olhada a sério, "América" deve ser uma das piores novelas já escritas. Vista como drama ela provoca risadas, mas como comédia é insatisfatória. Talvez lhe caiba o termo "dramédia", usado pelos americanos para certas séries agridoces, mas ele não cobre o lado trash da novela. Talvez resolva, então, dizer que "América" é a primeira dramédia mexicana feita no Brasil. E torcer para que tão cedo não tenha concorrentes.

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