Sem empatia com o público, Sol apela ao coração Todo mundo já deve ter ouvido falar da Lei de Murphy. Seu enunciado pode variar um pouco segundo a fonte, já que ela nunca foi publicada no Diário Oficial, mas, na essência, diz sempre o seguinte: "se há possibilidade de alguma coisa dar errado, com certeza dará". Pois a mocinha Sol (Débora Secco), estrela de "América", se tivesse um pouco de juízo e visão empresarial, desistiria de vez do "sonho americano" e trataria de enriquecer aqui mesmo, dando palestras a homens de negócios sobre a veracidade --e os perigos!-- da Lei de Murphy. Para isso ela só teria de vencer a aversão a trabalho intelectual e fazer um curso de PowerPoint, para montar as apresentações, pois material para os slides a heroína já tem, farto e barato: são todas as desgraças que vêm lhe acontecendo desde o começo da novela. E são muitas porque a capacidade dela, de sair incólume das enrascadas, é tão grande quanto à de se meter nelas. É difícil acreditar que quando começou a escrever "América", a autora Glória Perez já tivesse planejado tão longo calvário para a personagem. É mais lógico supor que, devido à falta de empatia de Sol com o público, quem sabe devido a sua crônica tendência a mentir, manipular e trapacear, Perez não teve alternativa senão apelar ao coração: já que ninguém gosta da moça, que ao menos tenham dó dela. E dá-lhe sofrimento. Para não ser injusto com o destino, convém esclarecer que nem tudo o que acontece a Sol é culpa do acaso ou dos outros. Sempre que pode usar o livre arbítrio, Sol invariavelmente escolhe a coisa mais estúpida a fazer. É como se houvesse uma "Lei de Sol": entre duas ações possíveis, ela certamente escolherá a pior alternativa. E o episódio do nascimento de seu bebê é exemplar desse comportamento. Estando em litígio com o pai do bebê, e na fase final da gravidez, qualquer mãe de primeira viagem trataria de ficar em casa, ainda mais tendo uma família bacana como a de Sol. No entanto, podendo ficar em segurança junto da mãe compreensiva, da irmã afetuosa e do padrasto generoso, a moça preferiu ir a Boiadeiros atazanar o pobre Tião; como se o peão precisasse de mais estresse, com um touro Bandido a olhá-lo lambendo os beiços e um médium atrapalhado que nunca lhe explica nada direito, pois deve ter conexão discada para o mundo espiritual. Mas muito bem. Ignorando o aviso representado por uma dor aguda na noite anterior, Sol não se importou de ficar sozinha em casa e despachou a amiga Malu (Clarisse Derzie) para uma balada rural na cidade, enquanto raios e trovões prenunciavam uma tempestade bíblica, e, coisa raríssima em "América", não havia telefone celular à vista. Repare o leitor no potencial catastrófico da cena. Naturalmente, mal começado o toró, começaram as dores do parto. Sol pegou o telefone fixo, mas ele havia parado de funcionar. Que encrenca! Era hora de raciocinar friamente: analisar as alternativas, medir as conseqüências de cada uma, escolher a mais razoável e agir com cautela. E o que ela fez? Logicamente, entrou em parafuso e saiu para o meio de um aguaceiro que nem a própria Mãe D'Água ousaria enfrentar. Uma vez lá fora, ela deveria seguir pela estrada, onde seria maior a chance de encontrar outro ser humano, não é? Mas claro que Sol foi direto para o meio de um pasto, embora até o cão Quartz saiba que não se deve andar em campo aberto durante uma tempestade de raios. O resto da história, bem, o leitor já deve imaginar: Sol novamente escapou ilesa de sua própria imprudência. Achou um paiol mais limpo que hall de prédio da Av. Paulista e ali deu à luz um bebê tão desenvolvido que, não tivesse um problema de saúde, o prestativo Tião o teria levado direto à escolinha, com lancheira a tiracolo e uma caixa de lápis de cera na mão. Os próximos episódios da via crucis? O bebê nasce com um grave problema cardíaco e, para ajudá-lo, parece que Sol tentará de novo entrar nos EUA.
Se der tempo, antes de terminar a novela, parece que terá a malha fina da Receita Federal e, claro, a contribuinte Sol terá sua restituição no último capítulo. | | |