Excesso de merchandising transforma "Pra Valer" em "Pra Vender" No final do mês passado, estreou na Band a revista feminina "Pra Valer", apresentada por Claudete Troiano, a mesma que por 15 anos esteve com Ione Borges no "Mulheres", da TV Gazeta, que desde 2002 é apresentado por Cátia Fonseca, que em 2000 foi substituída por Troiano no "Note & Anote", para onde Fonseca fora em 1999, no lugar de Ana Maria Braga, que acabou trocando a Record pela Globo para fazer o "Mais Você". É meio confuso, mas é assim que funciona.
Assim como âncoras de telejornais, apresentadoras de programas femininos trocam de emissora regularmente; e se podem fazê-lo sem maiores problemas, é porque, da mesma forma que os noticiários, essas atrações são muito parecidas entre si. Todas falam de moda, culinária, medicina, beleza, fofocas... Um roteiro milenar que Troiano, veterana da TV e desse tipo de programa, tira de letra. Ainda adolescente, no final dos anos 60, Claudete Troiano já ganhava a vida na telinha. Loira, bonita e espevitada, um arquétipo de Xuxa, Angélica e Eliana, mas sem marcas de patrocínio, ela tinha na mesma Band um programa infantil de nome "Tic Tac", com brincadeiras e desenhos animados. Duas diferenças: na época, a emissora se chamava TV Bandeirantes e Troiano era conhecida dos baixinhos como "tia Clau" -confesso que até hoje, quando penso nela, é esse apelido que me vem à mente. Tão grande experiência frente às câmeras tinha de resultar em igual desenvoltura. Troiano parece tão à vontade no estúdio quanto uma pessoa comum em casa, e faz com facilidade a ponte entre convidado e telespectador --elo importante para manter o interesse do quadro e a audiência. Versátil, ela obtém esse efeito em assuntos tão diferentes, que pode variar de receita de pão de lingüiça para tratamento da infertilidade masculina. Claudete pergunta, comenta, cita casos e pede mais informação, reforçando a didática do entrevistado e o apelo do assunto. Uma característica do "Pra Valer", também comum aos programas de sua espécie, é a segmentação. A atração alterna matérias externas (sobre curiosidades, como a mulher que guia caminhão de lixo ou uma feira de invenções), quadros com convidados fixos (médico, chef de cozinha, estilista), entrevistas no estúdio e várias inserções comerciais -todas com ativa participação de Troiano. Ativa e incômoda, diga-se de passagem. Em todos campos profissionais, quem consegue juntar talento e experiência a um currículo sem manchas acaba ganhando um bônus valioso: credibilidade. E Troiano usa muito a sua, até em tom emocional, para vender produtos diversos como uma máquina de lavar roupa ("notícia maravilhosa"), cogumelos medicinais ("tenho prova [de que funciona] na minha família"), modelador de cintura ("estou apaixonada"), câmera digital, iogurteira...
Sem querer questionar o direito de todos a ganhar a vida honestamente, causa desconforto quando um artista usa sua imagem positiva dessa forma, não para vender um produtinho ocasional, mas um vastíssimo catálogo de mercadorias, com intervalo de minutos entre as atrações. E convém lembrar que, além de inserções ao vivo, o "Pra Valer" tem intervalos comerciais "normais", chamadas de programação da Band e as da própria Troiano, que anuncia atrações dos próximos dias. Somando o que vi em três programas, estimo que, em cada hora de "Pra Valer", a parte comercial ocupe algo entre 20 e 25 minutos. E aí não tem jeito: a avalanche de marketing leva junto a simpatia, o talento, a versatilidade e as memórias afetivas, e torna o programa da querida "tia Clau" muito difícil de assistir. Nota da "Zapping" de 03 de outubro atribui ao bispo Honorilton Gonçalves, dirigente da TV Record, o comentário de que Troiano seria "melhor vendedora do que apresentadora". Pode haver um certo exagero episcopal, mas... Se o programa ganhar mais alguns patrocinadores, já pode passar a se chamar "Pra Vender". Numa boa. | | |